A fraqueza dos partidos e de suas
lideranças não indicam nenhuma capacidade de dar rumo. Teremos muita
turbulência. As eleições de 2018, diferentemente de 1989, não estão
carregando ventos de esperança.
A última ditadura militar no Brasil terminou em 1984. As forças armadas,
não os partidos, eram a sustentação fundamental deste regime, embora a
Arena fosse o partido do governo. Quando estava ruindo a ditadura, a
Arena se dividiu em PDS e PFL, logo vieram seus herdeiros diretos do PP e
do DEM. A Nova República foi o regime político que substituiu a
ditadura militar. Sua sustentação fundamental encontrou-se nos partidos
políticos, mais concretamente no Congresso Nacional, no poder judiciário
e na instituição forte da presidência da república, eleita pelo voto
direto desde 1989.
Após a ditadura militar as forças armadas seguiram com sua estrutura
intacta, sem prisão para os torturadores, para seus mandantes, mantendo
seu poder e servindo de garantia em última instância da ordem chamada
democrática nascente. O PT surgiu quando as primeiras fortes
mobilizações do operariado paulista do ABC abalaram o regime militar. Em
1983 foi o primeiro partido que chamou os comícios pelas diretas que
levaram milhões às ruas em 1984. Em 1985 não aceitou o colégio eleitoral
entre Tancredo e Maluf, se recusando a respaldar um governo não eleito
pelo voto direto. Optou assim por se manter questionando a legitimidade
governante se ela não tivesse o voto direto. Seguiu sendo o partido de
maior crescimento no país apesar da vitória acachapante do PMDB nas
eleições de governador em 1986, na esteira do plano cruzado, que não
teve apoio do PT. O PMDB neste momento era o principal partido da Nova
República e o PT se apresentava como oposição, criticando os planos
econômicos do governo, planos apoiados para esmagadora maioria do
Congresso Nacional e pelos governadores.
O PT se apresentava ainda como crítico do regime político enquanto um
todo, mantendo a defesa das eleições diretas para presidente. Em 1988 o
crescimento do PT aparece no terreno eleitoral com a vitória nas
eleições de várias prefeituras, entre elas São Paulo e Porto Alegre.
Pouco tempo antes três operários foram mortos devido a repressão do
exército a uma greve na CSN em Volta Redonda. O plano cruzado já havia
entrado em crise e o descontentamento com o PMDB era enorme. Um ano
depois Sarney, o presidente da republica do PMDB, tinha que sair da
presidência pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. Foi o ano da
primeira eleição presidencial depois de quase 30 anos. Antecedida por
uma forte greve geral nos dias 14 e 15 de março a campanha de Lula foi
um verdadeiro movimento político de massas.
A burguesia se assustou. Os grandes empresários se unificaram
preocupados. Alguns setores políticos burgueses se somaram a Lula quando
o PT passou para o segundo turno. Collor, um político marginal,
desconhecido até o início da campanha, foi quem passou o primeiro turno
para enfrentá-lo. Seu discurso foi a favor dos descamisados e contra os
marajás. Ulisses Guimarães, o chefe da chamada constituição cidadã de
1988, que o PT não assinou, não teve 5% dos votos.
A presidência de Collor foi rápida. Num regime em que uma das bases
de sustentação é uma instituição presidencial forte e/ou um Congresso
Nacional que o dê respaldo, Collor perdeu a força mais rápido do que
ganhou e logo perdeu o pouco respaldo que conseguiu lograr. Em setembro
de 1992 teve seu impeachment. A transição foi o governo de Itamar, que
era o vice de Collor. Todos os principais partidos entraram e
sustentaram o novo governo. Foi feito um grande pacto para se chegar em
unidade até às eleições seguintes. Este foi o segundo ato do pacto da
Nova República. Setores políticos à esquerda que integraram o movimento
de rua pelo Fora Collor — cuja composição social era basicamente a
juventude estudantil, defenderam a continuidade da luta por novas
eleições e rejeitaram o pacto. Tais setores foram basicamente as forças
de esquerda do PT e a Convergência Socialista, expulsa do partido um ano
antes. O PC do B defendeu a posse de Itamar, com o líder dos cara
pintadas, Lindbergh Farias, sorridente ao seu lado (em 1992 a juventude
ainda tinha lideres assim. Se é para ter tais líderes, prefiro o “não me
representa” de junho de 2013). O mérito do PT foi não ter entrado no
governo. Apenas algumas figuras do partido o fizeram, como Luiza
Erundina.
Mas Lula e a cúpula petista deram respaldo à posse de Itamar e
legitimaram o novo governo. Foram parte do pacto numa posição
coadjuvante. Havia assim se dado um salto no compromisso entre os
partidos e se estabelecido um pacto de governabilidade. Todos sabem que
Fernando Henrique costurou no interior do governo de Itamar o plano real
e sua campanha presidencial. FHC ganhou em 94 e foi reeleito em 98. Em 8
anos de gestão de FHC o PMDB esteve sempre no governo. E Lula e o PT
deram várias demonstrações de respaldo ao regime político e a
governabilidade. Aliás, antes de FHC assumir mostraram sua cautela,
quando não foram até o final na denúncia contra as empreiteiras na CPI
contra elas em 1993. Lula se recusou a respaldar a greve dos petroleiros
em 1995.
Depois da derrota de 94, Lula afirmou que somente seria novamente
candidato estando livre para fazer alianças. Em 2002, com a crise do
neoliberalismo e do plano real, finalmente as chances de Lula estavam
claras. A burguesia exigiu um novo compromisso para manter o pacto de
convivência e respeito à governabilidade, agora com a hipótese de Lula
vencer as eleições. Em agosto de 2002, foi assinada por Lula a carta ao
povo brasileiro. Uma carta que até mesmo a cúpula do PT e os seus
principais redatores, como Palocci, assumem como uma carta aos mercados
(leia-se: ao capital financeiro). Neste momento o pacto que deu
surgimento a Nova República, que tinha tido seu primeiro ato no colégio
eleitoral — sem a participação do PT — e o segundo ato com a posse de
Itamar — aceita pelo PT –, chegava num momento decisivo em que o PT
assumia como protagonista central. Logo Lula seria o chefe do governo.
Foi diante desta decisão do partido que surgiu o PSOL, já que aí já
havia ficado claro que a vitória de Lula não representaria sequer uma
revolução democrática nem traria reformas econômicas profundas. Mas aqui
já é um assunto para o balanço dos 13 anos de governos petistas. Aqui, o
que quero apenas assinalar é que o pacto da Nova República garantiu
relativa estabilidade do poder burguês por muitos anos. Creio que até
junho de 2013. Aí o regime trincou. Sua estabilidade foi quebrada e não
pode mais ser restabelecida.
Com o impeachment de Dilma e agora a condenação de Lula, o PT foi
expurgado do condomínio de poder que ele aceitou legitimar com a posse
de Itamar mas sobretudo quando ele resolveu respaldar com a carta “ao
povo brasileiro” em agosto de 2002. Desde 2016, tendo Eduardo Cunha como
operador, a burguesia resolveu quebrar o pacto que havia sido
estabelecido com o PT. Por isso não foi uma decisão sem crise e tampouco
uma unanimidade entre os partidos e líderes da burguesia. A figura do
operador mostra o tamanho da crise. Hoje Cunha encontra-se preso. Até
Delfim Netto, economista conselheiro de Lula em duas gestões, lamenta o
desenlace que levou a quebra de um pacto que foi tão útil para manter os
planos econômicos burgueses em vigor e a ordem capitalista. Preferiam
um pacto a ter que implementar uma governabilidade com o uso mais aberto
da força. Até hoje Sarney mantém as pontes com a cúpula petista. Até no
terreno eleitoral, pela força que mantém Lula no norte/nordeste na
comparação com os demais candidatos, líderes como Renan Calheiros em
Alagoas apoiam o petista e Eunício Oliveira, presidente do Senado, que é
aliado de Temer, está próximo do PT no Ceará.
Mas o pacto foi quebrado. Não há sinais de recomposição possível, até
porque muitas instituições não estão amarradas aos interesses dos
partidos que detém as rédeas do poder. E a fraqueza destes partidos e de
suas lideranças não indicam nenhuma capacidade de dar rumo. Teremos
muita turbulência. As eleições de 2018, diferentemente de 1989, não
estão carregando ventos de esperança. Como para o povo mais pobre nunca
foi fácil mesmo, o melhor que pode fazer é se organizar e se preparar
para lutar em defesa dos seus interesses. Ninguém fará isso por nós.
Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2018/01/pacto-elites-historia-35-anos/
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