Em países periféricos como o Brasil, a ignorância é mantida porque serve para promover a apatia da população – e, como consequência, a pobreza se perpetua como eficaz instrumento de dominação.
Em seu magistral livro, O Capital no Século XXI, o economista francês Thomas Piketty
afirma que uma das maneiras de diminuir o enorme abismo entre ricos e
pobres, além da óbvia taxação das fortunas, é a disseminação do
conhecimento. A ignorância
revela-se como uma trava ao desenvolvimento, tanto pessoal quanto
coletivo, impedindo uma melhor distribuição da renda. Em países
periféricos como o Brasil, no entanto, a ignorância é mantida porque
serve para promover a apatia da população – e, como consequência, a pobreza se perpetua como eficaz instrumento de dominação.
O novo valor do salário-mínimo, R$ 954, estabelecido pelo presidente não eleito, Michel Temer,
representa um aumento de 1,8% em relação ao piso anterior, de R$ 954, o
que não corrige nem mesmo as perdas para a inflação, que deve fechar o
ano em torno de 2,8%. Segundo a Constituição de 1988, o salário-mínimo
deveria ser capaz de atender “às necessidades vitais básicas” do
trabalhador “e de sua família” com “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.
Ora, apenas a cesta básica – o item “alimentação” – custava,
em novembro, entre R$ 327,85 (a mais barata, em Recife) e R$ 444,16 (a
mais cara, em Porto Alegre), conforme levantamento do Dieese
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Para cumprir a lei, o valor do salário-mínimo – pensando numa família
composta por quatro pessoas – deveria ter sido, naquele mês, de R$
3.731,39 – equivalente a quase quatro vezes o valor estipulado para este
ano.
Entretanto, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística), cerca da metade dos trabalhadores
brasileiros sequer recebe um salário-mínimo
por mês. Realizada a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua (PNAD), dos 88,9 milhões de trabalhadores ocupados
em 2016, 44,4 milhões recebiam, em média, o equivalente a 85% do valor
do salário-mínimo vigente, ou seja, R$ 747. Por outro lado, 889 mil
pessoas (1% do total da população empregada) recebia, em média, R$ 27
mil mensais. Por isso, ocupamos o vergonhoso 10º lugar no ranking dos países mais desiguais do mundo...
E mais: a miséria está voltando a patamares anteriores ao
início da nossa crise econômica. O documento Síntese de Indicadores
Sociais, do IBGE, mostra que, em 2016, o número de brasileiros vivendo
com rendimentos mensais abaixo de ¼ do salário-mínimo havia aumentado
53% em comparação com 2014, alcançando 24,8 milhões de pessoas, ou seja,
12,1% do total da população vivem na “pobreza extrema”.
E a desigualdade social também discrimina por cor: entre os 10% da
população com os menores rendimentos, 78,5% eram pretos ou pardos.
Em setembro, a Polícia Federal
descobriu, num apartamento em Salvador, dezenas de caixas contendo um
total de R$ 51.030.866,49, que, acusa, pertencem ao ex-ministro-chefe da
Secretaria de Governo de Michel Temer, ex-ministro da Integração
Nacional de Luiz Inácio Lula da Silva e ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Dilma Rousseff, Geddel Vieira Lima.
Este dinheiro seria suficiente para remunerar 53.491 trabalhadores que
recebem um salário-mínimo por mês! Infelizmente, o caso de Geddel é
apenas uma ínfima amostra do quadro de total descalabro em que se
encontra o Brasil.
Em março de 2010, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou o documento “Corrupção: custos econômicos e propostas de combate”,
que calculava em 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) o custo médio
anual da corrupção. O relatório concluía que “o custo extremamente
elevado da corrupção no Brasil prejudica o aumento da renda per capita, o
crescimento e a competitividade do país, compromete a possibilidade de
oferecer à população melhores condições econômicas e de bem-estar social
e às empresas melhores condições de infraestrutura e um ambiente de
negócios mais estável”.
A má qualidade da nossa educação – ocupamos o penúltimo lugar no ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
– explica a nossa alienação em relação às questões coletivas: sem
acesso ao conhecimento temos dificuldade de compreender o mundo e, por
consequência, de tentar mudar a realidade à nossa volta. Assim também a
pobreza. Uma população premida por solucionar cotidianamente questões
primárias de sobrevivência individual – comida e teto – e que não
alimenta a menor esperança de que amanhã será um dia melhor, não tem
energia para despender na resolução de problemas coletivos. Junte-se a
isso a total desmoralização da classe política e do Poder Judiciário, e o
resultado é esse que estamos assistindo: o desdém pelas próximas
eleições.
Como escreveu o grande escritor Machado de Assis,
a respeito do Brasil, em crônica de 29 de dezembro de 1861: “O país
real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse
é caricato e burlesco”...
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/03/opinion/1514976809_616190.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM
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