Por Raphael Silva Fagundes
O semiolinguísta Patrick Charaudeau estudou uma série de ethos políticos
que um político pode adotar para atrair um número expressivo para as
suas fileiras. Ele pode construir uma imagem forte, tranquila, erudita
etc., mas o professor francês não observou uma imagem que vem ganhando
espaço nesse meio: a do imbecil. E não uso essa palavra aqui para
designar alguém com deficiência mental como faziam os romanos ao excluir
os loucos com seu discurso de normalidade. E muito menos pretendo impor
um discurso do que é verdadeiro, mas apenas observar a apropriação da
imagem política de uma cultura imbecilizada, ou como prefere Gilles
Lipotvetsky e Jean Sorry[1], “infantilizada”, para aumentar os seguidores.
Informação à venda
A “espetacularização” da cultura e da informação é um prato cheio
para a manipulação e infantilização das opiniões, pois a cultura é feita
para vender em quantidade e de forma atrativa, tendo assim de
metamorfosear tudo que produz em espetáculo, impedindo, desta maneira,
uma compreensão mais aprofundada do conteúdo. A transformação da
informação em algo de consumo rápido, prende os jornais a polêmicas e
informações sensacionalistas, e isso ocorre não só com os veículos da
grande imprensa, mas, em muitos casos, também, com os da mídia
independente.
Desta maneira, certos políticos se aproveitam desse caráter efêmero e
extravagante da mídia para lançar suas polêmicas. Aparecem em programas
de televisão e em canais da internet que viabilizam esse tipo de
informação. Os pais sentam ao lado dos seus filhos para assistir as
bobagens ditas que, por sua vez,são interpretadas sem dificuldades. Não
precisa um mínimo de esforço. As mentes se equiparam. Atrofiam-se. Isso
também vomitou a estética do meme e suas frasesque circulam de forma
viral.
O político precisa criar uma imagem de si polêmica através de
bravatas dúbias para que seja motivo de debates nas redes sociais. Nada
mais polêmico que ser imbecil, dizer coisas infundadas, asneiras, só
para chocar. É a primeira vez na história que se apresentar como um
idiota pode alavancar uma carreira política. Ser impopular para os
detentores da verdade acaba por ser um imã para aqueles que sempre foram
excluídos. Mas tudo deve ser risível, cômico, ou, na linguagem dos
jovens, “zoeira”. E a cada três ou quatro dias novas palhaçadas são
apresentadas. Aproveitando-se de que as redes sociais deram espaço a
essa cultura imbecilizada, o político que quer apenas ganhar votos usa
os personagens que não estão habituados a pensar no que ouvem, mas
apenas em se divertir com a viralização de seus posts, para reproduzir
qualquer tipo de discurso que gere prazer, isto é, que seja espetacular.
A criança, que tem um acesso cada vez maior ao mundo dos adultos, com
maquiagens e computadores que acessam o que há de disponível,
adultaliza-senessa cultura infantilizada. Um paradoxo. Os adultos são
cada vez mais infantis, por isso seus filhos são cada vez mais
adultalizados. Os mundos se fundem. Crianças e adultos são apenas
engrenagem em um mercado que quer apenas formar indivíduos acríticos
para dar a ele funcionalidade.
"Não podemos ficar admirados com a
fama de Bolsonaro na internet, embora se somarmos os dois primeiros
congressistas das esquerdas no ranking dos mais populares das redes
sociais, os seguidores ultrapassem, sem dificuldades, os 4 milhões de
asseclas do deputado conservador"
Não podemos ficar admirados com a fama de Bolsonaro na internet, embora
se somarmos os dois primeiros congressistas das esquerdas no ranking dos
mais populares das redes sociais, os seguidores ultrapassem, sem
dificuldades, os 4 milhões de asseclas do deputado conservador. Mas a
questão que se deve levar em conta é o fato de os partidos de Bolsonaro
(PSC, PEN, Patriotas) terem muito menos filiados que o PT, com os seus
mais de 1,5 milhão. Ou seja, o deputado federal do Rio de Janeiro atrai
pessoas que estão fora da política, fora até mesmo dos movimentos
políticos que estão nas universidades e nas ruas (com exceção do MBL que
aumenta consideravelmente suas fileiras virtuais por meio de uma
contradição entre a palavra “livre” e suas investidas opressoras sobre a
arte e a educação, forjando uma interpretação sobre liberdade que não é
esquizofrênica -embora a palavra apareça de forma fantasmagóricana
sigla do movimento -mas imbecil e imbecilizante, dissimulada e
interesseira).
A síndrome de Buzz Lightyear
Um outro fenômeno atual assoma-se a isso tudo. Na antiguidade
grecoromana, a criança era preparada para a vida pública. O público era
mais importante que o privado. Inclusive, a palavra idiota vem de
idiotes que designava “pessoa privada, simples cidadão”, isto é aquele
que não participava da coisa pública.[2]
Para o sociólogo Richard Sennet, a privatização da vida ocorreu quando a
criança foi percebida pela sociedade como um ser frágil.[3]
A existência da família era fundamental para a linhagem, um destino
natural. Deste modo, o mundo público tornou-se cada vez mais hostil à
inocência de uma criança,forçando os adultos a valorizarem o lar. A casa
se tornou um local onde as pessoas não precisavam mais usar os sinais
públicos de reconhecimento, bastavam ser elas mesmas.
O público foi sendo vilipendiado gradativamente pelas pessoas. E não
só desprezado, mas execrado, visto como um lugar onde reina a lábia
interesseira, a corrupção, a rapina. Mas, a modernização da sociedade
trouxe várias alterações, uma delas é que com a urbanização a natalidade
diminuiu. Hoje chegamos a patamares surpreendentes onde a população
está envelhecendo cada vez mais, enquanto que as pessoas têm cada vez
menos vontade de ter filhos. O desejo de consumir, de modo geral, e a
liberdade feminina acompanhada de uma necessidade de realizar os sonhos
que a indústria do consumo apresenta,chocam-se com o desejo de
constituir uma família, onde novas responsabilidades aparecem. A família
deixou de ser um destino natural e passou a ser desejada, planejada.[4]
Deste modo, os jovens sem filhos, voltam-se novamente para a vida
pública, no entanto, desta vez, carregando todo o ódio a ela
desenvolvido ao longo dos séculos, entranhado em uma tradição.
Consumidores de uma cultura que valoriza apenas o superficial,
apropriam-se de instrumentos frágeis para compreender a complexidade da
vida pública que, por sua vez, sustenta uma lógica de dominação de
agentes que raramente aparecem.
Acaba sendo relativamente fácil entrar nas mentes desses indivíduos
que caminham em direção do que mais os excita, do que promete o prazer
insaciável, quando não frustrado, que um sistema excludente promete, mas
na maioria das vezes não consegue realizar. O uso das redes sociais por
políticos, de programas sensacionalistas, que promovem uma comédia na
lógica do riso instantâneo de coisas sérias, e de outros mecanismos,
está atraindo um número cada vez maior de indivíduos que sofre da
síndrome de Buzz Lightyear, personagem do filme Toy Story da Disney (já que estamos falando de infantilização): não percebem que são apenas bonecos.
Referências
[1] LIPOVETSKY, Gilles e SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Cia das Letras, 2011.
[2] CATALÁN, Miguel. Anatomia del secreto: seudología III. Madrid: Verbum, 2016. p. 37.
[3]SENNET, Richard. O declínio do homem público. Trad: Lygia Araujo Watanabe. Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 147.
♦ Raphael Silva Fagundes
é doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Política da
UERJ. Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
Disponível em: https://www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/10923-o-imbecil-um-novo-ethos-politico
Nenhum comentário:
Postar um comentário