O
governo Michel Temer está empurrando a aprovação da Proposta de Emenda
Constitucional 241 a fim de limitar investimentos públicos, piorando a
vida de quem depende de educação e saúde públicas. Mas também uma
Reforma da Previdência para impor uma idade mínima de 65 para a
aposentadoria, estendendo o inferno de quem corta cana, produz carvão e
carrega saco de cimento. E uma Reforma Trabalhista para reduzir direitos
garantidos ao longo de décadas de lutas, transformando a carteira de
trabalho em confete.
É… A vida não tá fácil, né, colega? Se ao
menos o seu time fosse como o meu que não vê ninguém à sua frente na
tabela do Brasileirão, teria o alento do Pão e Circo para esquecer um
pouco a dureza das coisas. Imagina como está a vida de quem torce para o
América, o Santa, o Figueirense e o Inter.
Michel Temer e seu ministro da Fazenda dizem que se esse pacote de desgraças não for aprovado do jeito deles, o Brasil quebra.
Empresários dizem que se isso não for aprovado do jeito que o governo propôs, o Brasil quebra.
Todo dia tem algum analista na TV dizendo que isso não for aprovado do jeito que o governo exige, o Brasil quebra.
O
problema é a perspectiva, sempre. Pois, do ponto de vista dos mais
pobres, o Brasil vai quebrar exatamente se isso tudo passar e o Estado
não for capaz de garantir um mínimo de qualidade de vida a milhões de
pessoas que já vivem na merda, preocupando-se apenas com fazer caixa
para o pagamento dos juros da dívida pública.
Ao invés de promover
um grande debate nacional sobre quais devem ser as prioridade do Estado
e como devemos resolver os nossos problemas estruturais (o que seria de
se esperar de um presidente-tampão com um plano de governo que não foi –
e nunca seria – eleito democraticamente), Temer prefere reduzir o
tamanho do Estado num curto espaço de tempo.
Uma espécie de Juscelino Kubitschek às avessas, engatando a marcha à ré de 30 anos em três.
Para
isso, engajou-se em uma blitzkrieg, ou ''guerra-relâmpago'', feito a
Alemanha na Segunda Grande Guerra, utilizando ataques rápidos, brutais e
de surpresa em vários fronts para evitar que a sociedade civil tenha
tempo de se reorganizar. De forma atabalhoada, é claro, sem a mesma
competência do Terceiro Reich e, claramente, longe de ter a mesma
aptidão para comunicação.
No final das contas, é o Estado mínimo
que está sendo implantado a toque de caixa. Fernando Henrique deve ter
agradecido a Michel Temer, no jantar que tiveram nesta semana, por
estar terminando de aplicar o receituário do Consenso de Washington, o
que nem ele conseguiu fazer.
Qualquer morsa que acompanhe o dia a
dia da Previdência Social e da CLT sabe que o país precisa de discussão
para atualizar essas políticas. Tenho discutido isso aqui no blog há
muito tempo. Por exemplo, o Brasil está mais velho e isso deve ser
levado em consideração para os que, agora, ingressam no mercado de
trabalho. Mas aumentar a idade mínima pura e simplesmente, ignorando que
há trabalhadores braçais que começaram a trabalhar muito cedo e,
exauridos de sua força, nem bem chegam vivos aos 65 anos, é delinquência
social.
Delinquência social implementada via chantagem de governo.
O
governo do PT fez bastante isso também na área ambiental. Por exemplo,
em 2007, o então ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, disse que
ou o licenciamento ambiental das hidrelétricas do rio Madeira (Santo
Antônio e Jirau) saía ou o governo começaria a procurar outras fontes de
energia sujas como a térmica ou nuclear.
O interessante é que
ele não escolheu a energia eólica, a solar ou a proveniente da biomassa
como opções, o que mostra o padrão de desenvolvimento predatório que
reinou nos governos Lula e Dilma. Mas também mostra como são
estruturadas essas chantagem de ''ou isso, ou aquilo'', no qual
escolhe-se um futuro sombrio feito uma maldição que irá se concretizar
se não aceitarmos a luz entregue pelos iluminados governantes.
Na
mesma linha, mas mexendo com temas muito mais estruturais, Michel Temer
chega com seu carrinho de picolé e diz que só há dois sabores a
escolher: ''gordura velha'' e ''sovaco cansado''. Um maniqueísmo e uma
dualidade rasos travestidos de ''única chance de salvação'' que pode
caber na explicação simplista e pomposa dada por representantes
do governo, mas não na realidade.
Por que Michel Temer e Henrique
Meirelles não vem a público dizer que ''ou a Previdência Social é
reformulada ou então teremos que fazer uma reforma tributária
democrática para que os muito ricos passem a pagar, proporcionalmente,
tanto imposto quanto a classe média e os mais pobres já pagam''.
Por
aqui, a tributação recai mais sobre bens e serviços, atingindo os mais
pobres e não sobre renda e patrimônio, o que atingiria os mais ricos –
dividendos recebidos de empresas, por exemplo, não são taxados por aqui.
Até porque, como sabemos, tanto patrimônio quanto patos amarelos são
mais sagrados que a vida. E não sou eu quem diz isso, mas o Centro
Internacional de Políticas para Crescimento Inclusivo ligado ao Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Sem contar que já
passou da hora de desvincular do cálculo do ''rombo da Previdência'' o
montante destinado à aposentadoria rural. Isso sempre foi programa
social, o mais importante de distribuição de renda até a chegada do
Bolsa Família. E como tal deveria ser encarado.
Também nunca ouvi
Michel Temer dizer ''ou cortamos recursos para educação e saúde ou
implantamos impostos sobre grandes fortunas, grandes heranças e
aplicamos uma alíquota nova no imposto de renda, de 40%, sobre a alta
renda dos muito abastados e agimos, finalmente, cobrando impostos
sonegados''.
A beleza de uma democracia é que, nela, os caminhos
deveriam ser discutidos abertamente e as decisões tomadas coletivamente.
E se há um buraco a ser coberto, que ele seja socializado – com os mais
vulneráveis pagando menos o pato do que os mais protegidos.
Como
não há dinheiro em caixa, está sendo dado ao povo uma escolha: ou aceita
a revisão de seus direitos, diminuindo seu alcance e efetividade, ou
fica sem nada. Isso pode ser tudo, mas está longe do que se espera de
uma democracia.
Por fim, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos diz que a propriedade é um direito, o que concordo, mas que
educação, saúde, cultura, moradia também são. Se a elite de um país
pressiona para que apenas um direito seja respeitado e o governo faz
vistas grossas, cabe ao povo se rebelar contra a situação e tomar as
rédeas do seu futuro.
O mais triste é constatar que parte da
população abraçou esse discurso e atua, com unhas e dentes, como cães de
guarda diante da possibilidade de contestar o status quo. Valores
passados cuidadosamente e ao longo do tempo foram colando em nossos
ossos e nos transformando em guerreiros da causa alheia.
Talvez
porque comprou a promessa vazia do sistema de que sempre é possível
alcançar a mesma riqueza através de trabalho árduo e vê nos mais ricos
um exemplo a ser seguido. Talvez porque acreditam realmente que a
meritocracia não é hereditária no Brasil.
Quem se insurge contra o
que nos mantém acorrentados a uma vida de merda acaba ouvindo ''Não
reclame, trabalhe''. Porque, afinal de contas, ''só o trabalho
liberta'', como diria a porta dos campos de concentração.
Quem
resolve se voltar contra injustiças e foge do comportamento aceitável
vira um pária. Sem essa vigilância invisível feita pelos próprios
controlados, é impossível uma classe econômica se manter no poder por
tanto tempo e de forma aparentemente pacífica como ocorre por aqui.
Enfim, alguém avisa ao Temer que não tenho roupa para viver de novo nos anos 80, que é para onde ele está nos levando.
Sobre o autor
Leonardo Sakamoto
É
jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.
Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos
direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi
pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova
York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É
diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas
para Formas Contemporâneas de Escravidão.
Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/10/13/alguem-avisa-ao-temer-que-nao-tenho-roupa-para-viver-de-novo-nos-anos-80/
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