Com o objetivo de congelar gastos públicos e contornar a crise econômica, proposta divide especialistas.
A Câmara dos Deputados passou em primeira votação nesta segunda-feira a proposta de emenda constitucional que cria uma teto para os gastos públicos, a PEC 241, que congela as despesas do Governo Federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos. Com as contas no vermelho, o presidente Michel Temer vê na medida, considerada umas das maiores mudanças fiscais em décadas, uma saída para sinalizar a contenção do rombo nas contas públicas e tentar superar a crise econômica. O mecanismo enfrenta severas críticas da nova oposição, liderada pelo PT, pelo PSOL e pelo PCdoB, mas também vindas de parte dos especialistas, que veem na fórmula um freio no investimento em saúde e educação previstos na Constituição. O texto da emenda, que precisa ser aprovado em uma segunda votação na Câmara e mais duas no Senado, também modifica a regra de reajuste do salário mínimo oficial, que se limitará à variação da inflação. Veja como foi a votação nesta segunda aqui. Entenda o que é a proposta e suas principais consequências.
O presidente Michel Temer. EVARISTO SA AFP
O que é a PEC do teto de gastos?
A PEC, a iniciativa para modificar a Constituição proposta pelo Governo, tem como objetivo declarado frear a trajetória de crescimento dos gastos públicos
e tentar equilibrar as contas públicas. A ideia é fixar por 20 anos um
limite para as despesas: será o gasto realizado no ano anterior
corrigido pela inflação (na prática, em termos reais - na comparação do
que o dinheiro é capaz de comprar em dado momento - fica praticamente
congelado). Se entrar em vigor em 2017, portanto, o Orçamento disponível
para gastos será o mesmo de 2016, acrescido da inflação daquele ano. A
medida irá valer para os três Poderes – Executivo, Legislativo e
Judiciário. Pela proposta atual, os limites em saúde e educação só
começarão a valer em 2018.
Por que o Governo diz que ela é necessária?
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, diz que
"não há possibilidade de prosseguir economicamente no Brasil gastando
muito mais do que a sociedade pode pagar. Este não é um plano meramente
fiscal." Para a equipe econômica, mesmo sem atacar frontalmente outros
problemas crônicos das contas, como a Previdência, o mecanismo vai
ajudar "a recuperar a confiança do mercado, a gerar emprego
e renda". Representantes do Governo dizem que a regra é a maneira de
conter os gastos públicos, que estão crescendo ano a ano, sem serem
acompanhados pela arrecadação de impostos. Para uma parte dos
especialistas, pela primeira vez o Governo está atacando os gastos, e
não apenas pensando em aumentar as receitas. O Governo Temer não cogita,
no momento, lançar mão de outras estratégias, como aumento de impostos
ou mesmo uma reforma tributária, para ajudar a sanar o problema do
aumento de gastos no tempo.
O que dizem os críticos da PEC?
Do ponto de vista de atacar o problema do aumento
anual dos gastos públicos, uma das principais críticas é que uma conta
importante ficou de fora do pacote de congelamento: os gastos com a Previdência. É um segmento que abocanha mais de 40% dos gastos públicos
obrigatórios. Logo, a PEC colocaria freios em pouco mais de 50% do
Orçamento, enquanto que o restante ficaria fora dos limites impostos. A
Fazenda afirmou que a questão da Previdência será tratada de forma
separada mais à frente. "Se não aprovar mudanças na Previdência, um
gasto que cresce acima da inflação todos os anos, vai ter de cortar de
outras áreas, como saúde e educação", diz Márcio Holland, ex-secretário
de política econômica da Fazenda. "Nesse sentido, a PEC deixa para a
sociedade, por meio do Congresso, escolher com o que quer gastar",
complementa. Há vários especialistas que dizem que, na prática, o texto
determina uma diminuição de investimento em áreas como saúde e educação,
para as quais há regras constitucionais. Os críticos argumentam que, na
melhor das hipóteses, o teto cria um horizonte de tempo grande demais,
ainda mais para um Governo que chegou ao poder sem ratificação de seu
programa nas urnas. Eles dizem ainda que, mesmo que a economia volte a
crescer, o Estado brasileiro já vai ter decidido congelar a aplicação de
recursos em setores considerados críticos e que já não atendem a
população como deveriam e muito menos no nível dos países desenvolvidos.
O investimento em educação pública é considerado um dos motores para
diminuir a desigualdade brasileira.
Quando a PEC começa a valer?
Se aprovada na Câmara e no Senado, começa a valer à
partir de 2017. No caso das áreas de saúde e educação, as mudanças só
passariam a valer após 2018, quanto Temer não será mais o presidente.
Qual o impacto da PEC no salário mínimo?
A proposta também inclui congelamento do valor do
salário mínimo, que seria reajustado apenas segundo a inflação. A regra
atual para o cálculo deste valor soma a inflação à variação (percentual
de crescimento real) do PIB de dois anos antes. Em outras palavras, a nova regra veta a possibilidade de aumento real (acima da inflação),
um fator que ajudou a reduzir o nível de desigualdade dos últimos anos.
Além de ser o piso dos rendimentos de um trabalho formal regular no
Brasil, o salário mínimo também está vinculado ao pagamento de
aposentadorias e benefícios como os, por lei, destinados a deficientes
físicos.
O que acontece se a PEC for aprovada e o teto de gastos não for cumprido?
Algumas das sanções previstas no texto da PEC para o
não cumprimento dos limites inclui o veto à realização de concursos
públicos, à criação de novos cargos e à contratação de pessoal. Em
outras palavras, pretende ser uma trava muito mais ampla que a Lei de
Responsabilidade Fiscal, por exemplo, que cria um teto de gastos com
pessoal (vários Estados e outros entes a burlam atualmente).
A PEC do teto vale para os Estados também?
A PEC se aplicará apenas aos gastos do Governo
Federal. No entanto, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula
Vescovi, já sinalizou que o Planalto deve encaminhar em breve uma
segunda PEC que limita os gastos estaduais. Por enquanto não há consenso
entre o Executivo Federal e os governadores sobre o assunto.
Quais impactos a PEC pode ter nas áreas de educação e saúde?
Os críticos afirmam que a PEC irá colocar limites em gastos que
historicamente crescem todos os anos em um ritmo acima da inflação, como
educação e saúde. Além disso, gastos com programas sociais também podem
ser afetados pelo congelamento. Segundo especialistas e entidades
setoriais, esta medida prejudicaria o alcance e a qualidade dos serviços
públicos oferecidos. Especialistas apontam problemas para cumprir
mecanismos já em vigor, como os investimentos do Plano Nacional de
Educação. Aprovado em 2014, o PNE tem metas de universalização da
educação e cria um plano de carreira para professores da rede pública,
uma das categorias mais mal pagas do país. "A população brasileira está
envelhecendo. Deixar de investir na educação nos patamares necessários,
como identificados no PNE, nos vinte anos de vigência da emenda proposta
– tempo de dois PNEs -, é condenar as gerações que serão a população
economicamente ativa daqui vinte anos, a terem uma baixa qualificação",
disse o consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Paulo Sena, ao site Anped, que reúne especialistas em educação.
Já o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que mais importante do que o valor despendido com áreas como saúde, educação
e segurança, é a qualidade desses gastos. "Dados da educação e da saúde
hoje mostram que a alocação de recursos não é o problema. É preciso
melhorar a qualidade do serviço prestado à população", disse. "Teremos
muito trabalho. O principal deles será o de mostrar que a saúde e
educação não terão cortes, como a oposição tenta fazer a população
acreditar", afirmou a líder do Governo no Congresso, a senadora Rose de
Freitas (PMDB-ES).
A PEC do teto atingirá de maneira igual ricos e pobres?
A população mais pobre, que depende do sistema público de saúde e
educação, tende a ser mais prejudicada com o congelamento dos gastos do
Governo do que as classes mais abastadas. A Associação Brasileira de
Saúde Pública, por exemplo, divulgou carta aberta criticando a PEC. No
documento a entidade afirma que a proposta pode sucatear o Sistema Único
de Saúde, utilizado principalmente pela população de baixa renda que
não dispõe de plano de saúde. Além disso, de acordo com o texto da
proposta, o reajuste do salário mínimo só poderá ser feito com base na
inflação - e não pela fórmula antiga que somava a inflação ao percentual
de crescimento do PIB. Isso atingirá diretamente o bolso de quem tem o
seu ganho atrelado ao mínimo.
Por que a Procuradoria Geral da República diz que é inconstitucional?
Em nota técnica divulgada em 7 de outubro o órgão máximo do
Ministério Público Federal afirmou que a PEC é inconstitucional. De
acordo com o documento, "as alterações por ela pretendidas são
flagrantemente inconstitucionais, por ofenderem a independência e a
autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário e por ofenderem a
autonomia do Ministério Público e demais instituições constitucionais do
Sistema de Justiça [...] e, por consequência, o princípio
constitucional da separação dos poderes, o que justifica seu
arquivamento". A crítica vem pela criação de regras de gastos para os
demais Poderes. Na nota, a procuradoria argumenta que, caso aprovada, a
PEC irá prejudicar a “atuação estatal no combate às demandas de que
necessita a sociedade, entre as quais: o combate à corrupção; o combate
ao crime; a atuação na tutela coletiva; e a defesa do interesse
público". A Secretaria de Comunicação Social da Presidência rebateu a
PGR, afirmando que na proposta não existe “qualquer tratamento
discriminatório que possa configurar violação ao princípio da separação
dos poderes".
O que vem depois da PEC, se ela for aprovada tal como está?
A PEC é a prioridade da equipe econômica do Governo Temer, que vai
pressionar por outras reformas nos próximos meses, como a Reforma da
Previdência e Reforma Trabalhista.
Com informações de Ana Carolina Cortez.
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