Com 381 delegadas e delegados eleitos em Congressos estaduais,
conformados pelos representantes de centenas de plenárias de base por
todo o país, realizou-se no primeiro fim de semana de dezembro, em
Luziânia, Goiás, o VI Congresso Nacional do PSOL. Apesar das
dificuldades para a realização dos debates em apenas dia e meio, do
cansaço das delegações, que viajaram em ônibus ao local, o Congresso
fechou de forma vitoriosa um longo processo de decisão.
Nascido há 13 anos e consolidado como oposição de esquerda aos
governos Lula e Dilma, visto por cada vez mais jovens, mulheres e
trabalhadores como alternativa com potencial de massas à falência do PT,
o PSOL sai mais forte de seu VI Congresso. Mais forte porque bem
municiado para enfrentar a nova e duríssima conjuntura aberta com o
golpe de 2016 e os desafios do próximo período – tempo de lutas atrozes
contra as “reformas” ultraliberais do capital e também de um pleito
nacional com um quadro entre o indefinido e o desfavorável à defesa dos
direitos básicos e às ideias de esquerda.
O Congresso expressou a predominância de uma opinião que referenda e
dá continuidade ao perfil político que o partido adotou desde quando o
golpe de 2016 ainda se urdia. Materializada na resolução de conjuntura
nacional aprovada, a política escolhida coloca o eixo do partido no
enfrentamento ao golpe e seu aprofundamento, na oposição radical ao
governo Temer e às contrarreformas liberais do capital. Esse
posicionamento traduziu-se numa visão de conjuntura, da reorganização
dos movimentos sociais e da esquerda e num perfil de candidatura própria
para 2018 aprovadas com mais de 60% dos votos dos delegados e
delegadas.
2018: a busca da aliança com os movimentos sociais
A resolução de tática para 2018, a mais importante das aprovadas,
define que o PSOL terá candidatura própria para construir uma
alternativa socialista e popular na campanha presidencial do ano que
vem. E que o partido está disposto, para isto, a abrir suas portas para
que venha dos movimentos sociais e da Plataforma Vamos o seu
nome à Presidência da República. Ou seja, foi referendada a política já
anteriormente aprovada na Executiva Nacional, de manter o diálogo com
Guilherme Boulos para que ele assuma esta tarefa. A definição do nome do
candidato, da chapa, do programa será definida em Conferência Eleitoral
no primeiro trimestre de 2018.
Foram simbólicas a presença no Congresso e a fala às delegadas e
delegados do próprio companheiro Boulos. Numa saudação em nome do MTST –
que está completando 20 anos de lutas – Boulos demonstrou seu respeito e
proximidade com a luta do partido e também o da coordenação desse que é
o mais dinâmico e importante movimento dos explorados pelo menos desde
2013. Do ponto de vista do PSOL, acolher e dialogar com o MTST, numa
relação que vem se estreitando desde o segundo mandato de Dilma,
demonstra que o partido quer avançar e fortalecer laços com os setores
mais combativos e independentes do movimento social.
Assim, consolidou-se no Congresso a visão do duplo e difícil desafio
que o PSOL terá nesta conjuntura ainda adversa: a luta contra a direita e
a busca pela superação do lulopetismo, pela via da construção de um
projeto próprio para a renovação da esquerda socialista brasileira,
disputando as bases órfãs dos antigos dirigentes, e que ao mesmo tempo
não abra mão da capacidade de dialogar e encantar milhões, com ideias
socialistas, igualitárias e democráticas.
O lugar dos setoriais
Apesar do calendário apertado, uma marca registrada do 6º Congresso
da qual devemos nos orgulhar foram as resoluções apresentadas pelos
setoriais de negras e negros, mulheres, LGBTs, ecossocialista.e pessoas
com deficiência. Com suas militâncias aguerridas, capacidade de
construções unitárias, expressaram responsabilidade da militância do
PSOL com as pautas de combate às opressões, com o compromisso de
construir, nas lutas do povo explorado, um partido negro e feminista,
que se aproprie das bandeiras ambientais na luta anticapitalista –
posturas indispensáveis para a necessária atualização programática e
estratégica da esquerda neste século.
As declarações e resolução proposta pelo Setorial Nacional
Ecossocialista, composta por diversas correntes e independentes, foi
chave para destacar a companheira Sonia Guajajara como uma
importante pré-candidata, abrindo portas para que as lideranças do
combativo movimento indígena possam ter o lugar que merecem no PSOL e no
Brasil e para uma desejável composição, com Sonia, numa chapa
majoritária, inclusive em se efetivando a candidatura da principal
liderança da luta social urbana pela moradia.
O Setorial Nacional de Negras e Negros mais uma vez se colocou na
disputa contra- hegemônica por um PSOL antirracista e periférico, na
batalha por um partido que esteja ao lado dos setores da classe
trabalhadora que ainda detêm os piores empregos, as piores funções e
salários, um partido que esteja junto da juventude negra, alvo do
criminoso extermínio perpetrado pelo Estado, ao lado da resistência das
mulheres negras, as principais vítimas do machismo institucional.
As mulheres do partido, após um ano de intenso diálogo, superação de
obstáculos e generosidade socialista, apresentaram a resolução de
reunificação do até então dividido Setorial Nacional de Mulheres, com o
indicativo de um Encontro Nacional de Mulheres para maio de 2018. O
processo de repactuação, capitaneado pela Comissão Nacional de Mulheres
por aproximadamente um ano, demonstrou que a militância feminista do
PSOL, apesar de diferentes visões e cicatrizes, teve a grandeza de
colocar acima de diferenças a centralidade da luta das mulheres no
Brasil e no mundo e a necessidade de mais representatividade feminina
dentro e fora do PSOL.
As mulheres da Insurgência opinam que o Seminário Nacional do setor,
ocorrido um dia antes do Congresso Nacional, foi insuficiente para o
aprofundamento do debate político e para as análises e política
necessárias desde que o Setorial Nacional de Mulheres se fragmentou.
Porém, reconhecemos como vitória a unidade entre as mulheres do PSOL, na
confiança de que juntas construiremos um Encontro Nacional de Mulheres
democrático e politizado, além de apresentarmos importantes candidaturas
feministas nas eleições de 2018.
O Setorial Nacional LGBT reivindicou, junto com o Setorial Nacional
de Mulheres, a luta antitransfóbica e a urgência das pessoas trans
ocuparem os espaços de direção partidária. Da mesma forma, registraram a
necessidade de priorização da luta contra as LGBTfobias. O Setorial de
Pessoas com Deficiência apresentou resolução propondo a ampliação do
trabalho nesse âmbito nos estados e a localização do debate da
acessibilidade como parte das bandeiras do partido.
Integração do MAIS
A formalização da adesão ao PSOL de parte do Movimento por uma
Alternativa Independente e Socialista (MAIS) emocionou a todas e todos,
dada a importância, num momento conjuntural de tantos retrocessos, de
uma unidade com uma nova organização socialista. Foi emocionante não
apenas a votação formal dos plenos direitos dos militantes do MAIS como
militantes do PSOL, como a fala de Valério Arcary afirmando o
compromisso com a construção do PSOL, atestando assim, a vocação
histórica do partido de ser também um espaço de aglutinação para a
esquerda marxista revolucionária.
Democratizar o partido e seu funcionamento
Foi aprovada, com nosso apoio, uma resolução de alteração da
periodicidade do Congresso – de bienal para trienal –, com uma cláusula
transitória de dois anos e meio para a realização do próximo
e condicionada à regulamentação, no Estatuto, do funcionamento regular
das instâncias dirigentes, o que também foi aprovado. A resolução coloca
para o próximo Diretório Nacional do PSOL a regulamentação geral do
funcionamento de todas as instâncias e também o debate de uma mudança na
forma como vêm se dando as eleições de delegadas e delegados.
É imprescindível para um partido que busca o protagonismo da
reorganização da esquerda garanta um ambiente dinâmico, vivo, que
reflita, de forma regular em suas instâncias, os principais
acontecimentos e polêmicas da realidade. A nosso ver, o formato com o
qual vêm se dando há anos as plenárias congressuais locais do PSOL,
focadas a cada dois anos em disputa interna e em métodos questionáveis
de mobilização de filiados, levam o partido a um internismo dissociado
das necessidades objetivas de dar resposta política para fora. É
necessário repensar a dinâmica de todo o processo congressual.
Precisamos superar a natureza de “partido de tendências” para nos tornarmos um partido com tendências,
sob pena de não conseguirmos atrair as novas gerações para a ideia de
partido e de política e nem os novos deslocamentos dos movimentos
populares, que não podem ver no PSOL mais uma sigla em que a política se
faz por articulações sem transparência, sem espaço real de decisão para
a base e que só se ocupa de eleições, não dedicando tempo para uma
construção real na luta social.
Macapá, a nota destoante
A nota destoante do Congresso foi a rejeição da resolução que
propunha a saída do PSOL da Prefeitura de Macapá. Embora o partido seja
maioria naquela Prefeitura e tenha trabalho popular e nos movimentos na
cidade, o fato é que o governo municipal é dirigido pela Rede e tem um
partido golpista, o DEM, com o cargo de vice, além de setores
indefensáveis em sua composição, como o Secretário de Educação do PEN,
recentemente preso por acusações de comercialização ilegal de ouro com
utilização de trabalho escravo na região.
Para um partido que entende que superar o lulismo é também reinventar
a política de alianças por fora da lógica da “governabilidade”
burguesa, passou da hora de o PSOL desembarcar desta máquina municipal. A
presença de nossa militância nessa Prefeitura fragiliza sobremaneira o
discurso do partido contra os golpistas e seus esquemas corruptos. Foi
um gravíssimo equívoco da chapa majoritária manter essa decisão, embora
o discurso e a argumentação de setores do Bloco de Esquerda – que
desconhecem e desrespeitam a militância local e seus trabalhos no
movimento e com isso beiram o preconceito regionalista – contribuam
para o enrijecimento da posição majoritária e o fechamento de diálogo.
A Insurgência continuará a dar a batalha fraterna nas instâncias do
partido sobre a necessidade de se mudar o quanto antes essa orientação
do PSOL-Amapá, pois temos o objetivo de que o acumulado pelo partido no
estado seja preservado e se fortaleça com perfil independente.
Eleição de direção; a chapa “Reinventar o Futuro Agora”
Três chapas se apresentaram à eleição da nova direção nacional do
partido. A primeira, composta pela Unidade Socialista, o Coletivo Rosa
Zumbi e o deputado federal Glauber Braga; a segunda mais votada, a do
“Bloco de Esquerda”, e a terceira, a chapa “Reinventar o Futuro Agora”,
composta pela Insurgência com os vários setores/atores independentes –
como os mandatos de Jean Wyllis, Chico Alencar, Marcelo Freixo, Tarcísio
Mota, Marielle Franco, do Rio de Janeiro, o grupo Muitas, das
vereadoras Áurea Carolina e Cida Falabella, de Belo Horizonte o grupo do
vereador Ivan Moraes de Recife.
A chapa teve como objetivos demonstrar a existência de um terceiro
campo no partido, um campo que se pauta pelos alinhamentos de posições
políticas e que luta por um ambiente mais unitário e menos emblocado,
muitas vezes sobre a base de posições artificiais. Acreditamos em um
PSOL da cidade, do campo, das LGBTs, indígena, das mulheres e negras e
negros. Nossa chapa foi um chamado ao trato respeitoso e horizontal com
os movimentos e ao diálogo aberto com sua militância, fundamental para
construirmos um partido democrático. Confira a defesa da chapa
“Reinventar o futuro agora” aqui.
O lugar da Insurgência
Um ciclo se fecha na esquerda brasileira, com o esgotamento do
projeto político do lulopetismo como portador de expectativa de mudança
social. Abre-se um novo período histórico para a esquerda e para o
Brasil, que parte da busca da frente única, de construção de novas
ferramentas para esse fim, que passa por afirmar o PSOL como partido
protagonista da reorganização. Esta reorganização será necessariamente
estratégica, programática e renovadora para a esquerda.
De outro lado, o golpe parlamentar de 2016 deu àquele ciclo um
desfecho trágico, pois a derrota do lulopetismo, via derrubada do
governo, veio pelas mãos da direita, apoiada num ciclo de mobilizações
reacionárias de massa que contribuíram para uma mudança da relação de
forças, agora desfavorável aos trabalhadores e aos socialistas.
Abriu-se um período em que a frente única e a unidade de ação para
enfrentar a direita são questões de vida ou morte. Picos de mobilização
expressivos como o do primeiro semestre deste ano não foram fortes o
suficiente para inverter a relação de forças, devido à ação nefasta das
maiores centrais sindicais e da passividade e confusão que prevalece na
maioria da população após o golpe.
O golpe, urdido desde meados de 2015 e consagrado em abril de 2016,
já dizíamos em nossas teses, foi um divisor de águas na esquerda. Até
mesmo parcelas (minoritárias) do PSOL não partilham da compreensão de
que há um realinhamento liberal gigante da burguesia brasileira, apoiada
no capital financeiro internacional, para retirar o que resta de
direitos das classes exploradas no país. Há camaradas que se localizaram
até mesmo no apoio à Lava Jato e sua lógica punitivista e seletiva
quando da conjuntura do golpe, chegando a flertar com as próprias
mobilizações da direita.
Os alinhamentos e realinhamentos no PSOL estiveram pautados pela
política, sem deixarmos de lado o balanço de alguns métodos
burocratizados expressos no período 2015-2017 onde foi mais lento o
processo de distensionamento das relações, o que levou a Insurgência a
fechar chapa com o Bloco de Esquerda em estados significativos.
O VI Congresso do PSOL expressou, no entanto, de conjunto, esses
realinhamentos pré e pós-golpe. A Insurgência pautou-se pela necessidade
de dar centralidade à política e aos desafios fundamentais da esquerda
na atual conjuntura. Não nos movemos por alinhamentos artificiais que
escondem os verdadeiros debates sobre o balanço do período, leitura dos
acontecimentos no país, posturas políticas adotadas em momentos
decisivos, desafios da reorganização e caminhos do projeto PSOL.Assim
como não nos alinhamos em mesma chapa com a US, porque não temos acordo
ao redor de concepção de partido e funcionamento.
Nossa política é a de buscar um novo campo político no partido que
encerre o longo período de emblocamentos cristalizados (e reciprocamente
surdos) e que o partido se paute na sua pluralidade interna pelos
acordos de política, visão da reorganização, construção de um novo
programa para a esquerda, e que assim debata, por consequência, um novo
modelo de PSOL, democrático, vivo, transparente e enraizado nas lutas
concretas.
Este foi e continua sendo nosso compromisso e prioridade zero:
afirmar um PSOL que, ao reinventar o futuro agora, seja capaz de, por
cima das inevitáveis divergências, se consolidar como o principal
partido socialista, independente, enraizado nos setores mais explorados e
oprimidos e inserido na reorganização da esquerda e no país.
Disponível em: http://www.insurgencia.org/dois-desafios-ao-psol-enfrentar-o-golpe-e-superar-o-lulismo/
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