Entrevista realizada por Luis Miguel Modino, em 23 de janeiro de 2018. Por ocasião do 14° Intereclesial das CEBs.
O Brasil vive um momento de extrema importância histórica. A situação
sociopolítica é cada vez mais preocupante. O julgamento do
ex-presidente Lula em segunda instancia que hoje, 24 de janeiro, vai
acontecer em Porto Alegre, só complica uma situação marcada pela tensão.
Dentro dessa conjuntura, Frei Betto, uma das vozes mais autorizadas
no Brasil no análise sociopolítico, faz uma valoração nesta entrevista
sobre o momento que passa o pais, mostrando sua opinião sobre como pode
ser resolvida a situação.
Frei Betto define a postura da Igreja católica, diante do momento
pelo qual o país está passando como tímida, pouco profética, trazendo à
memória a figura de bispos que se comprometeram com os mais pobres,
chegando afirmar que existe uma distância entre o Papa Francisco e os
bispos brasileiros, pois “muitos bispos brasileiros, eles toleram, mas
não apoiam”.
No contexto do 14º Intereclesial das comunidades eclesiais de base,
que está acontecendo em Londrina, analiza o papel das CEBs, destacando
sua grande importância na vida do país nas décadas de setenta e oitenta,
e como elas podem ser instrumento que ajude a retomar muitos dos
aspectos que sempre estiveram presentes na sociedade e na Igreja do
Brasil.
Como vê hoje a situação sociopolítica do Brasil?
O Brasil vive una crise político, institucional muito forte desde que
foi dado o golpe parlamentar depondo à presidente Dilma Rousseff, golpe
esse que complementa uma estratégia da Casa Branca para destituir na
América Latina os presidentes progressistas. Começou por Honduras,
depois pelo Paraguai e agora pelo Brasil, e com isso temos um governo
golpista, chefiado pelo presidente Temer, que não consegue chegar a 5%
de aprovação da opinião pública e um grande impasse porque estão
querendo criminalizar a figura do expoente máximo da base popular
brasileira, que é o ex-presidente Lula, cujo julgamento em segunda
instancia será hoje em Porto Alegre.
Então vamos ver o resultado. De qualquer forma acredito que ele não
será impedido de ser candidato a presidente. A superação dessa crise vai
depender de um lado das eleições desse ano, que ocorreram no fim do
ano, eleições presidenciais, para governadores e também para o Congresso
Nacional, e de outro lado nós temos um cenário muito curioso, que é a
inércia do povo. Muitos me dizem principalmente amigos estrangeiros, por
que não ocorrem aqui manifestações como aquela que houve recentemente
na Argentina? Pela mesma razão que deveria haver no Brasil contra a
Reforma da Previdência Social, por que não ocorrem manifestações para
depor o presidente Temer, por que não ocorrem manifestações expressivas?
Porque, infelizmente, durante os treze anos do governo do PT não se
trabalhou a politização do povo brasileiro, não se fez o que eu chamo
alfabetização política. E com isso, nós temos hoje uma nação de
consumistas e não de protagonistas políticos.
O que deveria ser feito desde os movimentos sociais, desde os
partidos políticos, para recuperar essa dimensão política na sociedade?
Nós precisamos primeiro fortalecer os movimentos sociais, isso é o
mais importante. Eles são o povo mais importante de toda a cadeia de
mobilização social, muito mais que os partidos. O problema é que, uma
vez no governo, o PT cortou alguns movimentos sociais importantes, como a
CUT e a União Nacional dos Estudantes, que se tornaram muito mais do
governo na base do que, o que deveria ser sempre, representantes da base
junto ao governo.
Então, com isso, hoje nós temos movimentos sociais muito
fragilizados, embora alguns tenham expressão nacional e capacidade de
mobilização, e eu resalto dois, o MST, que é o Movimento Sem Terra, e o
MTST, que é o Movimento Sem Teto, esses dois movimentos são os expoentes
da mobilização popular no país. Mas deveríamos ter muito mais, pois o
Brasil tem um enorme rede de movimentos sociais, movimentos negros,
movimentos de mulheres, movimentos de luta por direitos, água,
passarela, estrada, cisternas, toda uma infinidade de movimentos
sociais, mas issos foram fragilizados por falta de um trabalho, a meio
prazo, de alfabetização política, e hoje, se você pergunta, qual é a
nossa tarefa prioritária?, a resposta é essa, aprimorar, investir,
fortalecer os movimentos sociais.
Frei Beto, dominicano
O senhor falou sobre o Movimento Sem Teto. Corre o rumor que
Guilherme Boulos, o líder desse movimento, poderia ser um futuro
candidato à Presidência do Brasil?
Parece que há uma tratativa para que ele saia candidato a presidente
pelo PSOL, que é um partido de esquerda, e no segundo turno apoiaria o
Lula. Ele tem conversado muito com Lula e Lula com ele, os dois são
parceiros. Porque o Guilherme, como candidato a Presidente vai conseguir
agregar um setor da esquerda que hoje não está disposto votar em Lula,
devido às alianças que Lula fez no passado e ainda insiste fazer no
futuro, com Renan Calheiros, com José Sarney, etc., que são caciques
corruptos da política brasileira.
A Igreja, diante da situação política, através da Conferencia
Nacional dos Bispos do Brasil, já tem emitido algumas notas. Pensa que é
suficiente, pensa que a Igreja brasileira deveria ser mais profética?
A Igreja brasileira foi muito profética durante os anos da ditadura
militar e a democratização a partir de 1985 até a década de noventa. A
partir daí, com o pontificado de Jõao Paulo II e Bento XVI, esse
profetismo desapareceu praticamente, e ainda não despontou de novo.
Então nós temos uma Igreja tímida, que faz documentos tímidos, alguns
até críticos ao governo Temer, como aquele que foi emitido contra a
reforma trabalhista, mas não temos mais expoentes proféticos como Dom
Pedro Casaldáliga, Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom
Fragoso, Dom Luiz Fernandes, bispos que realmente expressaram em público
do amor naqueles que são, por força da desigualdade social e da
exclusão, sem voz.
Porque essa timidez quando a gente vê que o Papa Francisco está sendo
alguém que se posiciona claramente contra um sistema que ele qualifica
como um sistema que mata?
Porque infelizmente, o Papa Francisco não é o Papa de muitos bispos
brasileiros, eles toleram, mas não apoiam. Acham que o Papa Francisco é
demasiadamente avançado. Então, por isso, não manifestam esse apoio que
eu gostaria que a CNBB manifestasse sempre.
O Papa Francisco já promoveu três encontros de líderes mundiais de
movimentos sociais, três. O Brasil, seguramente, é um dos países do
mundo com maior número de movimentos sociais. A CNBB já deveria ter
feito pelos menos um. Ou seja, ainda é uma conferencia episcopal
tremendamente clericalizada, onde os leigos quase não tem nenhum espaço.
Isso realmente mostra a falta do nosso profetismo.
A Igreja do Brasil promove nesse ano o Ano do Laicato. Desde esse
ponto de vista, o Ano do Laicato é algo que fica dentro da Igreja ou uma
coisa que tem uma implicação para fora?
Não, não, para dentro da Igreja. Não é um ano em que você tenha, por
exemplo. Uma Igreja se manifestando a favor de leigos, católicos que
participam da vida nacional e que deveriam ter todo o respaldo explícito
da Igreja. A Igreja nem sequer respalda padres e religiosas que estão
na linha de frente. Ou seja, não dá suficiente apoio a aqueles que estão
mais envolvidos com os movimentos sociais.
A CNBB, por exemplo, deveria ter feito uma missa no assentamento do
MTST em São Bernardo do Campo, donde tem oito mil pessoas ali alojadas
debaixo de barracas. Não fez, deveria ter aproveitado o Natal para fazer
uma grande celebração lá, mas os pastores evangélicos foram lá. Essa é a
contradição que vivemos.
Estamos participando do 14º Intereclesial das Comunidades Eclesiais
de Base. A Igreja da base, como poderia ajudar para que essas mudanças
que o Papa Francisco tenta propor, tanto na Igreja como na sociedade, se
tornem uma realidade, no mínimo nessa Igreja de comunidades, de base?
As comunidades de base, elas têm que crescer e isso têm que ser uma
iniciativa dos leigos. Embora haja muitos padres e alguns bispos que
apoiam, mas não vamos esperar que eles tomem a iniciativa sozinhos. É
preciso que os leigos incrementem essa rede de comunidades, extremamente
vital durante a década de 1970 e 80 no Brasil, contribuindo para
derrubar a ditadura, contribuindo para a formação do PT, a CUT, o MST.
Lula varias vezes repetiu , as CEBs tiveram mais importância na
capilaridade nacional do PT do que o movimento sindical, do que o
movimento social.
Poderíamos dizer que com o tempo as CEBs se tornaram uma coisa mais intraeclesial?
Não, as CEBs não se tornaram, as CEBs elas perderam o apoio nos dois
pontificados conservadores, de João Paulo II e Bento XVI, e com isso os
bispos recuaram no apoio. E como a Igreja tem uma estrutura vertical,
autocrática, isso teve reflexo nas CEBs. Inclusive já existem estudos
que demonstram que o crescimento das igrejas evangélicas tem a ver com o
recu das CEBs, enquanto os leigos encontravam nas CEBs o espaço para
vivenciar sua fé e a sua prática missionária, as igrejas evangélicas não
cresciam tanto. Muitos foram buscando nas igrejas evangélicas o que não
encontraram mais na católica.
Frente a isso, muitos movimentos conservadores dizem que foi as CEBs o que provocou o crescimento das igrejas evangélicas.
Mas não é verdade, existem estudos científicos que demonstram o
contrario, que o arrefecimentos das CEBs, o recu, corresponde ao
crescimento das igrejas evangélicas. Isso é fato, o fato é que as CEBs
foram uma força extremamente expressiva na história do Brasil nas
décadas de setenta e oitenta.
Disponível em: http://portaldascebs.org.br/2018/01/24/frei-betto-a-igreja-brasileira-e-timida-perdeu-o-profetismo-de-tempos-passados/
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