“E como não há nada mais belo que a ideia da igualdade entre os homens que está presente em diversas culturas, religiões e ideologias políticas, a arte está aí pra expressar a beleza dos nossos ideais” diz, Matheus Ribeiro.
Lara Sartorio, do Rio de Janeiro (RJ)
Em meio ao ágil e intenso fluxo de informações que a internet apresenta, a disputa através de imagens torna-se ainda mais essencial... E difícil. Em especial quando não choca com sensacionalismo ou propagandeia um produto. A imagem instantaneamente revela conteúdos e desperta sensações no público. Sensações que, muitas vezes, extrapolam o alcance da linguagem escrita e oral.
O jovem Matheus Ribeiro soube explorar os recursos da arte e despertou a atenção de muitos internautas em um convite à reflexão. Através de sua página, de nome artístico Ribs, o artista de apenas 20 anos socializa críticas políticas e análises psicanalíticas através de imagens, textos e música. O impacto gerado é a inquietação: seja ela através do reconhecimento que a arte proporciona ou da indignação com as injustiças político-sociais.
O talento do Matheus surpreendeu nas redes sociais. Ele próprio não fazia ideia de que a repercussão de sua arte seria tão grande quando um amigo criou a página por acreditar no trabalho dele. Hoje podemos comemorar o compartilhamento de senso crítico, cores, música e poesia expressas em 20 mil “curtidas” da página Ribs no facebook. Matheus Ribeiro é também estudante de Ciência Política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e militante político de esquerda. A seguir, entrevista exclusiva que ele concedeu ao Brasil de Fato.
Brasil de Fato – Quais os pontos positivos e negativos que você enxerga na internet como forma de interlocução, levando em conta os limites e as facilidade que esse meio proporciona?
Matheus Ribeiro – A velocidade com que as informações circulam é o principal ponto positivo da internet. Em minutos as ilustrações ganham milhares de visualizações e diversos compartilhamentos. Isso porque o que as pessoas veem na internet não querem só pra si, elas precisam estar sempre compartilhando informações com seus amigos. Isso é muito positivo, mas por outro lado também é muito limitado. Porque querendo ou não, as redes sociais são projetadas para que as informações circulem de acordo com círculo de interesse dos interesses por elas. Em um grupo de amigos mais politizados, é claro que questões políticas vão aparecer no feed. Já em outro grupo de amigos não tão politizados as informações tendem a ser outras. Isso é natural em qualquer rede social. Então, a facilidade é a velocidade da informação e a limitação é até onde vai a informação. Por isso precisamos cada vez mais de artistas de rua estampando os muros das cidades, porque é na rua que a visualização é realmente democratizada. É na rua que passam estudantes e trabalhadores todos dias, que precisam ser interpelados por esse tipo de arte.
Você faz um diálogo complexo e muito interessante entre diferentes linguagens artísticas e disciplinas. Percebemos a articulação de desenhos, textos, poesias e música, mobilizando política, literatura e psicanálise em torno de uma proposta conscientizadora. Como foi que você surgiu com essa ideia um tanto quanto inovadora e percebeu na internet o melhor meio de divulgá-la?
A construção do ‘Ribs’ acabou sendo um processo bem espontâneo pra mim. Até essa interlocução com diferentes linguagens artísticas não foi algo esboçado com o objetivo de criar uma ideia inovadora ou algo do tipo. Foi uma relação natural minha com as minhas próprias inclinações e orientações artísticas. Eu tenho conversado com muitos artistas incríveis que possuem uma pluralidade gigantesca de habilidades, mas que acabaram tendo que abandonar outras formas de arte e se dedicar a uma única forma. Seja por questões financeiras ou até pela facilidade de construir algo mais sólido exercendo uma única função. Eu penso que isso pode ser um reflexo da divisão de trabalho e da lógica utilitarista do Capital na nossa própria maneira de lidar com a arte.Acho que é importante que se entenda que a produção artística nem sempre vai gerar valor e que é preciso deixar de ver a arte sob essa ótica simplista, que aliena a capacidade humana de criar e dialogar com diferentes linguagens. Quando eu entendi isso, perdi o medo de me tornar um artista descaracterizado por causa da diversidade de conteúdos na página. Muito pelo contrário, ela vem dando muito certo, vem construindo uma identidade artística/militantee a internet cumprindo seu papel de democratizar a informação se tornou pra mim, uma excelente ferramenta de divulgação.
Muitas vezes você menciona na sua página o caráter militante da sua arte. O que você entende por “militância”? Qual o papel transformador que você enxerga na arte hoje e em que medida seu trabalho reflete sua prática em relação à política?
Eu penso que não se deve separar arte de política ou definir categorias do tipo ‘arte política’ e ‘arte não política’. Quando eu falo que minha arte tem um caráter militante, é porque minha compreensão de militância passa pela transformação de uma vontade política em ação política. Se eu puder definir militância em uma única palavra eu diria ‘prática’, porque a nossa prática é uma potência, gerada das nossas inquietações e da nossa vontade de dizer ‘não!” “Não concordo com isso, não aceito isso, não vou acatar a desigualdade ou a violência desse Estado!” E para mim, a arte cumpre esse papel militante, ainda que algumas vezes de forma tímida e esteticamente bonita. Porque penso que toda arte conta a história da resistência de povo. Sejam os cordéis que falam de desemprego, de fome, da miséria do povo nordestino e da sua simpatia pelas lutas do MST, seja pelos grafiteiros de rua que resistem o cinza das grandes cidades ou seja pelos poemas de intelectuais como Drummond, Pablo Neruda e Bertold Brecht. Eu penso que tudo isso passa pela essência da própria arte, que é uma busca incessante pela beleza estética. E como não há nada mais belo que a ideia da igualdade entre os homens que está presente em diversas culturas, religiões e ideologias políticas, a arte está aí pra expressar a beleza dos nossos ideais.Infelizmente isso vem se perdendo muito na militância política no Brasil, que se torna cada vez mais burocratizada e cada vez menos lúdica na resistência.
É possível notar em sua arte uma exposição inquietante das contradições da nossa sociedade e também das contradições da forma com que respondemos à realidade. Para além da abordagem usual da crítica política externa a nós, portanto, você também tenta buscar um processo de autocrítica no leitor? Você considera essa uma outra forma de compreender a política e atuar diante dela?
Sim, o que eu espero é exatamente despertar o início dessa autocrítica no interlocutor. Porque eu entendo que não é sempre que os discursos, os textos e as notícias conseguem capturar uma compreensão do sujeito diante dos momentos políticos. Com esse fluxo de informações que recebemos todos os dias, diante de um cinismo social que torna cada vez mais comuns certas notícias que na verdade deveriam ser chocantes para sociedade, a arte cumpre esse papel de choque de realidade e quebra da indiferença. Por isso, eu considero sim que essa seja uma formar de compreender a política e atuar diante dela, pois penso que a arte é capaz de exercitar as concepções políticas dos indivíduos em todos os momentos de transformação política da sociedade. É claro que há outros mil fatores de mobilização política e que a arte por si só nunca será capaz de transformar uma sociedade, mas ela cumpre um papel essencial de gerar debates e visibilidade. Um grande exemplo disso é um artista que eu admiro muito, o Vladimir Mayakovsky ‘’poeta da revolução’’, que atuou durante a Revolução Russa se dedicando a poesia, a desenhos e legendas para cartazes de propaganda revolucionária. Ele não atuava como veículo pra doutrinação das massas como esperavam os burocratas do partido, mas sim defendendo uma concepção contestatória, provocativa e sensibilizadora da arte.
Sua arte está sempre refletindo temas polêmicos da atualidade política, tais como a questão da Palestina, a violência contra as mulheres, a resistência do movimento negro e LGBT+. Essa abordagem tem alguma dimensão coletiva, ou é resultado de suas próprias impressões? Você é membro de alguma organização política?
Atualmente eu me organizo politicamente em um coletivo de esquerda e componho o movimento estudantil através do Diretório Central dos Estudantes na UNIRIO. As minhas abordagens tendem a se relacionar, ou com o momento político – como os ataques do Estado sionista de Israel a Palestina que vimos nos últimos meses – ou cenas que eu vejo acontecer no meu dia a dia, que vão desde situações que ocorrem no transporte público às situações da mesa de bar. E aí, toda vez que presencio tratamentos machistas, homofóbicos ou racistas, eu tenho cada vez mais certeza de que eu preciso continuar utilizando arte pra resistir ou como eu gosto de dizer “vandalizar” visualmente.
Muitos de seus textos e imagens referem-se aos sentimentos, inquietações e descobertas do universo de nós mesmos. Você considera que esse tipo de arte está em uma categoria distinta das artes de cunho explicitamente político ou elas fazem parte de uma mesma proposta?
Eu não diria uma categoria distinta, mas complementar a todo ator político. Se dedicar a militância é uma tarefa bastante árdua, já que todos os dias estamos nadando contra uma corrente muito forte. Por isso todo militante deve entender que nós não somos máquinas de fazer revoluções ou transformações políticas. Nós somos acima de tudo sujeitos que se relacionam, que se frustram, que amam e que constrói experiências através da coletividade. É importante que não burocratizemos os nossos sentimentos e como disse o próprio Che “Há que endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura.”Devemos sempre estar no caminho do autoconhecimento, precisamos olhar pra nós em busca do novo homem, para desconstruir todos os dias resquícios da ideologia dominante. Por isso esse tipo arte também é importante, porque ao contrário do que a maioria acha, eu penso que amadurecer não é um processo de se insensibilizar, amadurecer é uma busca pela compreensão dos nossos sentimentos e de uma melhor forma de lidar com eles.
Você diz que a arte é uma forma de resistência. Quais outros instrumentos de luta você percebe como necessários para a nossa realidade e a que essa luta estaria se opondo?
Acho que toda forma de arte, mídia e comunicação deve ser um instrumento de luta pelo fim do monopólio da mídia brasileira. E essa resistência se opõe as contradições da nossa sociedade, se opõe as desigualdades, a todos os privilégios que comem direitos, a toda forma de monopólio e dominação social. Por isso, nós precisamos de cada vez mais mídias alternativas ganhando espaço, é preciso dar ao trabalhador opções de não assistir um jornal que criminaliza sua luta, é preciso criar opções de não assistir um seriado que reforça esteriótipos históricos ou ler matérias que defendem o interesse de grandes empresários. As mulheres, os negros e os LGBTs precisam contar a sua própria história e não serem mais protagonizados de forma leviana. É preciso falar de genocídio negro no Brasil, é preciso falar da causa indígena, da causa ambiental, precisamos debater esse modelo arcaico de polícia que o Brasil ainda tem, precisamos debater o fracasso e o abuso das Unidades de Polícia Pacificadora... Enfim, são tantas coisas que as pessoas precisam saber, que por isso eu vejo na comunicação um instrumento de luta importantíssimo pra esquerda.
Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/30717
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