Robson: “Choro agora por uma amiga admirável”
“Por dever de consciência.” Foi isso que o ex-chefe do Estado-Maior
da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Robson Rodrigues, em
entrevista à rádio CBN, disse ter norteado sua decisão de manifestar em
público para defender a memória de Marielle Franco, vereadora do Psol
cuja execução, na última quarta-feira (14), tem comovido o país e
movimentado as ruas com protestos e atos. Como resposta a amigos que
estavam postando as chamadas fake news (notícias falsas) sobre
Marielle no Facebook e outras redes sociais, Robson, que era amigo da
parlamentar, resolveu desmentir as mensagens difamatórias e apelar para
que as agressões cessassem (leia o texto abaixo).
No texto intitulado “Os sinos dobram por ti”, Robson informa ter
enviado textos a amigos que “bombardeados por bobagens e falsas
informações sobre a vereadora que não conheceram”. Ele inicia a postagem
no Facebook falando sobre o impacto da morte em um cenário de 60 mil
homicídios ao ano, e que não gosta de falar ou participar de “rituais de
despedida fúnebre”.
“Abri uma exceção por um dever de consciência; para falar de uma
amiga, a vereadora Marielle, porque, se sua morte me impactou, muito
mais tem impactado a forma vil e cega e infame como ela vem sendo
tratada por algumas pessoas nas redes sociais. Pessoas que não
conheceram Marielle”, escreveu o ex-comandante militar, que participou
da implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio.
Robson diz ter conhecido Marielle, socióloga negra que faria 39 anos
em 27 de julho, antes mesmo de ela ter virado parlamentar. Foram
diversos encontros para tratar de temas relacionados aos direitos
humanos e da questão das ações policiais no Rio, entre outros assuntos.
Segundo o militar, em uma dessas reuniões a própria parlamentar o
procurou para oferecer ajudar a policiais que sofreram violação de
direitos humanos – algo que contraria uma das principais acusações
inverídicas lançadas contra a vereadora, a de que ela defendia bandidos
ao lutar pelas garantias individuais dos concidadãos.
“Conheci Marielle quando ela me trouxe, de forma educada mas
contundente, o caso de algumas mães amedrontadas com a ação de policiais
que barbarizavam moradores de uma certa favela com UPP. Os fatos eram
indefensáveis. [...] Tomei minhas providências. [...] Depois disso ela
me procuraria para saber como ajudar policiais que sofriam abusos,
assédios moral e sexual e outros tipos de violações de direitos. Eu te
pergunto: alguém que ‘só quer defender bandido’ teria esse
comportamento?”, relata Robson, no texto enviado a um de seus colegas de
farda que vinham detratando Marielle.
Ativista de causas como o feminismo e o combate ao racismo e à
homofobia, Marielle havia sido escolhida para a relatoria da comissão
parlamentar que acompanhará os trabalhos da intervenção federal em curso
na segurança pública do estado, e vinha fazendo denúncias sobre a ação
das milícias e da banda podre de polícias fluminenses. Executada com
quatro balas na cabeça, a vereadora participou de um debate com mulheres
negras na Lapa, centro do Rio, antes de ser morta ao lado de Anderson
Pedro Gomes, que dirigia seu carro no dia do crime, por voltas das 21h.
Ela tinha uma filha de 19 anos e com a companheira Monica Tereza, com
quem morava.
“Meu sentimento é expressado nos versos do poeta John Donne: ‘A morte
de qualquer homem (ou mulher) me diminui, porque sou parte do gênero
humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram
por ti’. Choro agora por uma amiga admirável, sobretudo porque lutava
contra essa estupidez e sonhava com uma sociedade melhor. [...] Que
tenhamos Marielle presente para transformar nossa polícia em uma
instituição melhor para a sociedade e para policiais vocacionados”,
escreveu Robson, no encerramento do texto.
Segunda onda contra “segunda morte”
A questão das mentiras lançadas contra Marielle, que passaram a ser
chamadas como “a segunda morte” da vereadora, também provocaram uma
segunda onda de solidariedade e indignação contra seus detratores. Um
grupo de advogadas realiza força-tarefa para responder aos ataques,
judicialmente. Internautas compartilham e-mails de escritórios de
advocacia para denúncias. Os familiares de Marielle já avisaram que todo
e qualquer ataque à honra dela será denunciado. Artistas e
personalidades se manifestam publicamente contra as ofensas e
inverdades. Um site (mariellefranco.com.br)
foi criado para desmentir boatos e mostrar, com fatos, quem é Marielle e
o que ela fez em um ano de mandato na Câmara Municipal do Rio.
Até autoridades, como este site tem mostrado nos últimos dias, têm compartilhado fake news desde a execução de Marielle. Membro da chamada “bancada da bala”
na Câmara, Alberto Fraga (DEM-DF) fez uma postagem no Twitter neste fim
de semana acusando a vereadora de ter engravidado de um traficante aos
16 anos, de ser usuária de maconha e de ser “defensora de facção rival e
eleita pelo Comando Vermelho” – uma das fake news que ganharam as redes sociais após ao assassinato. A veiculação das mentiras renderá uma representação no Conselho de Ética a ser movida pelo Psol contra o deputado, que reclamou ao Congresso em Foco da “politização da morte” que estaria por trás da comoção nacional.
Além de Fraga, o Psol também vai reclamar, nos canais adequados,
contra mentiras publicadas no Facebook pela desembargadora Marilia
Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Em texto
já retirado do ar – providência também tomada por Fraga após a negativa
repercussão das palavras –, a magistrada classifica a vereadora de
“cadáver comum” e a acusa de engajamento com bandidos. Marilia também
diz que Marilia foi eleita pelo Comando Vermelho, uma das principais
facções criminosas do país, depois ter descumprido “‘compromissos’
assumidos com seus apoiadores”.
Leia o texto do coronel:
OS SINOS DOBRAM POR TI
Cada morte violenta me arranca um pedaço da alma, pois os mais de
60 mil homicídios ao ano nos distancia, e muito, do lugar civilizatório
que, julgo, mereceríamos ocupar como país tão lindo como o nosso. Calo,
sofro, choro em silêncio. Não me apraz falar, não me apraz comparecer a
rituais de despedida fúnebre e sentir o sofrimento das pessoas,
principalmente dos familiares, em respeito a suas dores.
O cargo me obrigou a assistir inúmeros enterros, de inúmeras
vítimas policiais de uma guerra fratricida que nos prostra enquanto
seres humanos. Uma guerra inglória. Abri uma exceção por um dever de
consciência; para falar de uma amiga, a vereadora Marielle, porque, se
sua morte me impactou, muito mais tem impactado a forma vil e cega e
infame como ela vem sendo tratada por algumas pessoas nas redes sociais.
Pessoas que não conheceram Marielle.
Senti-me na obrigação de informar a amigos desinformados sobre
quem ela era; amigos que considero e que são bombardeados por bobagens e
falsas informações sobre a vereadora que não conheceram. Segue abaixo
uma dessas mensagens que enviei a um amigo a quem considero bastante e
que talvez possa servir a outros amigos.
“Caro amigo xxxx (oficial PM)
Te conheço há bastante tempo para saber o quanto você é
inteligente para não se deixar levar por esses discursos que destilam o
ódio, mesmo nesses momentos de dor. Deveríamos, sim, nos unir enquanto
sociedade contra o maior problema civilizatório que nos afeta e
dilacera: a violência homicida. Apesar disso, há pessoas que insistem em
simplificar questão tão complexa, dividindo o mundo em direita e
esquerda. Você está além disso que eu sei.
Choro pelas mortes infames, do cidadão comum, dos meus amigos,
dos meus amigos policiais dos quais já perdi a conta inúmeras vezes. Meu
primeiro serviço como aspirante foi atender a ocorrência do assassinato
de um policial militar, adorado em meu Batalhão. Chorar com sua família
me fez pensar o quão difícil seria aquela trajetória profissional que
eu havia abraçado.
Meu sentimento é expressado nos versos do poeta John Donne: “a
morte de qualquer homem (ou mulher) me diminui, porque sou parte do
gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles
dobram por ti”.
Choro agora por uma amiga admirável, sobretudo porque lutava
contra essa estupidez e sonhava com uma sociedade melhor. A vereadora
Marielle era corajosa; lutava a favor das minorias, mas principalmente
contra a estupidez das mortes desnecessárias que têm endereço e
destinatários certos. Mortes muitas vezes festejadas por pessoas que
querem que nós, policiais, façamos para elas o serviço sujo de um
extermínio fascista. Não se esqueça que também acabamos vítimas dessa
estupidez.
Conheci Marielle quando ela me trouxe, de forma educada mas
contundente, o caso de algumas mães amedrontadas com a ação de policiais
que barbarizavam moradores de uma certa favela com UPP. Os fatos eram
indefensáveis. Aqueles comportamentos não era o que se podia esperar de
uma instituição que existe para combater o crime, mas, sobretudo, para
servir à população. Tomei minhas providências. Se Marielle veio até mim
buscando solução, era porque confiava na polícia, pelo menos em parte
dela, uma parte na qual eu te incluo. Marielle, assim como nós, não
confiava na polícia violadora de direitos, na polícia bandida, mas
confiava na instituição policial, naqueles que não querem que ela seja
instrumentalizada para fins vis e elitistas, sendo direcionada para os
mesmos estratos de onde a maior parte de nossos próprios policiais vem.
Depois disso ela me procuraria para saber como ajudar policiais
que sofriam abusos, assédios moral e sexual e outros tipos de violações
de direitos. Eu te pergunto: alguém que “só quer defender bandido” teria
esse comportamento?
Na ocasião, me lembro de ter comentado com ela do sofrimento dos
policiais subalternos, da mulher policial, da mulher negra policial etc.
Um fato em especial me tocava naquele momento: o de viúvas de PM. Eu
disse a ela que uma das formas de ajudar poderia ser agilizando os
processos de obtenção de suas pensão. Há trâmites administrativos que
emperram a pensão da viúva e que extrapolam as possibilidades da
corporação; há também a lentidão da investigação da morte dos policiais
militares por parte da PCERJ, que é formalidade do processo. Ela se
interessou e, depois, junto com o deputado Marcelo Freixo, criaram um
núcleo de atendimento a policiais. Mesmo depois de ter deixado a PM,
encaminhei alguns casos a eles.
Nossos praças e oficiais mais subalternos, principalmente as
policiais negras, são discriminadas diariamente em nossa instituição,
sofrem assédios, sobretudo por parte de pessoas como nós, oficiais e
brancos. Recentemente a PM impôs limite de vagas para mulheres no
concurso do CFO, mas contra isso ninguém de dentro se colocou. Marielle
se interessava por essas causas, que, infelizmente, ainda não tocam
nossa sensibilidade institucional. Com suas bandeiras ela defendia muito
mais nossos policiais do que nós fomos capazes de compreendê-lo e de
fazê-lo.
Portanto, postagens maldosas como essas, que vêm circulando nas
redes sociais, além de não retratarem a realidade, são de um imenso
desrespeito não só à historia de Marielle, mas aos nossos policiais
honestos e trabalhadores sofridos, sobretudo as policiais negras, que
tanto necessitam ser acolhidos nas causas que ela magnificamente
defendia. Que tenhamos Marielle presente para transformar nossa polícia
em uma instituição melhor para a sociedade e para policiais
vocacionados.”
Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/ex-chefe-da-pm-do-rio-desmente-noticias-falsas-sobre-marielle-e-relata-ajuda-oferecida-pela-vereadora-a-policiais/
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