Em livro, economista inglês desvenda mitos utilizados por governos para
justificar cortes que afetam os mais pobres, deixando intocada a
estrutura fiscal que privilegia os ricos.
No Brasil, efeitos "amplificados" da receita de austeridade podem produzir "caos social", diz economista.
São Paulo – Representantes do mercado e economistas liberais, a todo
momento, insistem na ideia de que Estados podem quebrar se gastarem mais
do que arrecadam. Dizem que as contas públicas devem ser administradas
com a prudência devotada de uma dona de casa, que controla o orçamento
doméstico para não deixar a dispensa vazia no final do mês.
Em momentos de crise, advogam que o os governos devem dar o exemplo e
"cortar na própria carne", de modo a contribuir para a elevação da
confiança dos investidores que, animados, fariam o crescimento
florescer, inevitavelmente, segundo as leis naturais do mercado. Há
ainda o argumento de teor autopunitivo, que diz que, após períodos de
bonança, baseados na gastança desenfreada, sempre chega o momento em que
é preciso "apertar os cintos".
São esses mitos travestidos de argumento científico, como se fossem
verdades matemáticas absolutas, que o economista inglês Mark Blyth
dedica-se a investigar e destruir no livro Austeridade – A História de Uma Ideia Perigosa, Ed. Autonomia Literária.
Na Europa, suas críticas a esse modelo de ajuste que repassa a conta
da crise financeira (que eclodiu em 2007, e atingiu o continente nos
anos seguinte), para o grosso da população, enquanto os governos correm
para salvar bancos "grandes demais para falir", vem ganhando adeptos,
não só entre os estudiosos, mas também entre políticos mais
progressistas.
Para tratar dos impactos da obra de Blyth, e também da sua
aplicabilidade para o contexto brasileiro, os economistas Pedro Rossi
(Unicamp), Laura Carvalho (USP) e Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp)
participaram de debate nesta quinta-feira (30), em São Paulo, que também
promoveu o lançamento da versão traduzida do livro.
Laura Carvalho, que também prefaciou a obra, afirma que o discurso de
austeridade, tratado como uma ferramenta matemática para equilibrar as
contas públicas é, antes de mais nada, uma estratégia política.
No Brasil, as receitas de austeridade produziram consequências
sociais ainda mais graves, congelamento de investimentos em áreas
estratégicas como saúde e educação, explosão do desemprego. Ainda assim,
o déficit público segue cavalgando, e parte da população também começa a
perceber as contradições desse discurso, quando o governo Temer propõe
cortes e congelamentos, mas abre os cofres com isenções a grupos
privilegiados para se salvar a própria pele.
"Esses cortes foram dramáticos, e o que a gente viu foi uma
deterioração fiscal. Os déficits se tornaram cada vez maiores, apesar
dos cortes cada vez maiores, o que também ocorreu nos vários países que
tentaram essa estratégia. Entra-se numa estratégia que supostamente
seria rápida, para corrigir um problema fiscal. Começa-se a cortar, a
cortar, até cavar o fundo do poço, e as coisas vão piorando cada vez
mais", diz a economista.
Segundo ela, a austeridade acaba se convertendo em estagnação
econômica, o que acaba por agravar, ainda mais, as desigualdades sociais
no país. "A gente está falando de um país com o nível de desigualdade
muito mais alto, com taxas de homicídio e de violência urbana
comparáveis a de países em guerra, com uma oligarquia que domina o poder
desde 1.500. Ou seja, estamos falando de efeitos amplificados da
austeridade, que pode se transformar em caos social."
Para o economista Pedro Rossi, o livro de Blyth, ensina que "o
conceito de austeridade está fundamentado em mitos que não tem nenhuma
aderência com a realidade, nem comprovação empírica". Ele também
ressaltou que as ideias que contestam o discurso de autoridade vem
influenciando políticos como o líder do partido trabalhista inglês
Jeremy Corbyn.
Seguindo o receituário de ajuste, a Inglaterra reduzia o número de
policiais no mesmo momento em que cresciam as ameaças de ataques
terroristas. "Corbyn dizia que a política de corte de gastos estava
tirando a segurança das pessoas. Assim você captura uma parte da classe
média que não tem predileção pelos temais mais à esquerda. Ele também
afirmava que a austeridade é seletiva e prejudica sempre os mais
pobres."
Rossi, assim como Blyth, destacou que as contas dos governos não
guardam qualquer relação com a administração do orçamento doméstico, e
diz que, em momentos de crise, os Estados tem que, justamente, ampliar
os gastos públicos, e não promover cortes.
"Um governo não tem nada a ver com orçamento doméstico. Tem que fazer
o contrário das famílias na hora da crise", já que conta ferramentas de
planejamento e previsões de receitas. "Outra diferença é que, quando a
família gasta, esse dinheiro não volta. Já, quando o governo gasta, esse
dinheiro circula, gerando efeito multiplicador, e volta na forma de
arrecadação."
"Na hora da crise, as famílias, com razão, cortam gastos, porque têm
medo do futuro. Deixa de comprar uma televisão ou ir a um restaurante,
porque prefere esperar para ver o que vai acontecer. Se todo mundo deixa
de ir ao restaurante, ele quebra, e vai despedir as pessoas, gerando
desemprego e queda na renda. A crise atual é também uma crise de
demanda. Se todo mundo para de gastar, ao mesmo tempo, quem é que tem
recursos para gastar? É o governo", defende o economista.
Já Belluzzo destacou que, em linhas gerais, as concepções de
Blyth resgatam os ensinamentos do célebre economista britânico John
Maynard Keynes (1883-1946), que teorizou que os Estado deveriam
empreender investimentos públicos que equalizassem e suavizassem as
oscilações do mercado, reduzindo, assim, as incertezas. "Blyth
explica o óbvio. Se você tem uma situação depressiva e continua
cortando, certamente a receita fiscal cai. Não é difícil entender isso."
Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/135/discurso-de-austeridade-agrava-a-crise-e-serve-para-manter-privilegios
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