Na prática, o Supremo cassou o direito de paralisação dos servidores, deixando o País mais longe do projeto erguido em 1988.
Por Eloísa Machado de Almeida
O Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu que servidor público deve escolher entre a vida e a greve. Isso
mesmo. Apesar de ser um direito constitucional de primeira grandeza,
daqueles que faziam a Constituição brasileira ser reconhecida e
festejada mundo afora, a greve deixou de existir.
A maioria do tribunal entendeu que o gestor público tem o dever de cortar o pagamento dos grevistas.
Ou seja, se você entrar em greve, para protestar por melhores condições
de trabalho, por igualdade de gênero, contra o arrocho, pela
democracia, pela saúde, pela segurança, pela educação, ficará sem
salário.
Não importa se a reivindicação é justa. Não importa se é um direito. Não importa se não é abusiva. Não importa.
Não deve mesmo importar aos ministros do Supremo Tribunal Federal e
ao teto de vencimentos do funcionalismo público. Tampouco deve importar aos demais juízes, que ganham acima do teto.
Mas certamente importa aos professores, cujo piso salarial é de
pouco mais de 2 mil reais que garantem a vida de sua família. Mas agora
eles serão obrigados escolher entre a vida e a greve.
A decisão do Supremo Tribunal Federal parece ter sido feita por encomenda. A PEC 241,
o desastre das políticas sociais brasileiras, certamente inviabilizará a
continuidade de muitos programas e precarizará outros tantos.
Votada por um Congresso Nacional apodrecido e amparada por um governo
cuja legitimidade não virá, a PEC 241 seria objeto de muitos protestos e
greves: contra a PEC 241 por uma educação de qualidade; contra a PEC 241 por uma saúde pública universal. Contra a PEC 241 pela Constituição!
A situação que se desenha é, portanto, curiosa. Se protestar, o
salário é cortado e a opção é entre a vida e a greve. Se não fizer
protesto e a PEC 241 for aprovada, a escolha é entre a morte a greve.
Seria cômico se não fosse trágico. A única opção dada pelo
tribunal para não cortar salários seria quando o poder público estivesse
praticando ato ilegal, como atrasar pagamentos. Elementar. Se o
servidor já não recebe o seu salário, e por isso entra em greve, não há o
dever do gestor em descontar o pagamento.
Mas é só trágico. O mesmo Supremo Tribunal Federal que mudou
seu paradigma para admitir o mandado de injunção na garantia do direito à
greve, agora esvazia o direito constitucional.
Ninguém nega a necessidade de regulamentação, de acordos, de
fiscalização. Todos sabemos que serviços públicos essenciais devem
funcionar independentemente da greve. Ninguém ignora que possam existir
oportunistas e abusos. Mas isso não é sinônimo de greve. Greve é
sinônimo de direito. Invariavelmente, a greve é pelo direito de todos.
O tribunal parece mesmo achar que direito não é lá grande
coisa. Estudamos – assim como os ministros de notável saber jurídico –
que ter um direito é uma coisa importante, algo capaz de proteger contra
abusos e violações. Um direito fundamental, então, é uma maravilha. Ele
exige sempre mais, não pode ser abolido, não pode retroceder e coloca o
sujeito (de direitos) em uma posição elevada. Mas não importa a teoria
dos direitos fundamentais. Ela é só teoria. É só o direito.
A cada interpretação mal-ajambrada do Supremo ficamos mais distantes
do projeto constitucional de 1988. Aquele da Constituição Cidadã, do
Estado Social e Democrático de Direito, da solidariedade e da
pluralidade. Hoje foi o direito a greve, logo depois da prisão em segunda instância,
da violação de domicílio. Tudo indica que virá o fim da educação da
qualidade e universal, da saúde pública integral, da demarcação das
terras, da maioridade penal.
Estamos diante de um atentado à Constituição e quem o pratica é
o seu guardião. Mas a Constituição não é do Supremo, é de todos nós.
Pelo direito à greve, contra a PEC 241, pela vida da Constituição,
resistiremos.
*Eloísa Machado de Almeida é professora e coordenadora da FGV Direito SP. Texto publicado originalmente no Justificando
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-servidor-publico-entre-a-vida-e-a-greve
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