A convergência de várias políticas garante ao Brasil a medalha de ouro em concentração de renda no mundo.
O meio milésimo mais rico do País apropria-se de 8,5% de toda a renda nacional das famílias
A transferência de renda para os ricos é crescente no País, na contramão da tendência mundial de aumentar os impostos para as faixas mais altas.
Tornou-se também uma instituição sólida, garantida pelas políticas
tributária, fiscal, monetária e cambial, mostrou o seminário sobre o
tema organizado pelo site Plataforma Política Social e o Le Monde Diplomatique Brasil, na segunda-feira 15, em São Paulo.
Segundo o economista Rodrigo Octávio Orair, pesquisador do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do International
Policy Center for Inclusive Growth, da Organização das Nações Unidas,
três condições tornam o Brasil o paraíso dos ricos e super-ricos. A
primeira é a taxa de juros sem paralelo no resto do mundo, garantia de
alta rentabilidade para o capital. A segunda condição é a isenção
tributária de lucros e dividendos, instituída em 1995 no governo FHC. A
terceira são as alíquotas de impostos muito baixas para as aplicações
financeiras, de 15% a 20%, quando os assalariados pagam até 27,5%.
“A concentração de renda no Brasil
não tem rival no mundo”, apontou Orair. Na pesquisa realizada com
Sérgio Wulff Gobetti, também pesquisador do Ipea, utilizou a base de
dados sobre os 20 países mais ricos criada pelo economista francês Thomas Piketti, autor do livro O Capital no Século XXI.
O meio milésimo mais rico do País, composto de 71 mil pessoas, “uma
população que cabe num estádio de futebol”, apropria-se de 8,5% de toda a
renda nacional das famílias. Na Colômbia, a proporção é 5,4% e nas
economias desenvolvidas fica abaixo de 2%.
Há um movimento mundial
para reduzir a desigualdade econômica. De 2008 para cá, 21 dos 34
países da OCDE tomaram medidas de aumento da tributação dos mais ricos.
Os Estados Unidos elevaram as alíquotas máximas do Imposto de Renda
daquela camada e o Chile tomou medida semelhante em 2013, para financiar
a educação. “O Brasil é um dos poucos lugares onde não se toca no tema.
A discussão está bloqueada”, descatou o pesquisador do Ipea.
Os super-ricos
do Brasil têm renda média de 4 milhões de reais, dois terços dos seus
ganhos, compostos de lucros e dividendos, são isentos e um quarto está
aplicado no mercado financeiro com alíquotas, em média, entre 16% e
17%.
O argumento de que não cabe taxar
dividendos porque a empresa já recolhe impostos e haveria uma
bitributação não procede. Segundo Orair, “quase todos os países possuem
esse sistema clássico de tributação, do lucro na empresa e dos
dividendos distribuídos às pessoas físicas”. O único integrante da OCDE
com isenção de dividendos é a Estônia.
O sistema todo é regressivo, mas os mais ricos, isentos de
tributação na maior parte da sua renda, costumam dizer que todos pagam o
pato. “Com isso, canalizam a raiva de quem paga de fato para defender o
seu próprio status quo”, criticou o pesquisador.
Para Grazielle Custódio
David, especialista em orçamento público e assessora do Instituto de
Estudos Socioeconômicos (Inesc), o problema está na receita, mas o
discurso é muito focado na despesa. A partir de 1995, não houve aumento
descontrolado de despesas. A receita, no entanto, caiu 50% entre o
último governo Lula e o primeiro mandato de Dilma.
Prejudicada pelas desonerações, a receita
do governo cai também por causa da sonegação e da elisão fiscal,
realizada com um planejamento tributário “extremamente agressivo e
caro”, só acessível às grandes empresas, na maior parte multinacionais,
destacou Grazielle. O fim da elisão fiscal representaria um potencial de
aumento da arrecadação entre 0,8% e 2% do PIB, no cálculo de Orair.
Os principais tributos sonegados são o
IPI, incidente sobre a indústria, e o Imposto de Renda. Um estudo do
Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional concluiu que 22,3% da
arrecadação é sonegada, o equivalente, em 2015, a 454 bilhões de reais,
ou 7,7% do PIB. Um valor quatro vezes superior ao déficit fiscal da
União em 2015, de 111 bilhões. “O País sofreu no ano passado com um
déficit fiscal apontado como a ruína das contas nacionais, quando havia
um valor quatro vezes maior em tributos sonegados”, sublinhou a
assessora do Inesc.
Os débitos de impostos não pagos no prazo
são inscritos na dívida ativa da União, hoje em “incrível 1 trilhão e
meio de reais, acima da arrecadação total brasileira em 2015, de 1,2
trilhão”. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, somente 1%
da dívida ativa é resgatada a cada ano.
Além disso, há 252 bilhões
que já transitaram em julgado, valor muito maior que o déficit fiscal
do ano passado e o deste ano também. “Não tem mais como recorrer, é só
ir lá e recolher. Com tanto dinheiro a receber pelo governo, fica
claro que a intenção não é fazer um concerto fiscal, mas mudar a
sociedade e a Constituição, destruir as políticas públicas e o princípio
de solidariedade e fraternidade”, concluiu Grazielle.
Segundo o economista Bruno de Conti, da
Unicamp, “a alegação é de que a taxa Selic e a sua elevação servem para
combater a inflação, mas é evidente que se prestam também para garantir a
remuneração dos detentores de títulos públicos”, um mecanismo de
transferência assegurado pela política monetária. “Dizem que o Bolsa
Família e as cotas nas universidades não são meritocráticas. Não há nada
mais antimeritocrático, porém, do que uma política monetária que
garante aos detentores de patrimônio o seu crescimento ao infinito. Isso
é ignorado de forma intencional e estratégica.”
A política cambial é uma das âncoras do
fluxo constante de renda para os ricos. Há uma relação “muito grande”
entre a taxa de juros e o dólar”, diagnosticou Laura Carvalho,
professora de economia da USP. Antes de pensar em reduzir os juros,
disse, é preciso tornar a taxa de câmbio menos suscetível aos fluxos
voláteis internacionais, a começar pela regulação do mercado enorme de
derivativos cambiais.
A transferência de renda e seus
mecanismos quase sempre são camuflados por justificativas técnicas,
supostamente neutras. A primeira ata do Conselho de Política Monetária
do Banco Central sob a presidência de Ilan Goldfajn, sobre a decisão de
manter os juros em 14,25%, põe em xeque, no entanto, a isenção do órgão,
analisa a economista: “Nunca antes na história deste país ficou tão
óbvio o caráter político da decisão do BC”.
A ata anterior, a última do
período de Alexandre Tombini na presidência do BC, registrou que não
era possível baixar a Selic por causa do déficit fiscal muito elevado e
do momento expansionista da economia. “Agora, o Copom não fala mais no
déficit de curto prazo nem na situação fiscal expansionista, apesar do
déficit muito maior anunciado pelo governo, de 170 bilhões de reais para
2016 e de 139 bilhões no próximo ano. Afirma apenas que aguarda a
aprovação das reformas estruturais de longo prazo.” A Emenda
Constitucional 241, que limita o crescimento dos gastos sociais e
investimentos públicos aos valores do ano anterior corrigidos pela
inflação, e a reforma da Previdência “melhorariam a percepção dos
agentes e aí, sim, se pensaria em reduzir os juros”.
Na verdade, o BC não manteve a taxa, pois, “com a inflação
em queda, manter os juros significa elevá-los. E vamos combinar: mesmo
se as reformas forem aprovadas, não garantem a melhora da situação
fiscal, pois têm a ver com aumento de despesas, não com receitas, e não
indicam nada sobre o que vai acontecer com o crescimento. Portanto, de
nenhuma maneira garantem uma estabilidade da dívida pública ao longo do
tempo, que depende de muitas coisas, inclusive da taxa de juros”, chama a
atenção a economista.
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/revista/915/brasil-o-paraiso-dos-ricos
Nenhum comentário:
Postar um comentário