PERDÃO A DÍVIDAS DE IGREJAS, A NOVA BARGANHA QUE AVANÇA NO CONGRESSO
Em vitória na Câmara, bancadas religiosas incluem emenda em programa de renegociação de dívidas.
O presidente da Câmara (centro) durante a votação do Refis. Luis Macedo Ag. Câmara As bancadas religiosas da Câmara
dos Deputados deram mais uma demonstração de força. Elas conseguiram
emplacar no plenário da Casa o perdão de dívidas tributárias e a isenção
de cobrança de impostos incidentes sobre patrimônio, renda ou serviços
de igrejas e de suas instituições de ensino vocacional. Atualmente,
estas entidades religiosas já contam com uma série isenções fiscais, mas
ansiavam por novos benefícios, aprovados em duas emendas que foram
incluídas na Medida Provisória do Refis, programa que prevê a
renegociação de dívidas e o desconto de juros para pessoas físicas e
jurídicas. Quem conseguiu com sucesso incluir o tema no projeto aprovado
foi o deputado Marcos Soares (DEM-RJ), que é filho do pastor R. R.
Soares, da Igreja Internacional da Graça de deus. O texto do Refis ainda
precisa ser aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente Michel Temer . Essa foi mais uma vitória dos grupos religiosos, que colecionam êxitos
nas últimas semanas, como, por exemplo, a decisão do Supremo Tribunal
Federal de permitir o ensino de crenças
específicas no ensino público. As alterações propostas no programa
terão um impacto negativo na arrecadação, justamente em um momento no
qual o Governo tenta cortar gastos e aprovar um ajuste fiscal em meio a
grave crise econômica. E os parlamentares ligados às igrejas não são os
únicos a terem vantagens: há meses a negociação do Refis vem sendo usada
moeda de troca política no Congresso. Estima-se que o perdão de dívidas totais do programa possa chegar a 543 bilhões de reais . Apesar das reclamações sugeridas nos bastidores, oposicionistas apostam
que o Planalto irá aprovar o texto sem muitas alterações, tendo em vista
que a aceitação da segunda denúncia feita contra Temer
deve ser votada na Câmara em breve, e um veto poderia “indispor” a base
aliada. As emendas que beneficiam igrejas foram aprovadas com o voto
favorável de 271 deputados. Apenas 171 foram contrários às medidas. No
total, a Frente Parlamentar Evangélica conta com 198 parlamentares na Casa, e a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana , 215 – a Câmara tem 513 deputados. As duas, ao lado da bancada da bala (conservadora e ligada à Segurança Pública) e da bancada do boi (integrada por representantes do agronegócio), são das mais influentes, conservadoras e numerosas no Congresso. O relator do Refis no Senado, Ataídes de Oliveira (PSDB-TO),
criticou o texto aprovado pela Câmara, e afirmou que irá retirar as
emendas que beneficiam igrejas do texto. “Vou derrubar essa MP se forem
permanecer estas emendas”, afirmou. Neste caso, o texto teria que voltar
novamente para a Câmara. “Eu não posso concordar com isso aqui (...)
brincar de ficar fazendo Refis não dá, não é coisa de país sério”, disse
o senador.
Nem todos os integrantes da bancada evangélica votaram a
favor das emendas. O deputado delegado Waldir (PR-GO), que integra a
frente religiosa, foi contrário “à concessão desse benefício”. “Eu penso
que nós já temos benefícios tributários com relação às igrejas, e num
momento de grave crise fiscal qualquer isenção vai fazer com que todos
os cidadãos paguem a conta”, afirmou. Ele se opõe também ao Refis como
um todo: “O Governo está apunhalando nas costa as empresas que
contribuíram regularmente com o fisco”.
“O grande problema não é a imunidade tributaria para as
igrejas. É que existem organizações políticas que utilizam estas mesmas
igrejas para defesa de interesses políticos, de ocupação do espaço
estatal”, afirma o líder do PSOL na Câmara, Glauber Braga (RJ). Ele cita
como exemplo o polêmico pastor Silas Malafaia ,
ligado à Assembleia de Deus, que “tem representantes no plenário, faz
campanha para eles, defende seus projetos, e depois recebe uma doação”.
Braga afirma que não se pode “generalizar”, uma vez que “nem todas as
igrejas fazem uso deste expediente”. O PRB, por exemplo, é o braço
político da Igreja Universal do Reino de Deus .
O papel de Meirelles
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles ,
no entanto, afirmou nesta quarta-feira que sua pasta pode recomendar a
Temer que vete a MP. “Dependendo da evolução do assunto [podemos
recomendar o veto], mas esperamos que não. Vamos aguardar agora a
decisão do Senado”, disse o ministro. Mas mesmo o defensor dos cortes
orçamentários pode não estar totalmente imune à pressão da bancada
religiosa. Em julho Meirelles se aproximou dos evangélicos, sendo um dos
participantes da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, que
reuniu mais de 4.000 pastores, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo.
O evento não constava em sua agenda oficial. Analistas políticos viram
no gesto uma movimentação do ministro para uma possível candidatura à
presidência em 2018. Em agosto ele se reuniu com evangélicos ligados à
Assembleia de Deus para discutir o ajuste fiscal.
Além de beneficiar as igrejas, o Refis foi visto como um aceno ao empresariado. O próprio relator da matéria, o deputado Newton Cardoso Jr.
(PMDB-MG), é sócio de empresas que devem 51 milhões de reais aos cofres
públicos. Ele já aderiu ao novo Refis, e seu nome consta nos Panama
Papers - ele e seu pai teriam usado empresas offshore
para a compra de um helicóptero no exterior, o que ele nega. Durante a
votação na terça o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) questionou Cardoso
quanto à sua dívida: “Passa a imagem de que as pessoas que estão
relatando são beneficiadas diretamente pela MP”. O relator não respondeu
às críticas no plenário. A reportagem também não conseguiu entrar em
contato com ele. Durante a votação o PSOL tentou, sem sucesso, incluir
uma restrição na MP para que políticos e funcionários dos primeiros
escalões do Governo não pudessem aderir ao Refis.
Os trem da alegria do Refis só sofreu um revés. Um
outro ponto polêmico da MP, que previa que suspeitos de corrupção
pudessem aderir ao programa, foi retirado do texto após repercussão
negativa na imprensa e nas redes sociais.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/04/politica/1507149908_797056.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM
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