quarta-feira, 2 de março de 2016

ESTE REFRIGERANTE NÃO É SAUDÁVEL. MAS VOCÊ PRECISA DELE PARA SER FELIZ

Após muita pressão da sociedade civil e do poder público, indústrias de refrigerantes e de sucos artificiais vão deixar de fazer publicidade de seus produtos para crianças de até 12 anos.
A decisão foi tomada pela Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas e vai valer sempre que 35% do público do comercial for de crianças, como em atrações voltadas ao público infantil. De acordo com a coluna de Monica Bergamo, na Folha de S. Paulo desta quarta (2), a associação está estudando a interrupção da venda de bebidas com alto teor de açúcar em cantinas de escolas.
Ponto para o Instituto Alana, para o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que acompanham a questão de perto.
Toda vez que se discute a necessidade de regular os comerciais de produtos com altos teores de açúcar, gorduras e sódio voltados para crianças, a indústria e parte dos veículos de comunicação e das agências de publicidade fritam.
Surgem reclamação de que as empresas têm o direito de se expressar ao vender seu produto da mesma forma que os jornalistas o têm ao noticiar algo.
Pergunto-me, então, se isso significa que os comerciais podem começar a dar os “dois lados'' ao vender um produto. Não que reportagens sempre deem os dois lados, mas pelo menos isso está lá nos manuais que os jornalistas leem cada vez menos.
Ter informação é fundamental para poder ter liberdade de escolha. E comprar é um ato político, pois ao adquirir um produto você dá seu voto para a forma através da qual uma mercadoria foi fabricada e mesmo o que ela representa.
Como já disse aqui antes, sou a favor de radicalizar. Para que proibir? Bora fazer anúncios sinceros:
“Este refrigerante contém bastante sódio, o não é muito bom para o coração. E engorda. E favorece as cáries. Mas tem bolhas.”
“Esse carro sobe qualquer montanha com seu novo sistema de tração nas quatro rodas. Tem só um probleminha: uma tampa de bagageiro que pode decepar seu dedo, pois o projeto desse utilitário foi feito às pressas para que a empresa ganhasse mais dinheiro. Mas o recall será grátis.''
“Este novo modelo de celular também é MP3, máquina fotográfica, agenda, acessa a internet, lava, passa e cozinha. Mas a cada mil produzidos, um deles tem uma bateria que vai estourar no seu colo provocando graves queimaduras.''
“Essa bolacha recheada é um fenômeno. Gosto incrível, textura incrível e o recheio, hummmmm, super fofinho. Tão fofinho quanto você vai entupir as artérias se comer um pacote inteirinho toda a vez que lembrar deste anúncio. Ah, e é enriquecida com vitaminas B5 e B12.”
“Fume este cigarro. E não se preocupe: cirurgia para tratar câncer no SUS é gratuita.''
“A calça é para quem tem estilo. Apesar do seu custo de produção ser baixo, por ter sido feita por imigrantes escravizados em São Paulo, jogamos o preço para cima. Dessa forma, você pode ficar tranquilo que não vai ver um pobre pé-rapado usando mesma a calça. Nunca.''
“O combustível é ótimo, faz com que o motor do seu carro dure 30% a mais. Só tem um efeito colateral: ele possui tanto enxofre na fórmula que contribui mais do que qualquer coisa com a poluição das grandes cidades. Mas, putz, é ar! Quem se importa com ar?''
Se for assim, vamos lutar para a liberdade de expressão total e sem restrições nas propagandas! Certamente, com os anunciantes e veículos de comunicação falando a verdade sobre o que oferecem a nós, teremos um país mais consciente na hora de comprar e, portanto, um desenvolvimento mais sustentável.
Sobre o autor
Leonardo Sakamoto

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP e pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York, é diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.


Disponível em:  http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/03/02/este-refrigerante-nao-e-saudavel-mas-voce-precisa-dele-para-ser-feliz/

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