Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
A operação policial ocorrida na Universidade Federal de Minas Gerais
nesta semana é um alerta a todos que defendem uma universidade pública,
gratuita, de qualidade e socialmente referenciada. Com toda a
espetacularização que tem caracterizado as ações da Polícia Federal nos
últimos anos, com direito a trajes camuflados e fuzis, a operação na
UFMG acontece em um momento no qual ainda pairam suspeitas sobre
operação semelhante ocorrida há algum tempo na Universidade Federal de
Santa Catarina, e que teve poucos desdobramentos criminais
significativos, com exceção do suicídio do reitor daquela instituição.
Ao
se criticar o que aconteceu na UFSC e na UFMG (e tem acontecido em
menor escala, em outras instituições país afora, como relatam colegas)
não se pretende estabelecer a universidade como um território isento da
jurisdição do Estado. Mais do que isso: como espaço social, como
instituição burocrática, como comunidade humana a universidade não está
isenta da ocorrência de crimes e outras irregularidades.
Também
não se ignora que o que acontece hoje nas universidades, que acontece
há alguns anos com a classe política e empresarial, é o que acontece há
séculos com os pobres e pretos desse país. É cinismo dizer que o estado
de direito passou a ser afrontado desde a Lava Jato, desde o golpe,
desde as ações policiais na UFSC e na UFMG. Talvez seja possível dizer
que o fenômeno autoritário ganhou outra dimensão; mas é igualmente
cínico comemorar a “democratização” da injustiça e do arbítrio como
sinal de um país melhor.
Trata-se apenas de exigir que as ações policiais e judiciais obedeçam ao devido procedimento legal; que seus efeitos simbólicos estigmatizantes e criminalizantes sejam evitados por uma postura institucional objetiva, prudente e discreta; que seja respeitada a presunção de inocência no âmbito processual e também da imprensa.
O
problema é que muitos dos que se veem agora acuados pelo autoritarismo
policial, judicial e midiático ignoraram por muito tempo – quando não
aplaudiram – a prática desses abusos estatais e da imprensa contra os
mais pobres e vulneráveis, ou contra seus inimigos políticos. O
problema, no fim das contas, é que nunca levamos a sério essa coisa de
democracia, direitos humanos, devido processo legal, etc.
A
administração universitária nas instituições públicas é um desafio
enorme: burocrática, pouco funcional, engessada pelo formalismo e pela
carência dos recursos materiais e humanos necessários à missão da
universidade pública. Ainda assim, ela é assumida por docentes que, com
raras exceções, recebem por isso gratificações inversamente
proporcionais ao volume de trabalho e da responsabilidade que os cargos
de direção na universidade exigem. Além disso, assumir essas funções
muitas vezes significa sacrificar nossas atividades centrais: a docência
e a pesquisa.
Não
tenho dúvidas de que entre esses docentes haja aqueles que se
aproveitam desses cargos para práticas ilícitas ou no mínimo pouco
republicanas – como em toda instituição. E como em toda a administração
pública, a irracionalidade das regras de contratação pública, além de
dificultarem o bom emprego dos recursos financeiros, estão longe de
garantirem, por si só, a lisura da gestão. Quem já conduziu licitações e
geriu contratos na administração pública sabe disso. Os controles
externos, igualmente formalistas e irracionais que se impõem sobre a
administração pública, além de não serem capazes de impedirem desvios e
abusos, podem muitas vezes gerar injustiças quando exercidos por
instituições de controle elas mesmas pouco submetidas a controles
sociais eficazes.
Quem
já trabalhou na administração pública sabe que a cada assinatura sua em
um documento, especialmente se for uma ordenação de despesa, aumenta o
risco de sua submissão eventual e futura a um procedimento apuratório
que será no mínimo lento e cansativo, quando não espetacularizado e
massacrante. Quem se dedica à gestão da universidade sabe dos desafios e
dos riscos da atividade, e do pouco retorno que não seja a certeza de
estar contribuindo para a defesa cada vez mais difícil da universidade
pública e da sua missão política e social. Em um cenário de
anti-intelectualismo, desmonte da educação pública e ajuste fiscal
regressivo, a invasão da universidade por forças policiais e
procedimentos coercitivos e espetacularizados só torna tudo mais
difícil.
Frederico de Almeida é cientista político e professor na Unicamp.
Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/12/08/universidade-publica-nao-e-caso-de-policia/
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