Na campanha eleitoral de 2016, por diversas vezes e em diversos espaços, o PSOL - Sobral, denunciou o engano acerca de nossa educação pública. A população não deu ouvidos. Agora é o ex-secretário da atual gestão, Marcos de Aguiar Villas-Boas, quem mostra de maneira detalhada, como funciona realmente a educação pública sobralense, voltada para a formação de mão de obra barata, para o enriquecimento das empresas forasteiras que se instalam em Sobral. Leia atentamente!
Além de medidas administrativas boas da Prefeitura, como investimento na formação de professores, há também manipulação do IDEB.
Não se chega a verdades no atual estágio de evolução humana [1], pois há diferentes perspectivas, umas mais e outras menos completas e condizentes com os eventos.
Para redigir este texto, buscou-se juntar depoimentos de diferentes
agentes envolvidos na educação de Sobral (CE) para, assim, montar um
cenário bem rico em informações e condizente com o que acontece no
município.
Quando a informação pareceu frágil, quando ela partiu de um único
agente, foi deixada de lado e usada apenas na sistematização das ideias.
Os fatos trazidos neste texto foram apresentados com clareza por mais
de um agente que atua na educação de Sobral há anos. A pedido deles, por
receio de retaliações, suas identidades ficarão em sigilo.
Praticamente ninguém em Sobral nega que há um período antes e outro
depois de Cid Ferreira Gomes, que foi prefeito de 1997 a 2005, por dois
mandatos consecutivos, reeleito em 2001 com 68% dos votos. O município
era muito pobre, modesto, como a imensa maioria dos municípios do País, e
ganhou alguma infraestrutura, cresceu e se desenvolveu, como nunca a
população da região norte do Ceará tinha visto.
Não se deve esquecer, contudo, que, no período final do governo de
Cid, de 2003 a 2005, Lula já era o Presidente da República. Era o início
do boom das commodities, quando o País passou a ter altos crescimentos
do PIB, sendo um período de bonança, sobretudo para os aliados do PT.
Essa bonança continuou pelo menos até 2013, devendo-se atribuir boa
parte do razoável sucesso dos Ferreira Gomes em Sobral a um intenso
apoio dos governos federal e estadual. Com a crise econômica a partir de
2014, o município se afundou em desemprego e outros problemas.
Sobral progrediu, mas está longe de ser um município desenvolvido. A
economia gira, em grande parte, em torno da Grendene, indústria de
calçados instalada na cidade em troca de obscenos incentivos fiscais da
União Federal e do Estado do Ceará (75% a menos de ICMS, benefício da
guerra fiscal e, portanto inconstitucional, conforme jurisprudência
consolidada do STF) mantidos até hoje, que desequilibram a concorrência,
e a empresa agradece por meio de gordos "investimentos" nas campanhas
dos Ferreira Gomes, como 1 milhão de reais doado por Alexandre Grendene
na campanha de Ivo Gomes a prefeito em 2016. Ciro Gomes era o governador
do Ceará quando a Grendene recebeu o incentivo fiscal e se instalou na
cidade em 1993.
Sobral é ainda extremamente desigual, ficando os seus distritos e
bairros distantes quase esquecidos. A cidade como um todo não tem
transporte público adequado, sequer existe uma rede de ônibus, mas há
vans privadas operando, quase sempre de propriedade de políticos; o lixo
está espalhado por toda a cidade, que não tem boa rede de coleta, muito
menos seletiva; a violência é bem preocupante; e assim por diante.
Durante o mandato de Cid, Ivo, o seu irmão mais jovem e atual
prefeito, teve participação relevante como chefe de gabinete e
secretário de Desenvolvimento da Educação. Não há como negar os grandes
avanços da educação de Sobral em Português e Matemática nesse período.
No ano de 2000, 48% da população era analfabeta ou chegava ao final
do ensino fundamental sem ler adequadamente, e hoje, especialmente por
conta do Programa (municipal) de Alfabetização na Idade Certa, que
inspirou o programa nacional, afirma-se que o analfabetismo foi quase
extinto.
Como de costume no Brasil, Sobral focou pouco na Educação de Jovens e
Adultos (EJA), havendo, sim, ainda relevante quantidade de adultos
analfabetos e semianalfabetos no município, o que dificulta uma boa educação das crianças e adolescentes[2],
pois ela se inicia e termina dentro de casa, na rua, nas relações que
cada indivíduo trava no seu dia a dia. O pior é que, como se verá, o
analfabetismo e o semianalfabetismo não se resumem aos adultos.
No Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), Sobral passou
de 4,0 em 2005, para 4,9 em 2007, 6,6 em 2009, 7,3 em 2011, 7,8 em 2013
e 8,8 em 2015. O Ideb foi criado em 2007 pelo então ministro da
Educação, Fernando Haddad, durante o segundo mandato de Lula, e tem sido
utilizado, em regra, como o único “norte” pelos municípios e escolas
para medição da qualidade da educação. Foi uma boa iniciativa, mas
precisava ter sido complementada por outros índices capazes de medir os
demais aspectos fundamentais da educação e por medidas que
desincentivassem a sua manipulação.
Por ser considerado o índice de qualidade da educação pública,
transformou-se em informação para uso político/eleitoral. Quando se
aumenta a nota no Ideb, o político divulga isso como uma grande vitória
sua na administração. Assim, o índice é muito manipulado. Havendo mais
índices, o político precisará olhar para todos eles, incentivando
resultados educacionais mais completos e dificultando uma percepção
distorcida sobre os avanços de cada município.
Em Sobral, é difícil de negar que a redução da influência política na escolha de diretores das escolas, atestada na tese de graduação de Tábata Amaral apresentada em Harvard[3],
aliada ao acompanhamento individual de cada aluno contra a evasão, a
processos constantes de qualificação dos professores e a uma remuneração
variável pelo atingimento de resultados no Ideb levou a um aumento de
qualidade da educação no que toca ao Ideb.
Aqui é preciso ter muita atenção. O Ideb mede o aprendizado em
Português e Matemática multiplicado pela proporção de alunos aprovados.
Em Sobral, no ano de 2015, a nota de aprendizado foi 8,79, num total de
10, e a aprovação foi 1,00, o que significa reprovação zero, algo quase
impossível. Como poderia não ter sido reprovado nenhum ou quase nenhum
aluno do 5º ano fundamental de toda a rede pública com dezenas de
escolas?
Essa manipulação do Ideb quanto à aprovação não acontece apenas em Sobral, mas em praticamente todos os municípios do país[4]. A nota real de quase todos é, portanto, menor do que efetivamente aparece no Ideb, que já é um índice fraco por si só.
Sobral se destaca por ter, de fato, realizado medidas administrativas
boas, mas também por ter manipulado engenhosamente o Ideb, o que
testemuham diversos educadores do própria sistema público do município e
ligado a eles.
No caso da aprovação, por exemplo, diferentes professores contam que
alunos bons do mesmo ou de outros anos são postos para fazer provas de
alunos ruins ou doentes ou detentos, por orientação de alguns
professores, que recebem, como renda variável, em torno de 500 reais a
mais no salário quando a nota no Ideb é boa. Casos em que alunos recebem
notas maiores do que realmente tiraram, a título de "motivação", também
são corriqueiros, conforme reforçam alguns pais de alunos, que ouviram
isso em reunião entre professores, pais e alunos.
Uns acham que a Secretaria Municipal de Educação não sabe, outros
acham que ela finge que não sabe desses fatos. Se este autor os
descobriu em apenas três meses de pesquisa, a Prefeitura de Sobral,
comandada pelo mesmo grupo há 20 anos, deveria ter conhecimento.
Quanto ao aprendizado, também há manipulações, segundo os educadores.
Todo o programa é focado em Português e Matemática, disciplinas do
Ideb, ficando as demais matérias em segundo plano ou em plano nenhum.
Um professor de História contou que recebe alunos de outra escola e
pergunta quem era o professor deles antes, então eles frequentemente
respondem que mal viam a disciplina, o que o deixa desacreditado e
triste com o sistema.
Diferentes professores garantem que muitos alunos do 6º, 7º e 8º anos
não sabem sequer ler bem, e não são alunos especiais. Afirmam que eles
são separados no 9º ano, quando é realizada a Prova Brasil, sendo que os
alunos com rendimento ruim não chegam a fazer a prova.
Os alunos de Sobral são sujeitos a uma enxurrada de aulas de
Português e Matemática, ficando todas as demais matérias para trás, não
havendo, às vezes, nem papel para fazer as provas delas, segundo
professores revoltados alegaram. Um deles precisou escrever as questões
de uma prova no quadro de lousa.
O que se sabe com certeza é que o processo de ensino de Sobral foi
moldado para preparar os alunos para a Prova Brasil, que gera o
resultado do Ideb, deixando em segundo plano a verdadeira educação dele.
É claro que isso varia de acordo com cada diretor, com cada professor,
mas é uma realidade presente e até bem conhecida em Sobral, constatada
por inúmeros educadores, e provavelmente também acontece em outros
municípios.
Poder-se-ia alegar, então, que, ao menos, os alunos estavam fazendo a
mesma prova de todos e se saindo melhor. De fato, parte dos alunos da
educação fundamental de Sobral, sobretudo do 5o ano, estão obtendo bons
resultados em Português e Matemática sob o ângulo do que é cobrado na
Prova Brasil. Resta saber exatamente como.
A pergunta seguinte deve ser: é esta a educação de qualidade que o
País busca? Deve-se lembrar do analfabetismo que se tinha em Sobral e da
qualidade da educação brasileira em geral. Pensando-se com o olhar da
mediocridade, só de ter a maioria da população alfabetizada e fazendo
cálculos já é um começo.
Por outro lado, se o objetivo é preparar cidadãos críticos, fazer o
País se desenvolver economicamente de forma sustentável, permitir que os
alunos da educação pública compitam com os alunos da educação privada
(igualdade) e, ainda mais difícil, permitir que eles compitam
internacionalmente com alunos de países desenvolvidos, a educação
precisa ir muito mais longe do que o Ideb é capaz de levá-la.
O boom no Ideb de Sobral não está fortemente refletido num boom na
igualdade de renda, nem da igualdade entre alunos da escola pública e
privada, nem num grande boom de produtividade econômica, pois o Ideb
lida apenas com aquilo que é muito básico, ou seja, saber ler e
interpretar minimamente, e fazer cálculos matemáticos simples.
A tara pelo Ideb tem, contudo, deixado em segundo plano: a) um bom
ensino de ciências, fundamental para desenvolver habilidades de pesquisa
científica, criação, inovação etc., gerando complexidade econômica e
desenvolvimento; b) um bom ensino de história, sociologia e filosofia,
fundamental para se entender a dinâmica dos fatos, a evolução do mundo e
das pessoas, as causas dos acontecimentos, compreender as relações
sociais, refletir sobre os por quês etc.; c) um bom ensino focado nas
habilidades, como empatia, liderança, respeito, resiliência,
criatividade, humildade, cooperação, dinamismo etc.; d) um bom ensino de
línguas, que permita a conexão dos estudantes com as vanguardas de
conhecimento, com as relações econômicas internacionais etc.
Mais de 80% dos alunos da escola pública não ingressam nas
universidades, mesmo apesar de serem "gênios" pelos critérios do Ideb.
Boa parte nem consegue ingressar na escola técnica.
Uma administradora de faculdade privada de Sobral mencionou que os
alunos da escola pública que lá chegam, mesmo os egressos das chamadas
"escolas modelo", são extremamente aquém dos demais, de modo que ela tem
uma visão muito mais negativa do que a do próprio autor sobre a
manipulação dos resultados do Ideb.
Ao tratar da aplicação do Pisa que será realizada em Sobral
brevemente, este autor soube na Prefeitura que os alunos receberiam uma
preparação para fazer a prova. Os estudantes não deveriam ser
preparados. Para que a prova obtenha um resultado o mais próximo da
realidade, o ideal é que eles nem saibam que a realizarão até alguns
dias antes.
A preparação pode gerar distorções na avaliação do conhecimento
obtido na escola, e esse tipo de preparação específica “super especial”
sobralense acontece para a prova do Ideb.
Sobre a educação de Sobral, conclui-se que houve boas medidas
administrativas ao longo do tempo e que parte do sucesso se deve a
decisões tomadas na gestão de Cid Gomes com apoio do seu irmão e atual
Prefeito Ivo Gomes.
Marcos Villas Bôas, ex-secretário da gestão
Ivo Gomes e Cristiane Coelho
No entanto, o imediatismo da política, a falta de um mais rigoroso
senso moral, o conhecimento atrasado e outros fatores parecem ter levado
– e é preciso investigar – os administradores públicos de Sobral a
tomarem medidas excessivamente focadas nos resultados do índice, e não
tanto numa educação de excelência, que prepare os alunos da escola
pública para serem sujeitos altamente honestos, humanos, para entrarem
em universidades, caso assim desejem, e para se destacarem na economia.
É preciso que outros índices sejam criados no Brasil: um semelhante
ao Pisa, que foque também em habilidades mais relacionadas às ciências;
outro que meça o conhecimento da história, da sociedade e a capacidade
de reflexão; outro mais focado nas habilidades e nos aspectos morais;
outro focado em línguas, sobretudo inglês; ou um mesmo índice pode
tentar apreender todos ou alguns desses aspectos a partir dos
sub-índices.
Sobral e outros municípios que estejam seguindo o mesmo rumo devem
mudar urgentemente, e isso poderia ser dirigido pelo governo federal. Do
modo como está, com a educação toda pautada no Ideb, os brasileiros
saberão talvez ler, mas não saberão, em regra, criticar, não saberão a
história, os impactos sociais, refletir "fora da caixa", ser
resilientes, dinâmicos etc. Além disso, saberão apenas calcular as suas
dívidas, que poderão ser muitas, pois não conseguirão, em regra,
investigar cientificamente, empreender, se comunicar com o mundo por
línguas estrangeiras etc.
A história de Sobral mostra que, com alguma administração eficiente e
ideias elementares, foi possível obter algum desenvolvimento na
educação, ainda que tenham sido deixadas carências enormes até hoje,
mesmo apesar de os Ferreira Gomes terem o poder há 20 anos, sem
intervalo.
Isso prova que, em alguns anos de mandato muito bem administrado, com
muita honestidade e ótimas ideias, seria possível realizar uma
verdadeira revolução em um município, mesmo com todas as dificuldades
financeiras e outras. Isso não acontece porque os administradores
públicos têm, em regra, uma "moral frouxa", pouca preparação intelectual
e quase nenhuma imaginação, ainda que haja graus muito diferentes entre
eles.
Nessa escala, aparentemente os Ferreira Gomes se colocam num nível de
qualidade mais elevado do que a média, porém ainda distantes do
adequado para se ter um país sério, intelectualizado, menos desigual e
economicamente desenvolvido.
[1]https://www.cartacapital.com.br/blogs/vanguardas-do-conhecimento/o-conceito-politico-da-moda-pos-verdade-e-equivocado
[4] http://professormoroni.blogspot.com.br/2014/12/o-ideb-uma-farsa-que-prej...
Disponível em: http://jornalggn.com.br/noticia/a-verdade-sobre-o-ideb-e-a-educacao-de-sobral-por-marcos-de-aguiar-villas-boas
Disponível em: http://jornalggn.com.br/noticia/a-verdade-sobre-o-ideb-e-a-educacao-de-sobral-por-marcos-de-aguiar-villas-boas
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