Ano chega ao fim com saldo de retrocessos sociais e cortes de direitos capitaneados pelo governo Temer.
Por Pedro Rafael Vilela
Do Brasil de Fato
Do Brasil de Fato
Como numa volta ao seu pior passado, o Brasil termina 2017 com a
sensação de ter perdido décadas em um ano. O governo golpista de Michel
Temer (MDB), que ostenta uma reprovação de 77% da população, segundo
dados do Ibope, vem patrocinando medidas para aprofundar ainda mais as
desigualdades sociais e enfraquecer o Brasil no cenário internacional.
A volta da miséria e do desemprego em níveis alarmantes, além da
retirada de direitos trabalhistas e, mais recentemente, a tentativa de
restringir até a aposentadoria dos mais pobres formam a face mais
perversa de um governo que só chegou ao poder depois de um golpe
parlamentar que afastou uma presidenta eleita pelo voto direto.
O desmonte também inclui o congelamento de recursos para áreas como
saúde e educação pelos próximos 20 anos, o corte de programas sociais de
habitação, saneamento básico, ciência e tecnologia, além da entrega das
reservas de petróleo para empresas estrangeiras, que inclui isenção de
até R$ 1 trilhão em impostos. Como se não bastasse, Michel Temer ainda
usou recursos públicos para comprar apoio parlamentar e evitar que fosse
investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Brasil de Fato enumerou os principais retrocessos e as tentativas,
ainda em curso, de retirada de direitos do conjunto da população.
Confira:
Câmara livra Temer de processo criminal
Mesmo após ter sido flagrado em conversas suspeitas com um dos sócios
da multinacional JBS e ter sido acusado pela Procuradoria Geral da
República (PGR) de crimes como corrupção, formação de quadrilha e
obstrução de justiça, Michel Temer conseguiu a proeza de barrar a
denúncia criminal na Câmara dos Deputados por duas vezes este ano. Não
saiu barato para o bolso da população. Para evitar que a denúncia fosse
aberta pelo STF, o presidente golpista abriu os cofres públicos e
distribuiu mais de R$ 32 bilhões em emendas parlamentares aos aliados.
Com a rejeição das duas denúncias, uma em agosto e outra em outubro,
Temer permanece blindado de investigação no mínimo até 2019.
A mesma delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos
da JBS, revelou o pagamento de R$ 2 milhões em propina para o senador
Aécio Neves (PSDB-MG), em mala de dinheiro que teria sido recebida por
um primo seu. Apesar das evidências, o plenário do STF decidiu que
caberia somente ao Senado decidir se mantinha Aécio afastado do cargo e
em recolhimento domiciliar noturno, conforme havia sido determinado pela
Justiça. O Senado não apenas aprovou a volta de Aécio ao cargo como
paralisou o avanço de processo de cassação de seu mandato.
Orçamento congelado por 20 anos
Em 2017, começou a vigorar a chamada Emenda Constitucional do “teto
dos gatos públicos”, também conhecida como “PEC do fim do mundo”. O
apelido não é por acaso. A medida limitou o crescimento dos gastos à
inflação do ano anterior, mesmo com a inflação de setores específicos,
como saúde e educação, ser bem maior do que a média geral. Na prática,
os gastos públicos ficarão congelados por 20 anos, mesmo em áreas que
demandam aumento contínuo de investimentos, como é o caso da saúde.
Ficaram de fora desse limite, no entanto, as chamadas despesas
financeiras, que incluem o pagamento de juros da dívida pública — que
beneficia diretamente os banqueiros —, além dos gastos com eleições,
transferências aos estados e municípios, créditos extraordinários, entre
outros.
Reforma Trabalhista
Em julho deste ano, foi aprovada a reforma trabalhista, apresentada
pelo governo Temer. Considerada o maior desmonte de direitos e garantias
desde a aprovação da CLT, a reforma passou a permitir aumento da
jornada diária de trabalho, redução de salários, parcelamento de férias e
enfraquecimento dos sindicatos.
O principal ponto da reforma é a possibilidade de que negociações
diretas entre trabalhadores e empresas se sobreponham à
legislação trabalhista em diversos pontos, o chamado “acordado sobre o
legislado”. A lei passou a permitir também uma nova modalidade de
contratação: o trabalho intermitente, feito por jornada ou hora de
serviço.
Nesse tipo de contrato, o trabalhador fica à disposição do patrão,
mas só recebe se e quando for convocado para o serviço, mesmo que ele
fique à disposição ao longo de um ou vários dias.
Reforma da Previdência
O governo Temer está gastando dezenas de milhões de reais em
propaganda para tentar a convencer a população a aprovar a reforma da
previdência, mas nem mesmo no Congresso Nacional há o apoio necessário
para a votação da medida, que ficou para fevereiro de 2018.
Se for aprovada, a reforma vai atingir diretamente mais de 45 milhões
de pessoas, especialmente os mais pobres, que terão que contribuir por
até 40 anos se quiserem receber o valor integral da aposentadoria. A
idade mínima para aposentadoria será fixada em 65 anos para homens e 62
para as mulheres, mesmo em um país onde a expectativa de vida em alguns
estados não chega sequer aos 65 anos.
Entrega do pré-sal às multinacionais
Em novembro, Michel Temer sancionou a lei que praticamente acaba com o
sistema de partilha das reservas de petróleo na camada pré-sal,
descobertas pela Petrobras. Considerada uma das maiores jazidas de
petróleo do planeta, a camada pré-sal tinha uma lei de exploração
diferenciada, que dava à Petrobras o comando do consórcio de exploração e
estabelecia cotas para compras de equipamentos e serviços no Brasil,
como forma de gerar empregos e desenvolver a cadeia produtiva de
petróleo no país.
Com a mudança na lei, a Petrobras deixa de ser operadora dos
consórcios e as reservas poderão ser exploradas por petroleiras
estrangeiras. A medida diminui em muito o lucro do país com os royalties
do petróleo, que seriam direcionados diretamente para a educação. Além
disso, o governo Temer ainda aprovou uma Medida Provisória que
estabelece isenção de impostos para petroleiras estrangeiras que pode
chegar à R$ 1 trilhão em 30 anos.
Desemprego e miséria
Os cortes em programas sociais promovidos pelo governo Temer, a
manutenção de desempregos em níveis alarmantes (mais de 12% da população
economicamente ativa sem trabalho) e a recessão econômica têm
aumentando de forma significativa a miséria no país.
Estimativas do Banco Mundial indicam que, apenas este ano, cerca de
3,6 milhões de novas pessoas ficarão abaixo da linha da pobreza no
Brasil. A tendência de queda da pobreza que vinha se verificando nos
últimos 14 anos foi drasticamente interrompida e o cenário é de piora
para os próximos anos, porque será agravada com a restrição de gastos
públicos para programas sociais e as mudanças na legislação trabalhista.
Cortes nos programas sociais
Levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para os Direitos
Econômicos e Sociais revela uma queda de até 83% em políticas públicas
voltadas à área social ao longo dos últimos anos, especialmente ao longo
de 2017. De acordo com o estudo, a área que mais perdeu recursos desde
2014 foi a de direitos da juventude, com queda de 83% nos investimentos.
Em segundo lugar estão os gastos com programas voltados à segurança
alimentar, reduzidos em 76%. A área de moradia sofreu perdas de 62%,
assim como a de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.
No Ensino Superior, o governo Temer acabou com o programa de concessão
de bolsas “Ciência Sem Fronteiras” e limitou os gastos de custeio das
universidades federais, prejudicando atividades de ensino, pesquisa e
extensão.
Entre os maiores cortes promovidos pelo governo, está a redução de
92% nas verbas do programa de combate à seca no semiárido, o que ameaça
inviabilizar a construção de cisternas nas zonas rurais do Nordeste e
norte de Minas Gerais. A fila de espera por uma cisterna de primeira
água, destinada ao consumo doméstico, segundo a ASA (Articulação do
Semiárido), chega a 350 mil famílias. Nos últimos 15 anos, foram
construídos mais de 1,2 milhão desses equipamentos.
Ataques contra a população do campo e os povos tradicionais
O ano de 2017 também foi repleto de ataques do governo contra a
população camponesa e os povos indígenas. Para obter apoio no Congresso
em favor das medidas de cortes de direitos, o governo Temer fez uma
aliança estratégica com a bancada ruralista, que reúne mais de 200
parlamentares. Além de acelerar projetos como a autorização de venda de
terras para estrangeiros, que pode afetar a soberania nacional e
contribuir para a expulsão de famílias de agricultores familiares, a
base do governo aprovou uma Medida Provisória que legaliza áreas de quem
cometeu desmatamento e grilagem de terras.
Em outra frente, o governo bloqueou a demarcação de terras
tradicionais indígenas e quilombolas e a desapropriação de áreas para a
reforma agrária. Também houve forte contingenciamento orçamentário da
Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) e lideranças indígenas e
camponesas, e até mesmo servidores públicos, foram indiciados pela CPI
da Funai e do Incra, numa clara iniciativa de perseguição contra as
políticas públicas do setor.
Comunicação Pública e violações à liberdade de expressão
Em 2017, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
denunciou dezenas de episódios de ameaças à liberdade de expressão no
país, por meio da campanha Calar Jamais!. “O conjunto das violações
comprova que práticas de cerceamento à liberdade de expressão que já
ocorriam no Brasil […] encontraram um ambiente propício para se
multiplicar após a chegada de Michel Temer ao poder, que resultou na
multiplicação de protestos contra as medidas adotadas pelo governo
federal e pelo Congresso Nacional”, diz um trecho da apresentação do
relatório de um ano da campanha, lançado em outubro. São casos de
repressão a protestos de rua, censura privada ou judicial a conteúdo nas
redes sociais, violência contra comunicadores, desmonte da comunicação
pública e pelo cerceamento de vozes dissonantes dentro das redações.
No caso da comunicação pública, os ataques à Empresa Brasil de
Comunicação (EBC) se intensificaram ao longo do ano. A EBC é a empresa
pública que controla agência de notícias, emissoras de rádio e a TV
Brasil, responsável pela distribuição de conteúdo informativo gratuito e
comprometido com a cidadania. Segundo o coordenador da Frente
Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com
Participação Popular (Frentecom), Jean Wyllys (PSOL-RJ), a EBC tem
sofrido com o cancelamento de programas, demissão de comentaristas,
censura e ataque aos trabalhadores e, mais recentemente, a aprovação de
um manual de conduta que aumenta ainda mais o clima de ameaça à
liberdade de expressão e atuação sindical dentro da empresa.
Disponível em: https://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/11611-miseria-desmonte-e-desemprego-os-12-meses-que-abalaram-o-brasil
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