Ermínia Maricato: "Os obstáculos
são os pobres, os cortiços, os imóveis abandonados, a Cracolândia, e
tudo isso já foi atacado pela prefeitura”.
Ermínia Maricato, arquiteta e urbanista
Por Luciano Velleda
Da Rede Brasil Atual
Da Rede Brasil Atual
Anunciado pelo prefeito João Doria (PSDB) no último dia 26 de
setembro, o projeto Centro Novo, “que propõe uma mudança urbanística e a
modernização da região central”, é na prática mais uma tentativa do
Executivo municipal de “tirar os pobres” do centro e favorecer os
interesses do mercado imobiliário.
A análise, sem meias palavras, é da arquiteta e urbanista Ermínia
Maricato. “A melhor localização de transporte sobre trilhos é a região
da Luz. Aquilo é um tesouro e o mercado imobiliário sabe disso. Só que
precisa tirar os pobres, e o prefeito já começou a fazer isso”, afirma,
lembrando as ações realizadas recentemente na Cracolândia, uma tentativa
de expulsar pessoas em situação de rua e uso abusivo de drogas.
Tendo como clientes preferenciais as classes média e alta, a
urbanista define o mercado imobiliário como “preconceituoso”, para o
qual a proximidade de populações pobres junto aos seus empreendimentos
derruba o preço.
“Para eles (o mercado imobiliário e seus apoiadores), é preciso tirar
os obstáculos para o preço dar um salto. E os obstáculos são os pobres,
os cortiços, os imóveis abandonados, cheios de dívidas e hoje ocupados,
a Cracolândia, a favela do Moinho. Esses são os obstáculos e tudo isso
já foi atacado pela prefeitura”, enfatiza.
A ex-secretária executiva do Ministério das Cidades e professora
aposentada da Universidade de São Paulo (USP), analisa as cidades
brasileiras como tendo a característica estrutural de uma “sala de
visitas”, bairros onde o metro quadrado é mais alto, a população é
prioritariamente branca e as ações de zeladoria, como poda de árvores,
sinalização, recapeamento do asfalto e limpeza de ruas e bueiro, são
sempre priorizadas, em detrimento das regiões periféricas, onde a
população é mais pobre, de origem negra e menos escolarizada.
Ermínia Maricato também critica o termo “revitalização”, sempre
empregado quando se trata de projetos para o centro da cidade. Para ela,
o centro de São Paulo já é “muito vivo”. A questão, pondera, é fazer
com que a região não seja tão erma durante a noite. Para conseguir isso,
ela acredita que o caminho é combinar a vocação empregatícia da área
central com mais moradias, sem expulsar as famílias de baixa renda que
já moram na área.
“É fundamental que o centro abrigue um mercado popular de moradia, em
função do grande número de pobres que ali vivem e da grande oferta de
emprego”, avalia. Ela defende que o crescimento imobiliário ocorra em
direção ao centro, até mesmo como um modo de preservar os recursos
naturais nas “franjas” da cidade, como a Serra da Cantareira e as
represas Billings e Guarapiranga.
Segundo a arquiteta e urbanista, o debate deveria ser orientado pela
pergunta: “O que é prioridade na cidade?”. Uma discussão que envolveria
diversos segmentos da sociedade, mas que, todavia, não tem acontecido.
“O problema é que as decisões são tomadas visando ao interesse
privado e não ao público. Em vez de salvar a represa Billings, a
Cantareira, se coloca dinheiro no centro”, afirmou. Como exemplo, cita o
grave problema da mobilidade urbana em São Paulo e que, nesse sentido,
um ônibus circular no centro, como anunciado pelo prefeito Doria, não é
prioridade.
“A ignorância é tão grande que é possível eles fazerem a pauta que
querem porque a população não conhece o que está em jogo. É importante
mostrar não só a natureza dessa pauta, mas também colocar outra. Estamos
numa cidade profundamente desumana e vamos fazer mais do mesmo?”,
questiona, para logo em seguida destacar que a expectativa de vida no
bairro de Itaquera é de 54 anos, enquanto nos Jardins é de 80 anos.
Para ela, o centro de São Paulo ainda é o único lugar democrático da
cidade, com convivência de diferentes classes sociais. Um espaço que, se
depender da gestão do prefeito Doria e do Sindicato da Habitação
(Secovi/SP), que encomendou o projeto Centro Novo e ofereceu-o “sem
custos” à prefeitura, pode estar ameaçado.
“Nossa elite é tão avessa à democracia que não consegue conviver com
pobre, a menos que trabalhe para ela”, definiu a arquiteta e urbanista
Erminia Maricato.
Disponível em: https://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/10938-pobres-vivendo-no-centro-sao-obstaculos-para-o-mercado-e-precisam-sair
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