Está circulando um vídeo nas redes sociais em que Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, é agredido fisicamente no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, em meio a vaias e xingamentos.
Ele teve seu mandato de deputado federal pelo PMDB carioca cassado, em
setembro, por ter mentido sobre a existência de contas pertencentes a
ele no exterior.
Há quem se delicie com as imagens, sorrindo por
conta de uma suposta ''justiça'' feita pela população. Bobagem. Na minha
opinião, as imagens apenas mostram que no fundo do poço brasileiro há
um alçapão.
Discordo radicalmente das articulações nefastas
levadas a cabo por Eduardo Cunha quando presidia a Câmara. Ele manobrou
para que a proteção de crianças e adolescentes e a dignidade das
mulheres fosse pesadamente atacada através de propostas de lei e deu
apoio para que o fundamentalismo religioso crescesse no Poder
Legislativo. Não apenas transformou a Casa do Povo em um balcão de
negócios escancarado, chantageando outros poderes e dobrando as
instituições aos seus interesses, como usou de violência para atingir
seus objetivos – com uma polícia legislativa agindo de forma
truculenta. E isso sem considerar sua carreira inteira, que começa lá
atrás, junto a PC Farias.
Mas agredir fisicamente Eduardo Cunha é
uma ignorância sem tamanho. Apenas mostra que estamos desistindo de
confiar nas instituições e pressionar para que sejam eficazes e partindo
para mais linchamentos públicos. No caso, para que sejam capazes de
leva-lo a julgamento pelo que é a ele atribuído, como corrupção,
cobrança de propina, evasão de divisas, lavagem de dinheiro.
Quando
um indivíduo ou uma turba idiotizada resolve fazer Justiça com os
próprios punhos e parte para o linchamento de uma pessoa acusada de
cometer um crime, usa – não raro – o discurso de que as instituições
públicas não conseguem dar respostas satisfatórias para punir ou
prevenir. Afirmam, dessa forma, que estão resolvendo – como policial,
promotor, juiz, júri e carrasco – o que o poder público não foi capaz de
fazer, baseado em um entendimento do que é certo, do que é errado e do
que é inaceitável. Mesmo que, ao final do dia, isso os transforme em
criminosos, não em heróis.
Ao criticar agressões e linchamentos
públicos de ''culpados'' ou ''inocentes'' não defendo ''bandido'' ou
''impunidade'', mas sim esse pacto que os membros da sociedade fizeram
entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Teoricamente
em algum momento da história humana, nós abrimos mão de resolver as
coisas por conta própria para impedir que nos devoremos. O sistema que
criamos para isso não é perfeito, longe disso, mas é o que tem para
hoje.
Por fim, se algo causa impacto, é claro que será copiado.
Não estou jogando a culpa no mensageiro ou dizendo que o mimetismo é a
causa, mas a mídia, seja ela progressista ou conservadora, empresarial
ou alternativa, tem certa parcela de responsabilidade. E não falo por
conta da banalização da violência. É a sua transmissão acrítica, como se
notícias fossem neutras, não houvesse contexto social e todos os
receptores da informação compartilhassem dos mesmos valores.
Então,
você amigo internauta, amigo jornalista, não transmita ou repasse
aberrações como esse vídeo sem questionar. Lembre-se que o seu apoio a
um ato idiota – seja objetivo ou por omissão – não muda sozinho a
opinião das pessoas, mas unido a outros apoios ajuda a formar uma
percepção sobre o assunto.
Ao final das contas, ouvindo discursos
que pregam soluções violentas contra políticos, o ato de agredir Cunha
passa a soar quase como uma ordem divina.
Se toda essa discussão
lhe parecer inútil, pense desta forma: o Brasil não é feito de milhões
de Cunhas. Muitos de nós, ao contrário dele, defendem a dignidade humana
acima de tudo. Portanto, não deem esse gostinho a ele.
Sobre o autor
Leonardo Sakamoto
É
jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.
Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos
direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi
pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova
York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É
diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas
para Formas Contemporâneas de Escravidão.
Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/10/13/a-estupida-agressao-contra-eduardo-cunha-e-o-brasil-rumo-ao-fundo-do-poco/
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