Luiz Miguel Modino
O decorrer da vida e dos anos vai ensinando-nos que, mais do que
segurar bandeiras, temos que assumir causas, sonhos, esperanças…, que
nascem da convivência com aqueles que essa vida vai colocando ao nosso
lado. Estar com os olhos, os ouvidos e o coração aberto nos ensina a
sentir a necessidade de aprender, de se deixar inundar pela sabedoria
que nasce da simplicidade.
Conviver com os povos indígenas é um manancial de vida nova, de
contínuos aprendizados sobre como viver em comunidade, de pensar no
coletivo acima dos interesses individuais, que sempre deixam aflorar na
gente um dos maiores pecados da humanidade, o egoísmo.
No contato com os povos originários, a gente vai descobrindo o que
significa ser comunidade desde a prática do dia a dia, e não só a tempo
parcial, ser comunidade como uma vivencia interior e não como um vestido
que uso segundo a conveniência. Às vezes nos deparamos com teóricos das
comunidades, inclusive das CEBs, gente que se deixa levar por
pensamentos que o transportam num mundo que dificilmente se concretiza
no contato cotidiano com os outros, gente que fica no plano especulativo
e tem a maior dificuldade para colocar o pé no chão e se sujar com as
feridas do outro.
Ser comunidade, ou ser CEBs, não se limita ao uso de uma linguagem,
que as vezes parece mais própria de seitas, e sim assumir um jeito de
viver, de olhar para o outro, de se relacionar com o diferente, com o
irmão, com o parente… Lutar juntos para fazer realidade o Reino de Deus,
sempre fonte de vida para todos e todas, inclusive para quem é
diferente, vive diferente o enxerga Deus de um modo diferente.
O Concilio Vaticano II nos faz um chamado, e disso já passaram mais
de cinquenta anos, sobre a necessidade de unir fé e vida se realmente
queremos ser cristãos. O contato com os povos indígenas me ajuda
descobrir isso em múltiplos detalhes: a facilidade para acolher o outro,
a partilha como atitude vital, a harmonia com a natureza, o cuidado
mutuo. Tudo isso, porque é isso o que Deus espera de quem diz acreditar
nele, independentemente do nome que demos a esse Deus.
O pior de tudo é que tem gente que muitas vezes se faz presente
nesses lugares para introduzir um catolicismo romano que não é
entendido, mas também não é explicado. E tudo isso às presas, sem tempo,
nem vontade, de ser uma presença continua e cotidiana, na qual possa
ser descoberta a chegada do Deus que vem ao nosso encontro para ficar
sempre do lado da gente.
Um dos maiores pecados da Igreja da Amazônia é que não nos fazemos
suficientemente presentes nas periferias, tanto das grandes cidades como
das imensas florestas. As CEBs devem refletir sobre essa presença
cotidiana, que acompanha a vida pessoal dos indivíduos, que vai além de
encontros de grande ou pequeno porte, que podem ser necessários, mas são
claramente insuficientes.
A evangelização se faz realidade através de instrumentos que são
esquecidos na dinâmica das CEBs e dos quais tanto precisam os homens e
mulheres de hoje, também aqueles que vivem nas comunidades mais
afastadas. Só o contato pessoal nos ajuda a conhecer e assumir as causas
dos povos da floresta, a sentir suas lutas como próprias, a sermos
partícipes de sua cultura e forma de viver e entender a Deus, que sempre
esteve presente ao lado desses povos, aonde chegou bem antes do que
qualquer missionário.
Ser Igreja de CEBs é fazer realidade uma Igreja que se constrói a
partir da escuta, do olhar, da presença, uma Igreja que se faz
companheira de caminho, que não duvida em estar onde ninguém quer estar,
com quem ninguém quer estar, como ninguém quer estar.
Por Luiz Miguel Modino
Disponível em: http://portaldascebs.org.br/2017/12/21/os-povos-indigenas-nos-ensinam-que-a-comunidade-e-uma-vivencia-e-nao-uma-ideia/
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