Com o objetivo de derrubar a fachada de um prédio, prefeitura atinge
pensão onde ainda estavam moradores. Ao menos três foram feridos.
Escavadeira da prefeitura atingiu parede de pensão com moradores ainda no local
Uma operação autoritária do prefeito João Doria na Cracolândia
terminou com cidadãos feridos e atitudes truculentas contra os moradores
e comerciantes da região.
Com o objetivo de derrubar a fachada de um prédio demolido há quatro
anos na alameda Dino Bueno, a prefeitura adentrou com escavadeiras uma
área livre onde antes encontrava-se o edifício. Antes da operação da
prefeitura contra o tráfico na região, deflagrada no domingo 21, o local
vinha sendo ocupado por usuários de drogas. Na ação, realizada por
volta das 14h, uma escavadeira atingiu uma parede que separava a área
livre de uma pensão. O impacto resultou em ao menos três cidadãos
feridos, que ainda encontravam-se no alojamento enquanto funcionários da
prefeitura operavam as escavadeiras.
Gerente da pensão atingida, Valdete Souza Emiliano, 36 anos, afirma
que a parede foi derrubada sem um aviso para que os moradores deixassem o
local. "Com esse projeto do Doria de acabar com a Cracolândia, eles
simplesmente colocaram os tratores na área livre e derrubaram a parede
com os moradores dentro", afirma Valdete.
A moradora do local acreditava que aquilo se tratava de especulação
imobiliária. 'Eu vivi o centro no crack, também quero viver na
revitalização', afirmou. (Victória Damasceno)
Segundo a Prefeitura, o objetivo da demolição era desarticular uma
célula do Primeiro Comando da Capital, que controla o tráfico na região.
Valdete afirma que não havia usuários ou traficantes no local quando
ocorreu a demolição. "Aqui só tem pai de família e trabalhador, porque
os usuários só Deus sabe pra onde foram."
De acordo com a gerente, a operação da prefeitura inviabiliza a
continuidade de seu negócio. "Eu sou gerente e temos cinco funcionários,
com os quartinhos destruídos como é que vai ter hospede? Sem hospede
como a gente vai ser pago? A parede que caiu era a principal, todos os
quartos dependiam dela. Alguns já tinham mês pago, agora não tem pra
onde ir"
De acordo com a subprefeitura da Sé, responsável pela região, foi
realizada uma ação de fiscalização na Cracolândia para verificar a
regularidade dos estabelecimentos. Locais que não tinham licença de
funcionamento ou falta de condições sanitárias e de segurança foram
alvos de termos de interdição. A prefeitura iniciou a comunicação aos
moradores há menos de 24 horas.
Segundo a gerente da pensão, o estabelecimento não recebeu o termo.
Um dos feridos, Wellington da Silva, trabalhador autônomo da Rua 25
de Março e morador do local há um ano e seis meses, conta que estava no
banheiro quando a parede desabou. "Caiu um pedaço de parede na minha
perna, me lesionou e provavelmente vai me trazer sequelas."
O morador ainda disse que os representantes da prefeitura iriam dar
assistência médica suficiente, mas disse que foi apenas atendido no
local e que não deram os remédios que receitaram para poder cuidar dos
ferimentos. "Eles me deram uma receita médica e foram embora. Se eu
tivesse dinheiro pra comprar tudo isso de remédio eu não tava morando
aqui", desabafa.
A coordenadora de Políticas Sobre Drogas da Secretaria de Direitos
Humanos e Cidadania, Maria Angélica de Castro Comis, que estava no
local, disse que os moradores afetados pelo desabamento da parede que
não tiverem para onde ir, serão realocados pela prefeitura. A
coordenadora não informou os locais.
Uma mercearia próxima do local recebeu um termo de interdição às
10h27 desta terça-feira 23.O documento apontava irregularidades nas
instalações elétricas e de gás e equipamentos contra incêndio em
desacordo com a legislação. O dono da mercearia, Magno Lima da Silva,
afirma que "para eles (prefeitura) não interessa nada".
"Eles só chegaram aqui dizendo que iam lacrar, sem
dizer o porquê. Depois falaram que era fiação, que iam demolir. Não
perguntaram e nem deixaram a gente tentar arrumar a fiação pra ficar, só
informaram que era pra sair", afirmou o comerciante.
O comerciante se emocionou enquanto explicava para o subprefeito que não podia ficar sem a sua mercearia
(Victória Damasceno)
A
ação da prefeitura iniciada no sábado 21, já lacrou diversos
estabelecimentos comerciais na região da Cracolândia. Com oito
funcionários dependentes do funcionamento da mercearia, Magno afirma que
buscou, antes do pedido de interdição, regularizar a situação de seu
comércio. "Eu fui atrás da prefeitura pra regularizar, tinha o dinheiro e
eles não deixaram."
Emocionado, o dono da mercearia disse ao subprefeito da Sé, Eduardo
Odloak, um dos representantes da prefeitura no local, que aquele
estabelecimento havia pagado parte do tratamento da mãe que é doente, e
que agora, não tem perspectivas de onde tirar sua renda. "Você tem noção
do prejuízo que isso tá me causando? Estou pagando carretas pra tirar
as coisas, sabe quanto custa cada carreta? Me diz pra quem eu vou vender
os produtos agora?", perguntou.
Questionado se haveria alguma contrapartida da prefeitura em relação
ao despejo dos moradores e comerciantes, o subprefeito afirma que caso
precisem, poderão buscar auxilio da assistência social, mas não informou
como isso deverá ser feito.
No final da tarde, os moradores de rua retirados dos arredores das
alamedas Dino Bueno e Cleveland, duas das principais vias do local,
estavam concentrados na Praça Princesa Isabel. Cercados por policiais,
os moradores fizeram uma ação em massa em direção ao local e foram
surpreendidos com bombas de gás e balas de borracha, o que fez com que
imediatamente voltassem para a praça ao lado do terminal.
De Braços Abertos
Para o beneficiário do programa, Narciso de Souza, isso também é uma
estratégia de Dória para acabar com o De Braços Abertos. Morador da
região há mais de 10 anos, Narciso conta que parou de usar drogas com a
ajuda do programa e hoje é remunerado para trabalhar como gari nas ruas
da região. "Nota zero pro Dória. Eu só saio do programa se ele acabar de
vez, se não, eu fico", afirma.
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/demolicao-na-cracolandia-deixa-feridos-e-expoe-autoritarismo-de-doria
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