O ciclo de retorno de doenças vetoriais, como a febre amarela,
é, certa maneira, algo previsto no ambiente de floresta ou áreas
silvestres, circulando majoritariamente entre animais. A questão mais
sensível, no entanto, são os mosquitos transmissores da doença entre os
humanos. O maior risco, no entanto, não são as doenças em si, mas nossa
falta de controle sobre os mosquitos. “Todos nós temos o receio de haver o início da transmissão (de febre amarela) pelo Aedes Aegypti isso seria rigorosamente uma catástrofe”, pondera o médico, professor e pesquisador Carlos Henrique Nery Costa, em entrevista por telefone à IHU On-Line.
O Aedes Aegypti é um inseto totalmente fora de controle
“O Aedes Aegypti
é um inseto totalmente fora de controle, nada do que nós fazemos é
capaz de interromper a transmissão dessas doenças, seja com a dengue, com o zika vírus, com a febre chikungunya ou mesmo com a febre amarela,
que ameaça novamente”, destaca. Nesse cenário, a vacinação continua
sendo a medida mais eficaz de controle de uma epidemia. “Embora haja uma
limitação para a produção de vacinas para populações muito densas, como
a do Sudeste do Brasil, essa ideia de fracionar a dose é bastante segura, mas não sabemos o quanto a seguridade vai perdurar”, analisa.
Contudo, nosso maior dilema, em termos de saúde coletivo e controle
epidemiológico, continua sendo a multiplicação de insetos transmissores
desses vírus. “O calcanhar de aquiles que a ciência tem é não ter
oferecido um método de controle desse inseto, apesar dos diversos
esforços. Nós perdemos a batalha para o Aedes Aegypti”, complementa.
Carlos Henrique Nery Costa
é médico, formado pela Universidade de Brasília – UnB, mestre em
Medicina Tropical e doutor em Saúde Pública Tropical pela Harvard
University. É professor da Universidade Federal do Piauí, médico do
Instituto de Medicina Tropical Natan Portella, e Presidente da Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que explica o aumento de casos de febre amarela no Brasil nos últimos anos, especialmente nas áreas urbanas?
Carlos Henrique Nery Costa – A presença urbana da febre amarela
é mediada por mosquitos que são os vetores de contaminação. A doença,
porém, ainda é eminentemente silvestre, obedece a um ciclo exótico,
circulando, principalmente, entre animais. Então esses surtos ocorrem,
periodicamente, por razões ecológicas e eventualmente podem acometer
pessoas em contato com a floresta ou área silvestre onde os casos estão ocorrendo. Agora, por que isso tudo está ocorrendo nas áreas do Sudeste, como o Rio de Janeiro,
nós ainda não sabemos. Se a origem é a falta de investimento pluvial ou
relações ecológicas mais complexas, ainda não sabemos e é uma questão
de muito debate.
IHU On-Line – Qual seria a gravidade dos atuais episódios de surto de febre amarela?
Carlos Henrique Nery Costa – Todos nós temos o receio de haver o início da transmissão pelo Aedes Aegypti isso seria rigorosamente uma catástrofe. O Aedes Aegypti é um inseto totalmente fora de controle, nada do que nós fazemos é capaz de interromper a transmissão dessas doenças, seja com a dengue, com o zika vírus, com a febre chikungunya
ou mesmo com a febre amarela, que ameaça novamente. Felizmente, também
por razões que não compreendemos, não há casos de transmissão pelo Aedes Aegypti há décadas. A última vez que foi registrado foi em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
IHU On-Line – Qual o risco do surto de febre amarela se transformar em epidemia?
Carlos Henrique Nery Costa – Na verdade, o
surpreendente é não ter se transformado ainda. Uma hipótese que
eventualmente tem sido explorada é uma espécie de imunização do vírus da febre amarela em contato com outros vírus, como o da dengue, nos hospedeiros.
É uma possibilidade ainda não demonstrada de que as populações urbanas
estejam protegidas por experiências estéreis com dengue. Isso, reitero,
não é uma explicação aceita e consolidada, apenas uma hipótese.
Por isso a surpresa é não ter se tornado epidemia, porque tem tudo para ser epidemia, porque tem todo dia pessoas indo e vindo da floresta, trata-se de uma doença epidêmica, qualquer mosquito transmissor pode pegar o vírus e passar para outras pessoas.
IHU On-Line – Tem havido dificuldade para fazer o diagnóstico dos casos?
Carlos Henrique Nery Costa – Não. O diagnóstico é um protocolo feito por uma série de institutos de referência, dentre eles a Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz e o Instituto Evandro Chagas, que têm dinâmicas próprias de análises. O problema é que a sorologia pode ser confundida com a da dengue,
por isso não deve ser feito estes testes mais rápidos, mais
convencionais. Por isso a necessidade de se abrirem protocolos para
verificar se realmente é febre amarela, mas isso pode levar alguns dias.
A medida mais eficaz para o controle é a vacinação
IHU On-Line – Como os órgãos de saúde têm agido, no Brasil, em relação aos casos de febre amarela?
Carlos Henrique Nery Costa – A medida mais eficaz para o controle é a vacinação,
uma das ações mais eficientes que existe. Embora haja uma limitação
para a produção de vacinas para populações muito densas, como a do Sudeste
do Brasil, essa ideia de fracionar a dose é bastante segura, mas não
sabemos o quanto a seguridade vai perdurar. Em uma situação emergencial,
as declarações do Ministério da Saúde, de que o problema é a dificuldade de controle do Aedes Aegypti,
estão corretas. O calcanhar de aquiles que a ciência tem é não ter
oferecido um método de controle desse inseto, apesar dos diversos
esforços. Nós perdemos a batalha para o Aedes Aegypti.
O calcanhar de aquiles que a ciência tem é não ter oferecido um método de controle desse inseto, apesar dos diversos esforços
IHU On-Line – Quais têm sido os desafios para manter as doenças vetoriais sob controle?
Carlos Henrique Nery Costa – O que tem vacina dá para manter sob controle. O que não tem vacina, como chikungunya, vai passar pelo controle. Dengue tem uma vacina de eficácia muito limitada, cujos resultados não foram aquilo que se esperava, então o problema do Aedes,
que é o grande desafio, permanece. Isso não é mais um problema somente
dos países tropicais, pois o mosquito está se expandindo para outras
regiões, devido aos eventos climáticos extremos causados pelo aquecimento global. O mosquito ameaça invadir a Europa, já está no Sul dos Estados Unidos e na Ásia. Se esse aquecimento global está alterando o comportamento do hospedeiro nas regiões de mata, ainda é uma questão em aberto.
O mosquito está se expandindo para outras regiões, devido aos eventos climáticos extremos causados pelo aquecimento global
IHU On-Line – Que projeção poderia ser feita sobre a questão das doenças vetoriais?
Carlos Henrique Nery Costa – O que nós temos que fazer,
por enquanto, é vacinar para controlar algumas crises e a população
mais vulnerável, as pessoas mais expostas, e esperar que epizootia
acabe, mas para isso não tem previsibilidade nenhuma, pois se trata de
um fenômeno totalmente silvestre sem capacidade de controle dos insetos
transmissores e das populações de animais que habitam a copa das
árvores.
O Brasil continua muito vulnerável à emergência de novas doenças tropicais
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Carlos Henrique Nery Costa – Nós temos que, realmente, investir pesado em termos científicos no controle do Aedes Aegypti. Nossa capacidade de resposta a casos emergentes é razoável, como fizemos no caso do zika vírus, mas é preciso muito mais, porque a febre amarela não é a última epidemia, assim como o zika nem o chikungunya
não foram as últimas doenças de emergência. O Brasil continua, também
por estar nos trópicos, muito vulnerável à emergência de novas doenças tropicais.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/575651-na-batalha-contra-o-mosquito-o-brasil-sai-derrotado-entrevista-especial-com-carlos-henrique-nery-costa
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