Apesar de alta do PIB, pobreza extrema avançou 11,2%. Economistas
apontam expansão modesta da economia e situação fiscal como raízes do
problema.
Ante o ingresso de 1,49 milhão de pessoas na extrema pobreza,
especialistas buscam compreender não apenas o que levou a essa situação
Por João Soares
O
número de brasileiros em situação de extrema pobreza aumentou 11,2% de
2016 para o ano passado, aponta um levantamento realizado a partir da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) do IBGE,
divulgado na última semana.
De
acordo com o estudo, ao todo, 14,83 milhões de pessoas viviam com até
136 reais mensais em 2017, linha de corte adotada pelo Banco Mundial
para países de desenvolvimento médio-alto e seguida pelos pesquisadores.
Tais dados contrastam com os indicadores macroeconômicos. Após dois anos de retração, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 1% em 2017,
enquanto a inflação oficial fechou o ano em 2,95%, a menor taxa desde
1998. O que explicaria, então, a piora na renda de brasileiros que já
vivem com pouco?
De acordo com economistas de diferentes correntes, a análise do tema passa, necessariamente, pela taxa de desemprego. No ano passado, a desocupação média ficou em 12,7%, a maior taxa registrada desde 2012.
Bruno
Ottoni, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) e do IDados, recorre à evolução
demográfica da população brasileira para detalhar a trajetória negativa
tanto da renda quanto do desemprego, apesar do crescimento econômico.
"O
Brasil ainda passa por um bônus demográfico. Ou seja, há um número
expressivo de pessoas entrando na força de trabalho anualmente. Para que
se consiga absorver bem a entrada delas no mercado de trabalho, sem
aumento do desemprego, é necessário um crescimento bem expressivo do
PIB. Não foi o caso", diz.
"Não
necessariamente o aumento do PIB implica redução de pobreza. Você pode
ter um aumento do PIB puxado pelas classes mais ricas, mantendo as
classes mais pobres no mesmo patamar", comenta o pesquisador.
Marcio Pochmann,
professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que é
necessário analisar o que alavancou o crescimento do PIB entre 2016 e
2017 para que se entenda o aumento da pobreza extrema no Brasil.
"Essa
evolução resultou de uma expansão de 13% da agropecuária, um setor com
pouco impacto no emprego e renda. A indústria não cresceu, e os serviços
variaram 0,3%. Comparativamente, tivemos uma redução do crédito nesse
período, que é fundamental para qualquer recuperação econômica e
expansão", aponta. "O que expandiu foi o consumo das famílias, por conta
de medidas heterodoxas tomadas pelo governo (liberação do FGTS), apesar de sua orientação ortodoxa."
"Uma coisa é renda, outra é despesa"
Com
relação à taxa de inflação, Ottoni aponta que sua redução não tem como
consequência natural um aumento de renda, mas a melhoria do poder de
compra da população, independentemente de sua condição econômica.
"Uma
coisa é renda, outra é despesa. O aumento da pobreza reflete uma queda
do primeiro fator. A inflação baixa significa que, apesar de terem
ficado extremamente pobres, essas pessoas não tiveram tanta perda do
poder de compra com aquele dinheiro que ganhavam", explica. "A inflação
baixa não vai colocar ou tirar a pessoa da extrema pobreza, mas pode
ajudar na vida que essa pessoa leva, evitando que perca tanto na
capacidade de consumo."
Pochmann
endossa o argumento do pesquisador do FGV IBRE e diz que a inflação
baixa pode sinalizar uma fraqueza da economia. "Como não há reativação
do consumo e da atividade, a tendência é haver taxas de lucros menores
e, portanto, os empresários não repassam o aumento de custos para os
preços", afirma.
Ao
mesmo tempo, a alimentação tem apresentado uma trajetória de queda,
relacionada à melhora da agricultura brasileira. Especialmente
relevantes no orçamento das famílias de menor renda, os alimentos
ficaram 4,85% mais baratos em 2017, na comparação com o ano anterior.
Artigos importantes na cesta básica dos brasileiros caíram de preço,
como arroz (-10,9%), feijão preto (-36,1%), macarrão (-2,91%) e mandioca
(-17,30%).
Desempenho econômico x benefícios sociais
Ante
o ingresso de 1,49 milhão de pessoas na extrema pobreza, os
especialistas buscam compreender não apenas o que levou a essa situação,
mas também os caminhos para sair dela. Ottoni acredita que o mau
desempenho econômico tenha impacto maior do que cortes de programas
sociais feitos pelo governo.
"Eu
atribuiria [o aumento do número de pessoas em extrema pobreza] à crise,
pois foi ela que gerou um problema fiscal. Não é só uma questão de o
governo estar cortando benefícios sociais em virtude de uma visão
política diferente. Está muito relacionado ao problema fiscal, que está
ligado a problemas mais estruturais. Aí, está a raiz da questão",
afirma.
"Com
a atividade econômica piorando, cresce o desemprego, o que afeta tanto a
economia como a situação fiscal do governo, pois reduz a arrecadação",
argumenta.
Pochmann
defende uma mudança na orientação econômica adotada pelo governo,
afirmando que a recuperação econômica é a base para pensar melhor a
direção de políticas sociais.
"A gente teve uma expansão das ocupações no ano passado. A literatura especializada classifica esse grupo de working poor. São ocupações precárias, informais.
Muitas vezes, no rastro da reforma trabalhistas feita no Brasil. A
chave para interromper essa trajetória é mudar o modelo econômico",
considera.
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/economia/o-que-explica-o-aumento-da-pobreza-extrema-no-brasil
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