O Ministério da Educação (MEC) cortou a homofobia da lista de
preconceitos que devem ser combatidos com a educação, alterando um
documento que já havia sido entregue à imprensa. Na quinta-feira, 6, a
nova versão da Base Nacional Comum Curricular, uma orientação do que as
escolas públicas e particulares brasileiras devem ensinar em sala, foi
divulgada. Dois dias antes, o texto foi enviado pelo MEC à imprensa.
A publicação de matérias, no entanto, era liberada apenas no dia 6,
quando o documento seria oficialmente entregue ao Conselho Nacional de
Educação, órgão responsável pelos próximos passos do processo de
instituição da base.
A versão entregue ao Conselho Nacional de Educação contém mudanças
cirúrgicas: os fragmentos que defendiam o respeito à diversidade tiveram
os termos “identidade de” gênero e “orientação sexual” sumariamente
apagados.
Desde que a atual equipe do MEC assumiu, em maio de 2016, o desempenho da rede federal foi suprimido do relatório final de resultados do Enem e a obrigatoriedade de quatro disciplinas foi retirada do texto da reforma do Ensino Médio.
“Não é uma gestão confiável”
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, criticou as mudanças feitas sem aviso nos bastidores:
“Já está se tornando um hábito desta equipe do MEC divulgar uma versão para a imprensa e seus aliados e colocar em prática outra, como foi feito na reforma do Ensino Médio. Desta vez, o texto foi pasteurizado: retiraram trechos que diziam respeito à orientação sexual e identidade de gênero e pasteurizaram trechos que diziam respeito às questões raciais. Não é uma gestão confiável.”
Cara explica que os dois textos estão passando, agora, por análise
minuciosa para encontrar mais alterações que possam permitir outros
tipos de preconceito e humilhação. Ele lembra que, muitas vezes, essas
opressões motivam os alunos — que se sentem humilhados e desmotivados a
estudar — a desistir da escola.
Ou seja, tornar as orientações pedagógicas permissivas à homofobia é,
também, dar força a um dos fatores que alimenta a alta taxa de evasão
escolar brasileira. De acordo com levantamento divulgado no dia 5 de abril pelo movimento Todos Pela Educação, com base nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE), o Brasil tem tem 2,5 milhões de crianças e jovens fora da escola.
“Já está se tornando um hábito desta equipe do MEC divulgar uma versão para a imprensa e seus aliados e colocar em prática outra.”
Quando foi divulgado o texto da Medida Provisória que estabelecia a
reforma do Ensino Médio, no dia 22 de setembro de 2016, chamou a atenção
de especialistas e da mídia a ausência das disciplinas de artes,
filosofia, sociologia e educação física da lista de matérias
obrigatórias. Muitas críticas e protestos foram feitos e, mais tarde, no mesmo dia, o MEC anunciou que havia divulgado uma versão errada do texto e que a obrigatoriedade seria mantida.
Duas semanas depois, no início de outubro, os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram divulgados faltando as notas dos alunos da rede federal,
o que o ministério classificou como “um equívoco”. Por uma sarcástica
coincidência, naquele mesmo ano o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (Pisa), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) avaliou a educação de 72 países e, no Brasil, a rede
federal se destacou com notas muito acima da rede particular e
equivalente ao desempenho da Coreia do Sul, tido como caso de sucesso.
Amanda Peixoto, secundarista, sobre a PEC 241 e a
reforma no ensino médio
https://www.youtube.com/watch?v=egh67KCMLqI
É comum que jornalistas recebam documentos, pesquisas ou relatórios
de órgãos públicos ou não “sob embargo” — ou seja, com publicação
liberada apenas dentro de alguns dias. Textos longos e complexos, como é
o caso da Base, costumam ser enviados com certa antecedência para que
os jornalistas tenham tempo de ler e se preparar para a divulgação das
informações.
Quando isso é feito, porém, o convencional é que a fonte avise aos
jornalistas sobre as alterações e cortes de informações, de forma que o
material divulgado não seja diferente do oficial. Segundo a resposta
oficial do MEC, a diferença de texto ocorreu por causa de “ajustes
finais de editoração/redação que identificaram redundâncias”. Confira
abaixo a íntegra da resposta ministerial:
“O documento da Base Nacional Comum Curricular entregue ao Conselho Nacional de Educação preserva e garante como pressupostos o respeito, abertura à pluralidade, a valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais, identidades, contra preconceito de origem, etnia, gênero, convicção religiosa ou de qualquer natureza e a promoção dos direitos humanos. A versão final passou por ajustes finais de editoração/redação que identificaram redundâncias. O texto encaminhado aos conselheiros, na quarta-feira (05/04), já contemplava esses ajustes. O documento apresentado à imprensa (04/04) de forma embargada com antecipação, em função da complexidade do assunto, passou por uma última revisão. Em momento algum as alterações comprometeram ou modificaram os pressupostos da Base Nacional Comum Curricular.
A BNCC estabelece competências a serem alcançadas para todos os alunos, desenvolvidas em todas as áreas e por componentes curriculares que seguem as diretrizes das competências do sec. XXI. Essas competências pressupõem que os alunos devem aprender a resolver problemas, a trabalhar em equipe com base em propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Tudo isso, sempre, respeitando a diversidade.”
Disponível em: https://theintercept.com/2017/04/07/mec-corta-homofobia-da-lista-de-preconceitos-que-devem-ser-combatidos-na-educacao/
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