sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

MICHAEL LÖWY: “O PERIGO DE UM ECOSSUICÍDIO PLANETÁRIO, COMO PROBLEMA ESTRATÉGICO CENTRAL DA ESQUERDA”

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Miguel Fuentes entrevista Michael Löwy


Coloco a disposição dos movimentos sociais, esta entrevista realizada com o intelectual marxista Michael Löwy, um dos representantes mais importantes do pensamento anticapitalista a nível internacional, sobre o crescente perigo da crise ecológica e sua importância como problema estratégico central para o Marxismo.
Refletindo sobre uma série de tópicos, tais como a mudança climática, o ecossocialismo e os desafios dos movimentos revolucionários durante as próximas décadas, as ideias deste intelectual constituem um claro chamado de advertência para as organizações da esquerda anticapitalista.
Tal como fica evidente a partir das palavras de Löwy, será justamente graças à capacidade que tenham as organizações de esquerda para integrar estes debates em seus respectivos eixos estratégicos, políticos e táticos, assim como também colocá-los no centro de suas respectivas análises da realidade mundial, que aquelas poderão preparar-se (ou não) para enfrentar o último “desafio programático” da Revolução Socialista: o perigo do colapso da civilização e da existência humana, ou melhor, nas palavras de Löwy… a ameaça de um ecossuicídio planetário.


  1. O que é o Ecossocialismo e quais são suas referências?


O Ecossocialismo é uma alternativa radical ao capitalismo, o resultado da convergência entre a reflexão ecológica e a reflexão socialista (marxista). Sua premissa fundamental é a seguinte: que a preservação de um ambiente natural favorável para a vida no planeta é incompatível com a lógica expansiva e destrutiva do sistema capitalista. Não se podem salvar os equilíbrios ecológicos fundamentais do planeta, sem atacar o sistema, não se pode separar a luta pela defesa da natureza do combate pela transformação revolucionária da sociedade.
Hoje existe uma corrente ecossocialista internacional, que na ocasião do Fórum Social de Belém (em janeiro de 2009), publicou uma declaração sobre a mudança climática, firmada por centenas de pessoas, de 45 países. Entre seus precursores encontram-se figuras tais como: Manuel Sacristán (Estado espanhol), Raymond Williams (Inglaterra), André Gorz (França) e James O’Connor (Estados Unidos). E entre seus representantes atuais, que firmaram a co-autoria do “Manifesto Ecossocialista Internacional” (2001)[1], encontram-se figuras como: Joel Kovel (Estados Unidos), o marxista ecológico John Bellamy Foster (também dos Estados Unidos), o indigenista peruano Hugo Blanco, a eco-feminista canadense Terisa Turner, o marxista belga Daniel Tanuro, bem como muitos outros.
O ecossocialismo se dissocia de dois modelos inoperantes: 1) A ecologia conformista, que adapta suas propostas ao mercado, e que busca desenvolver um “capitalismo verde” – isto quer dizer, uma ilusão nefasta ou, em muitos casos, uma mistificação. 2) O pretendido “socialismo real” (relacionado com a falida URSS, a China, etc…), o qual não foi mais que uma caricatura burocrática do socialismo, baseada em uma imitação servil do aparato técnico capitalista e em um produtivismo anti-ecológico, que é considerado tão destruidor da natureza como seu equivalente ocidental.
O ecossocialismo propõe uma total reorganização do modo de produção e de consumo, baseada em critérios exteriores ao mercado capitalista: as necessidades reais da população e da defesa do equilíbrio ecológico. Isto significa que numa economia de transição ao socialismo, será a própria população – e não as leis do mercado ou o Politburo autoritário – que decidirá (em um processo de planificação democrática) sobre as prioridades e os investimentos.
Esta transição conduziria não somente a um novo modo de produção e a uma sociedade mais igualitária, mais solidária e mais democrática, mas, sim, também a um modo de vida alternativo, a uma nova civilização ecossocialista além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo artificialmente induzidos pela publicidade, assim como da produção ao infinito de mercadorias inúteis. O “Bom Viver” da tradição indígena das Américas é uma importante fonte de inspiração para esta alternativa.


  1. Quais são as principais contribuições do Ecossocialismo à teoria marxista e à prática política das organizações de esquerda?


Muitos ecologistas criticam Marx por considerá-lo um produtivista. Tal crítica nos parece completamente equivocada: ao fazer a crítica do fetichismo da mercadoria, seria justamente o próprio Marx, quem desenvolve a crítica mais radical à lógica produtivista do capitalismo, à ideia de que a produção de uma quantidade cada vez maior de mercadorias é o objeto fundamental da economia e da sociedade.
O objetivo do socialismo, explica Marx, não seria produzir uma quantidade infinita de bens, e sim, reduzir a jornada de trabalho, dar ao trabalhador o tempo livre necessário para que ele possa participar da vida política, estudar, jogar, amar. Portanto, Marx proporciona as armas para uma crítica radical do produtivismo e, notavelmente, do produtivismo capitalista. No primeiro volume de “O Capital”, Marx explica como o capitalismo esgota não somente as forças do trabalhador, mas também as próprias forças da terra, esgotando as riquezas naturais. Assim, por um lado, essa perspectiva, essa sensibilidade está presente nos escritos de Marx. Por outro lado, a mesma não tem sido suficientemente percebida e desenvolvida.
É verdade, entretanto, que alguns escritos de Marx, e, sobretudo, de Engels, estabelecem que a tarefa de uma revolução, seria unicamente mudar as relações de produção que se convertem em entraves ao livre desenvolvimento das forças produtivas. Nós acreditamos que, desde uma perspectiva ecossocialista, é necessário ter uma visão muito mais radical e profunda do que deve ser uma revolução socialista. Trata-se de transformar não somente as relações de produção e as relações de propriedade, mais também a própria estrutura das forças produtivas, ou seja, a estrutura do aparato produtivo. É preciso aplicar ao aparato produtivo a mesma lógica que Marx pensava com relação ao aparato do Estado, tomando como exemplo a experiência da Comuna de Paris, quando ele disse o seguinte: “os trabalhadores não podem se apropriar do aparato do Estado burguês e usá-lo a serviço do proletariado, já que isto não é possível, porque o aparato burguês nunca estará a serviço dos trabalhadores. Então, trata-se de destruir este aparato do Estado e criar outro tipo de poder”.
Esta lógica precisa ser aplicada também ao aparato produtivo: o qual tem que ser, senão destruído, ao menos radicalmente transformado. Este não pode ser simplesmente apropriado pelas classes subalternas, e posto a serviço dos trabalhadores, pois necessita ser estruturalmente transformado. Por exemplo, o sistema produtivo capitalista funciona sobre a base de fontes de energia fósseis, responsáveis pelo aquecimento global – o carvão e o petróleo – de modo que um processo de transição ao socialismo, somente seria possível quando houvesse a substituição dessas formas de energia por energias renováveis, como: a água, o vento, e, sobretudo, a energia solar.
Por isso, o ecossocialismo está relacionado com a ideia de uma revolução do processo de produção, das fontes energéticas.  É impossível separar a ideia de socialismo da ideia de novas fontes de energia, em particular da energia solar – alguns ecossocialistas falam já de um “comunismo solar”, pois entre o calor, a energia do sol, o socialismo e o comunismo haveria uma espécie de afinidade eletiva.
Porém, não basta tampouco transformar o aparato produtivo e os modelos de propriedade, é necessário transformar também o padrão de consumo, todo o modo de vida em torno do consumo, isto quer dizer, o padrão de consumo do capitalismo baseado na produção massiva de objetos artificiais, inúteis e perigosos. Por isso, trata-se de criar um novo modo de consumo e um novo modo de vida baseado na satisfação das verdadeiras necessidades sociais, o qual é algo completamente diferente dos pressupostos e das falsas necessidades produzidas artificialmente pela publicidade capitalista. Seguindo este raciocínio, pode-se pensar a revolução ecossocialista como uma revolução da vida cotidiana, como uma revolução pela abolição da cultura do dinheiro e da mercadoria imposta pelo capitalismo.
O Ecossocialismo não seria apenas a perspectiva de uma nova civilização, uma civilização da solidariedade – no sentido profundo da palavra como solidariedade entre seres humanos, e deles com a natureza – mas também uma estratégia de luta, desde já, aqui e agora. Não se trata de esperar até o dia em que o mundo se transforme, mas, sim, de começar, desde agora, de forma imediata, a lutar por esses objetivos. Trata-se de promover a convergência, a articulação entre as lutas sociais e as lutas ecológicas, já que ambas possuem os mesmos inimigos: o sistema capitalista, as classes dominantes, o neoliberalismo, as multinacionais, o FMI, a OMC. Os indígenas da América Latina, desde as comunidades andinas do Peru até as montanhas de Chiapas, estão na primeira fila deste combate em defesa da Mãe Terra, da Pachamama [Mãe Terra na língua quíchua, falada por povos indígenas da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru] contra o sistema.

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  1. Noam Chomsky afirmou, em anos recentes, que a crise ecológica é mais importante que a crise econômica[2]: Qual sua opinião sobre esta frase?


Estou inteiramente de acordo com Chomsky! A crise econômica é grave, porque serve às classes dominantes, ao capital financeiro, para aplicar suas receitas neoliberais, agravando o desemprego, destruindo conquistas sociais, privatizando os serviços públicos, etc… No entanto, a crise ecológica é algo muito mais importante, e muito mais perigoso, porque ameaça as condições de vida da humanidade no planeta.


  1. Ao falar de um possível ecossuicídio planetário, você está se referindo ao que exatamente?


A civilização capitalista industrial moderna é um trem que avança, com uma rapidez crescente, em direção ao abismo, ou seja, à mudança climática, ao aquecimento global. Trata-se de um processo dramático que já começou, e que poderá levar, nas próximas décadas, a uma catástrofe ecológica sem precedentes na história humana: elevação da temperatura, desertificação das terras, desaparição da água potável e da maioria das espécies vivas, multiplicação dos furacões, elevação do nível do mar – com Londres, Amsterdam, Veneza, Xangai, Rio de Janeiro e as demais cidades costeiras ficando embaixo d’água. A partir de um determinado nível de elevação da temperatura, será ainda possível a existência da vida humana neste planeta? Ninguém pode responder, com segurança, esta pergunta.


  1. O dito ecossuicídio planetário pode ser considerado uma situação hipotética, ou é uma possibilidade concreta para as próximas décadas?


Os cientistas, como James Hansen – que foi, durante muitos anos, o climatologista da NASA nos Estados Unidos – nos explicam que a mudança climática não se desenvolverá de forma gradual, e sim com saltos qualitativos. A partir de um determinado nível de aquecimento – 2 graus centígrados acima das temperaturas pré-industriais – o processo se tornará irreversível e imprevisível. Isto pode de fato acontecer nas próximas décadas, sobretudo se forem confirmadas uma série de evidências científicas recentes, como: o derretimento das geleiras dos polos com mais rapidez do que o previsto e as massivas emissões de gás metano (um gás com muito maior efeito estufa que o CO2) causadas pelo derretimento de permafrost [tipo determinado de solo formado por gelo, rocha, sedimentos, que armazena uma grande quantidade de carbono] na Sibéria, Canadá, etc… Ninguém pode prever o momento em que se dará a reviravolta, e, portanto, não tem sentido as previsões que se referem ao ano de 2100.

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  1. Uma série de cientistas tem começado a alertar sobre uma crise planetária, no caso de que o aquecimento global supere os 2 graus centígrados, produzindo com isso uma importante quebra dos sistemas agrícolas. Ideias similares veem sendo discutidas no âmbito dos recursos energéticos, levantando a possibilidade de uma crise estrutural em torno do capitalismo, como produto do esgotamento do petróleo e dos combustíveis fósseis (fenômeno denominado como Peak Oil)[3]. Como se relacionaria a ideia em torno ao perigo de um ecossuicídio planetário com a possibilidade de um fenômeno do colapso capitalista, ou seja, aquele que será consequência do avanço da crise ecológica no futuro próximo?


Em primeiro lugar: não tem sentido discutir, hoje, o Peak Oil, da mesma forma como se fazia há alguns anos. O problema não é o esgotamento do petróleo, e sim que existem demasiadas reservas de petróleo e de carvão. Ao queimaram estas reservas fósseis, o aquecimento global será inevitável e catastrófico.
Pois bem, a crise ecológica, por si mesma, não leva a um colapso do capitalismo. O capitalismo pode sobreviver nas piores condições energéticas e agrícolas. Não existe nenhum mecanismo automático que leve a um colapso do capitalismo. Haverá crises terríveis, mas o sistema encontrará alguma saída, na forma de guerras, ditaduras, movimentos fascistas, etc… Isto aconteceu nos anos 1930, e pode voltar acontecer no futuro. Como dizia Walter Benjamin: “o capitalismo nunca irá morrer de morte natural”. Se nós queremos por um fim ao sistema capitalista, isto somente será possível através de um processo revolucionário, uma ação histórica coletiva anticapitalista. O capitalismo somente desaparecerá quando suas vítimas se levantarem contra ele, a fim de eliminá-lo.


  1. Marx afirmou no “Manifesto Comunista” que, a história da humanidade tem sido até hoje a história da luta de classes, e que esta luta terminou sempre na vitória de uma classe sobre outra… ou melhor “na destruição das duas classes em conflito”. Em nossos dias, um século e meio depois daquela afirmação, uma equipe de pesquisadores financiados parcialmente pela NASA tem tornado público um estudo no qual se sugere, entre outras coisas, que a combinação dos efeitos da mudança climática e dos níveis de concentração extrema de riquezas, assim como também da futura escassez de recursos a nível mundial, estaria a ponto de produzir o colapso da civilização contemporânea[4]. Poderíamos dizer hoje que a sincronização entre as crises ecológica, econômica e social constituiria a materialização histórica daquela possibilidade prevista por Marx em torno de uma possível autodestruição das classes fundamentais do capitalismo?


Eu creio que são realidades distintas. A concentração extrema de riquezas não conduz à “destruição das duas classes em luta”: é simplesmente a vitória de uma das classes, a burguesia financeira parasitária, contra as classes subalternas…
Logo, a crise ecológica pode ter como resultado o colapso da civilização atual, e a autodestruição das classes da sociedade moderna, segundo a previsão de Marx. Se permitirem que o capitalismo destrua o planeta, todos os seres humanos serão vítimas. No entanto, a mentalidade dos capitalistas, em particular da oligarquia fóssil – os interesses das indústrias do carvão, do petróleo, da eletricidade, do transporte, assim como da indústria química, etc… – poderia ser resumida com a famosa frase do rei francês Luis XIV: “Depois de mim, que venha o dilúvio”.


  1. Durante as primeiras décadas do século XX, algumas importantes figuras do Marxismo tais como Lenin, Trotsky ou Gramsci, tiveram que enfrentar os horrores das Guerras Mundiais e do Fascismo. Em nosso caso, parece que temos, diante de nós, um horizonte destrutivo muito superior ao que ditos revolucionários poderiam sequer imaginado. Um exemplo disto, pode ser expresso nos efeitos hiper catastróficos que podem ser causados pela mudança climática, assim como pelo começo daquilo que alguns dos cientistas mais importantes do mundo denominaram como a 6ª Extinção Massiva da Vida Terrestre. Outra denominação, em voga, deste fenômeno é a do Antropoceno e sua possível relação com o fenômeno de extinção iminente da própria espécie humana[5]. Você considera correto afirmar que nos encontramos diante de um salto destrutivo inédito da dinâmica capitalista?


Há um consenso crescente entre os cientistas em torno da ideia de que entramos em uma nova era geológica, o Antropoceno, uma era na qual a ação humana – de fato, a civilização capitalista industrial moderna – determina os equilíbrios do planeta, começando pelo clima. Uma das características do Antropoceno é o processo da 6ª Extinção Massiva das Espécies Terrestres, que já começou.
A elevação da temperatura global acima de 2 graus centígrados terá, sem dúvidas, efeitos “hiper catastróficos”, que não podem ser comparados com outros eventos históricos (guerras, etc..), e sim somente com eventos de outras eras geológicas, quando, por exemplo, a maioria das regiões litorâneas dos continentes estava sob o mar.
Não creio que se possa afirmar que a extinção da espécie humana seja “iminente”. É um perigo real, uma ameaça, mas nas próximas décadas.


  1. Há mais de um século, Rosa Luxemburgo lançou uma das talvez mais obscuras advertências da tradição marxista: isto quer dizer, sua famosa frase “Socialismo ou Barbárie”. No caso de Walter Benjamin, é igualmente conhecida sua advertência em torno da necessidade de “cortar o pavio que queima antes que a faísca atinja a dinamite”, isto fazendo uma alusão à possibilidade de um “fim catastrófico” (negativo) do desenvolvimento capitalista. Hoje, passado mais de um século em que, o capitalismo segue impondo sua vontade à custa da humanidade inteira… É possível dizer que a barbárie tem triunfado… ou melhor, que ela está próxima deste triunfo?


A barbárie ainda não triunfou. Tampouco sabemos se ela encontra-se próxima deste triunfo. Tudo depende da capacidade de resistência das vítimas do sistema: isto quer dizer, depende também de nós. O fatalismo é um erro político. Como dizia Gramsci, necessitamos do pessimismo da razão e do otimismo da vontade.


  1. Nas décadas recentes algumas das ideias-força mais importantes que a intelectualidade capitalista integrou em seu programa ideológico foram os conceitos de “fim da história”, “fim da luta de classes” e “fim da classe operária”. Deixando de lado o evidente triunfalismo capitalista que acompanhou o desenvolvimento de ditas ideias durante os anos 1980 e 1990… Hoje, podem-se considerar ditos conceitos, diante do possível ecossuicídio planetário provocado pela crise ecológica, como verdadeiras “intuições teóricas” (inconscientes) da classe capitalista com respeito à dinâmica autodestrutiva (terminal) que se abriu com o ciclo neoliberal? Este perigo do “fim da história” se constitui hoje como um perigo real?


O possível ecossuicídio planetário é um perigo real, mas nada tem a ver com os discursos ideológicos do “fim da história” ou da luta de classes, que proclamavam a eternidade do capitalismo neoliberal. Ao contrário disto, a luta de classes é o método para por fim à dinâmica autodestrutiva do capital.

  1. Partindo do Marxismo, como podemos pensar esta situação e prepararmo-nos para um cenário de crise, com uma magnitude possivelmente muito superior àquele cenário de crise, que o campo das lutas sociais enfrentou nos últimos séculos?


O Marxismo nos permite entender a natureza destrutiva do capitalismo, sua tendência inexorável à expansão perpétua, e, portanto, sua contradição com os limites naturais do planeta. O Marxismo nos permite colocar as vítimas do sistema, as classes e grupos oprimidos e explorados como o sujeito (como o veículo revolucionário) possível de uma transformação anticapitalista. Finalmente, o Marxismo nos propõe com o programa socialista, os fundamentos de uma alternativa radical ao sistema. No entanto, sem dúvida, como colocamos mais acima: necessitamos de uma reformulação ecossocialista das concepções marxistas.

  1. Seria, então, a Revolução Social e uma política anticapitalista (que possuem como finalidade a expropriação da burguesia com a tomada do poder pelos trabalhadores), um passo necessário para frear o desastre que se avizinha, ou melhor, para prepararmo-nos para resistir ao colapso?


Frear o desastre é uma tarefa imediata. Cada oleoduto de petróleo que se interrompe, cada central termelétrica que é fechada, cada bosque que é protegido contra a voracidade destrutora do capital, freia este desastre. No entanto, somente é possível impedir o colapso da civilização humana destruindo o sistema capitalista com uma Revolução Socioecológica.

  1. É necessário ajustar o programa e a política da Revolução Socialista diante dos novos perigos que supõem, durante o presente século, a combinação entre crise ecológica, crise econômica e crise social? Quais são os elementos que o Manifesto Ecossocialista nos oferece, a fim de realizarmos esta tarefa?


O “Manifesto Ecossocialista” não tem uma resposta para todas estas interrogações. Simplesmente coloca a questão de que, o socialismo do século XXI tem que ser um socialismo ecológico, e vice-versa: pois, de pouco nos serve uma ecologia que não seja socialista. Sua tese principal diz o seguinte: que o sistema capitalista é incompatível com a preservação da vida em nosso planeta. O programa socialista tem que transformar-se em um programa ecossocialista, integrando de uma maneira muito mais central a questão da relação com a natureza que na tradição socialista ou comunista do século XX.

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  1. Um dos principais fundamentos do Marxismo tem sido o da defesa da classe operária, como sujeito social da Revolução Socialista. Pois bem, se consideramos que um possível colapso civilizatório iminente se associa ao colapso da sociedade industrial e, consequentemente, à desintegração do próprio sujeito operário em vastas regiões do planeta… É possível, então, continuar defendendo a centralidade do movimento operário na luta de classes e no projeto socialista?


A combinação das crises “tradicionais” do capitalismo com a crise ecológica cria as condições para uma ampla aliança de forças sociais contrárias ao sistema. Como colocou, potencialmente, o movimento “Occupy Wall Street”: os 99%, que não tem nenhum interesse fundamental na manutenção do sistema, são os atores possíveis para sua superação. De fato, desde a Conferência Intergaláctica dos Zapatistas em Chiapas, no ano de 1996, e os eventos de Seattle em 1999, até os movimentos recentes como Indignados (no Estado espanhol), vemos os primeiros elementos desta coalizão anti-sistêmica. Nesta coalizão, há a participação de: sindicalistas, ecologistas, movimentos indígenas, camponeses, movimentos de mulheres, associações cristãs progressistas, correntes revolucionárias, movimentos da juventude, associações de moradores, militantes socialistas, comunistas e anarquistas. Hoje em dia na América Latina, as comunidades indígenas e camponesas estão na vanguarda das lutas socioecológicas, anti-neoliberais, anti-imperialistas e anticapitalistas. Porém, em último caso, a principal força desta coalizão são, no sentido amplo, os trabalhadores: os que vivem da venda da sua força de trabalho, ou de seu próprio trabalho individual ou comunitário. Esta ampla classe de trabalhadores, que não pode ser confundida somente com os operários industriais, constitui a maioria da população. Sem a ação coletiva desta última, nenhuma revolução será possível.

  1. Outro dos princípios tradicionais do Marxismo durante o século XX foi o de defender a necessidade do controle operário da produção, a planificação mundial da economia e a distribuição socialista das riquezas como vias possíveis para satisfazer, entre outras coisas, as necessidades materiais do conjunto da humanidade. Pois bem, se consideramos que a crise ecológica que se aproxima (e a escassez global de alimentos que a mesma trará consigo) poderia implicar na ideia de que, inclusive, ditas medidas já são insuficientes (ineficazes) para dar resposta às necessidades da população mundial, sobretudo devido à própria gravidade da crise que se aproxima e da inexistência de tecnologias capazes de assegurar uma adequada produção agrícola diante de um cenário de mudança climática hiper catastrófica… Então, o que podemos fazer? Como resolver este aparente paradoxo, no qual um setor da humanidade parece estar já perdido (morto) para o projeto socialista? Todavia… É possível resolvê-lo?


Creio que é prematuro discutir o que deve ser feito, quando o aquecimento global supere os 2 graus centígrados… Nossa tarefa, nas próximas décadas, será a de impedir isto, promovendo as lutas socioecológicas, as várias resistências anticapitalistas e a consciência ecossocialista. Nossos objetivos são: a abolição do capitalismo, colocar em prática a planificação ecossocialista – em escala local, nacional, continental, e, em algum momento, mundial – a distribuição da riqueza e o controle democrático (não somente “operário”) da população sobre a produção e o consumo.
Por outro lado, é possível que sejamos derrotados, e que a humanidade seja levada pelo capitalismo a uma catástrofe. No entanto, no momento histórico atual, temos que levar adiante, com todas as forças, este decisivo combate para evitar o desastre.


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  1. Tendo em conta a gravidade das ameaças relacionadas com a crise ecológica atual… Por que estas ameaças têm sido tão escassamente tratadas no âmbito das organizações da esquerda? É necessário discutir estas ameaças, como: o aprofundamento do problema alimentar mundial e da escassez da água, a possível falência das cadeias produtivas de recursos básicos, o desenvolvimento de eco-guerras imperialistas, em outras palavras, a própria possibilidade do colapso do capitalismo e da civilização. Mas será necessário discuti-las, tomando as mesmas como novos problemas estratégicos fundamentais da teoria e da prática marxistas do século XXI?


Há várias explicações possíveis para o atraso na tomada de consciência ecológica da esquerda:
1) O dogmatismo, a repetição do instrumental teórico tradicional, ou seja, a resistência em aceitar mudanças na teoria e na prática marxistas.

2) O economicismo, a redução da política a interesses corporativos imediatos: por exemplo, “salvar o emprego”, sem questionar as consequências humanas, sociais ou ecológicas destes “empregos”.

3) A influência da ideologia burguesa do “progresso”, identificado com a expansão, com o “crescimento” da economia, com a produção de mais e mais mercadorias e com o consumismo.

4) O caráter futuro das ameaças ecológicas – colapso da civilização – em comparação com os problemas econômicos imediatos: a crise, o desemprego, etc…

  1. No caso da esquerda anticapitalista chilena e argentina (por exemplo, no âmbito trotskista, anarquista, guevarista ou indigenista) nenhuma organização tem integrado, até agora, estas discussões nos respectivos debates teóricos e estratégicos centrais de suas correntes, assim como tampouco em seus programas, na análise que fazem sobre a realidade internacional, nas políticas de ação, nas táticas de intervenção, etc… Porém, recentemente surgiram amostras que se constituem em exceções a esta regra, por exemplo, no Chile, os grupos anarquistas que tomam como referência a ex-presidente da Federación de Estudiantes de la Universidad de Chile (FECH) Melissa Sepúlveda, assim como o caso do Partido de Trabajadores Revolucionários (PTR) e sua dirigente Bárbara Brito a nível estudantil. Outro exemplo disto, mas com relação à Argentina, refere-se ao Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) e seu órgão La Izquierda Diario. De um modo geral, que chamado poderia ser feito às organizações de esquerda e aos movimentos sociais na América Latina, para que os mesmos passem a debater estes problemas com a importância que merecem?


Nos Estados Unidos, na América Latina e na Europa vemos cada vez mais setores da esquerda anticapitalista se definindo como ecossocialistas. É o que tem acontecido, já faz vários anos, com a IV Internacional. Nos Estados Unidos existe uma importante corrente ecossocialista que se manifesta em revistas marxistas como “Monthly Review”, “Capitalism, Nature and Socialism”, “Against the Current”, etc… É preciso mencionar também a ecologia social de sensibilidade anarquista, fundada por Murray Bookchin, que é bastante próxima do ecossocialismo. Hugo Blanco, um dos grandes pensadores do indigenismo na América Latina, proclama que as comunidades indígenas já praticavam o ecossocialismo há séculos. Poderíamos dar outros exemplos.
No entanto, sem dúvida alguma, muitos grupos da esquerda anticapitalista estão muito longe, ainda, de integrar, de maneira decisiva, a questão ecológica em sua concepção do socialismo e da revolução. Pacientemente, a tarefa de convencê-los será nossa, através de uma discussão fraternal. Mas talvez mais que nossos argumentos, serão os fatos, cada vez mais graves nos próximos anos, que os farão mudar suas ideias.

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Miguel Fuentes, Licenciado em Arqueologia, Historiador e Doutorando no Instituto de Arqueologia da University College London (Reino Unido). Coordenador da Página Grupo de Seguimiento de la Crisis Climática Mundial.


Outros materiais de Miguel Fuentes

-Presentación Cambio Climático, Colapso y Marxismo:
-Intervención sobre Cambio Climático y Colapso en El Mostrador (Chile):
-Entrevista a Peter Wadhams (El Ártico está en Peligro)
-Entrevista a Manuel Casal Lodeiro (La Izquierda ante el Colapso de la Civilización Industrial)
-Presentación de Peter Wadhams sobre cambio climático (inglés)
-Últimas Horas (Trailer)
-Oscurecimiento Global y Cambio Climático
-Home (Documental)


Notas: 

                                                                      
[1] Nota referente ao Manifesto Ecossocialista Internacional: https://www.rebelion.org/hemeroteca/sociales/lowy090602.htm. [Manifesto Ecossocialista Internacional em português: http://www.terrazul.m2014.net/IMG/pdf/manifesto_ecosoc_int.pdf ]
[3] Notas complementares sobre estas temáticas nos seguintes links:

[4] Link estudo co-financiado pela NASA sobre um possível colapso capitalista iminente: https://www.theguardian.com/environment/earth-insight/2014/mar/14/nasa-civilisation-irreversible-collapse-study-scientists


Original publicada pela Revista Viento Sur: http://vientosur.info/spip.php?article12555
Tradução: Carlos Alberto Coutinho

Disponível em:  http://www.insurgencia.org/michael-lowy-o-perigo-de-um-ecossuicidio-planetario-como-problema-estrategico-central-da-esquerda/

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