O País caminha para o ponto ótimo do caos. Ele vai gerar uma saída inesperada como em outros momentos?
Proclamação da República, outro momento histórico para o qual o povo não foi convidado
Nos momentos de maior inflexão histórica no Brasil, o
sucesso das forças de direita expressou como ingrediente máximo o
recurso da “fuga para a frente”.
Isto é, a comprovação do crescimento econômico
como resposta à oposição democrática, o que garantia, com isso, que a
modernização almejada se processaria ancorada, em geral, na preservação
dos princípios autoritários do liberal conservadorismo.
A melhor versão do que se comprovaria posteriormente em
diferentes períodos mais agudos da trajetória brasileira ao longo do
tempo foi enunciado pelo jornalista Hipólito José da Costa, em 1815:
“Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis; mas ninguém aborrece
mais do que nós, que essas reformas sejam feitas pelo povo; pois
conhecemos as más consequências desse modo de reformar; desejamos as
reformas, mas feitas pelo governo; e urgimos que o governo as deve fazer
enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo”. Reformas,
sim, porém sem o povo e, por isso, muitas vezes, contra o povo.
Na recente experiência democrática brasileira,
o programa de governo adotado pelo condomínio de interesses que
sustentam Michel Temer dificilmente sairia vitorioso em disputa
eleitoral. Ainda mais se lembrado o resultado alcançado, por exemplo,
pelas experiências da era dos Fernandos nos anos de 1990 (Collor,
1990-1992, e Cardoso, 1995-2002).
Mas, se impossibilita a democracia por uma interrupção
autoritária, a pretensa modernização libertária dos interesses
minoritários dos poderosos e conservadores viabilizaria ação
governamental programática distinta da vontade dominante das urnas.
Foi assim em 1964, quando a pauta das reformas de base em
execução pelo governo democrático vigente à época terminou de forma
abrupta e autoritária substituída pelo receituário da modernização
conservadora definida pelos interesses dos privilegiados ao longo de 21
anos de existência do regime militar.
O ano de 2016 não deixa de apontar também para uma perspectiva
similar de preservação dos interesses minoritários dos poderosos,
percebida pela ação governamental travestida de exclusão na base da
pirâmide social do orçamento público.
Dessa forma, o corte de recursos públicos apresenta-se
seletivo, possibilitando a maior captura de recursos públicos para a
sustentação do rentismo improdutivo nas próximas duas décadas.
Diferentemente de 1964, contudo, o golpe de 2016 não parece
conseguir cumprir, ao menos até o presente momento, o conjunto de
promessas voltadas para o reequilíbrio das contas públicas e o retorno
do crescimento econômico nacional.
Mesmo com a implementação das reformas liberal-conservadoras, os resultados esperados não apareceram. Ao contrário. Prolongam a agonia fiscal e a instabilidade do sistema produtivo.
Para 2018, dois anos após a ascensão do governo Temer, o
Brasil tende a perseguir como futuro o retorno ao longo atraso do
passado. Com o abandono das políticas públicas exitosas dos governos
petistas, a garantia do pleno emprego, a elevação do poder de compra do
rendimento dos ocupados e a redução da desigualdade da renda tornam-se
cada vez mais distantes, conforme percebe cada vez mais o conjunto da
população.
Nesses termos a desilusão parece tomar maior corpo entre os
brasileiros, inclusive no interior das forças políticas e econômicas que
pertencem ao condomínio de interesses que sustentam o governo Temer.
O fato mais alarmante a ganhar dimensão nacional decorre da
observável incapacidade dos golpistas de construírem uma candidatura
presidencial que possa reproduzir os mesmos interesses no processo
eleitoral de 2018.
O afastamento da perspectiva de poder para além de 2018
permite aos golpistas procurar uma forma de combater a desilusão que se
generaliza trilhando caminhos de continuidade antidemocrática.
Uma espécie de segunda etapa do golpe iniciada em 2016
poderia ocorrer por meio de obstáculos jurídicos, políticos e econômicos
variados para impossibilitar a realização das eleições presidenciais
livres.
Recorde-se que, em 1964, diversos democratas apoiaram a intervenção militar na perspectiva de que o deslocamento para a ilegalidade do governo Jango
e a força do PTB abririam nova oportunidade democrática em 1965 para as
eleições presidenciais. Como se sabe, os golpistas de 1964 frustraram o
grupo democrata que inicialmente os apoiou, estendendo por 21 anos o
autoritarismo.
Naqueles anos, o recurso da “fuga para a frente” apresentou-se
suficiente, com a comprovação do crescimento econômico em alta. Nos dias
de hoje, isso parece ser inconcebível, não obstante a torcida
propagandista dos analistas econômicos em ressaltar os avanços do
governo Temer, enquanto identifica somente o desastre nas anteriores
administrações petistas.
Acontece que o ano de 2017 aponta para o empate entre a
recessão e o crescimento econômico. O zero a zero da economia brasileira
não permite validar a imagem da simples saída do processo recessivo.
Uma espécie de parada no ritmo de decréscimo recessivo pode
estar presente em 2017, ocasionada por fatores exógenos da política
econômica, como a safra agrícola e a melhora do comércio internacional.
Sem a presença de um vetor dinâmico de recuperação econômica, não se
deve descartar a possibilidade de que em 2018 o Produto Interno Bruto
possa passar por uma nova queda.
Isso não seria estranho. Nas duas grandes recessões passadas
(1981-83 e 1990-92), o Brasil registrou forte queda no PIB em 1981 e
1983, bem como em 1990 e 1992, intermediado por leve pontuação positiva
do PIB nos anos de 1982 e de 1991.
Se aprovada pelo Parlamento, a proposta orçamentária enviada pelo governo Temer para o ano de 2018
levará a um aperto ainda maior no setor público do que aquele observado
desde o começo da recessão. O seu efeito contracionista sobre o
conjunto da economia não será desprezível.
Com isso, a persistência do desajuste nas contas públicas e o
distanciamento da recuperação econômica e seus efeitos positivos para
os brasileiros. Por isso, a perspectiva de uma segunda etapa do golpe
iniciado em 2016 pode se transformar em grande tragédia nacional,
levando a enormes riscos institucionais e de distúrbios à ordem pública.
Nessa situação, a participação de todos no processo
eleitoral de 2018 pode ser mais uma incógnita a ser desvelada. Por que
participar se não houver perspectiva de vitória?
Está no ar a consideração de que o ciclo político da Nova
República iniciado em 1985 estaria definitivamente encerrado. Quando uma
parte dos partidos derrotados em 2014 não mais aceitou o resultado
eleitoral, conforme havia sido feito desde 1989, a estabilidade democrática foi rompida.
O conjunto das forças golpistas, sem participar do processo
eleitoral, ou ainda participar simbolicamente, apontariam não apenas
para a afirmação da tese do fim da experiência democrática. Mas,
sobretudo, para a enorme dificuldade de governo do próximo presidente a
ser eleito em 2018.
Em se admitindo essa possibilidade, as eleições deixariam de
ser solução democrática para o complexo impasse nacional atual.
Soluções fora do tradicional são possíveis, mas lançariam o País em um
cenário ainda mais tumultuado e incerto.
Em decorrência, a preservação do regime democrático nacional
compreenderia a urgente e necessária formação de uma nova maioria
política capaz de convergir com um inédito centro estabilizador das forças
vivas da nação. Um acordo mínimo a garantir que a solução do atual
impasse nacional implicaria a devolução aos brasileiros do poder de
decisão seria fundamental.
Os dados econômicos deste ano não permitem alardear o fim do processo recessivo
(Foto: Fabio Scremin/APPA)
O reconhecimento e a aceitação das regras democráticas por todos são
fundamentais. Faria sentido, nesse contexto, o chamamento a uma nova
Constituinte que decidiria a respeito de pontos específicos e centrais à
reformulação do Estado e sua relação com a sociedade e o mercado.
Essa grandiosidade pode ocorrer. Ao menos historicamente, o
Brasil sofreu inflexões ocasionadas pela emergência da situação de caos,
como a confusão e ameaças na transição da Monarquia para a República na
década de 1880 e a passagem da sociedade agrária para a urbana e
industrial a partir dos anos de 1930.
Mais do que a espera de um milagre, o Brasil caminha para o
ponto ótimo, perfeito, do caos. Se no passado ele foi responsável pela
geração de saídas inesperadas e contrárias aos interesses dominantes,
que seja bem-vindo neste ano de 2018.
As apostas têm sido feitas enquanto o jogo segue jogado.
Logo mais, em 2018, a torcida vai poder, porém, entrar em campo e o
imprevisível torna-se uma realidade sem medo de o povo voltar a ser
feliz.
*Professor do Instituto de Economia e pesquisador do
Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da
Universidade Estadual de Campinas
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/revista/984/em-2018-a-continuidade-democratica-estara-em-jogo
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