As minorias sexuais são reduzidas ao 'outro', não 'um de nós', e depois a 'algo'.
Krzysztof Charamsa e seu companheiro na ocasião em que assumiu publicamente sua homossexualidade. (AFP)
Por Robert Shine
Em uma nova entrevista, um ex-funcionário do Vaticano falou sobre o
funcionamento dos escritórios da igreja em Roma e a postura alarmista
que as autoridades eclesiais tomaram contra questões de gênero e de
sexualidade. Alguns pontos chave da extensa entrevista com Krzysztof Charamsa merecem destaque.
Por muitos anos, Krzysztof Charamsa foi um sacerdote envolvido no
funcionamento interno do Vaticano. Ele trabalhou muito tempo na
Congregação para a Doutrina da Fé como segundo secretário da Comissão
Teológica Internacional, assim como também como professor na
Universidade Gregoriana de Roma. Mas, em 2015, assumiu-se
publicamente gay junto ao seu parceiro, antes do Sínodo sobre a Família.
Ele foi imediatamente removido dos seus cargos no Vaticano e afastado
do ministério sacerdotal.
Charamsa compartilhou dados e informações sobre seu tempo no Vaticano ao jornal online Religion and Gender.
Ele falou sobre as ideias das autoridades da igreja sobre a "ideologia
de gênero", sua falta de conhecimento do contexto contemporâneo, o papel
do Papa Francisco, a sua opinião sobre o que os católicos LGBT deveriam
estar fazendo atualmente e muito mais.
Pânico geral da “Ideologia de gênero”
Após as conferências das Nações Unidas sobre gênero na década de
1990, o Vaticano respondeu "com pânico e desordem", disse Charamsa. Uma
vez que o pânico apaga a conversa, a postura do Vaticano torna-se
defensiva, olhando para a chamada "ideologia de gênero" como um inimigo
(o que, segundo Charamsa, é uma construção própria de um inimigo por
parte da Igreja, porque um inimigo é necessário quando a Igreja é
"incapaz de formar a sua própria identidade"). Ele explicou:
"As minorias sexuais são reduzidas ao 'outro', não 'um de nós', e
depois a 'algo'. Nesta visão estereotipada, as minorias sexuais, como
gays, lésbicas, pessoas transgênero, pessoas intersexuais são reduzidas à
categoria masculina de 'gays', apenas gays. A Igreja não consegue ver
pessoas, comunidades ou movimentos reais. Identifica algo sem
conhecimento real disso, sem consciência da identidade humana e sexual e
nem da vida dessas pessoas, que devem permanecer invisíveis. Eles são
vistas como um objeto sobre o qual o ódio e o medo podem ser projetados e
até podem ser destruídos".
Este "jogo de pânico" acontece com funcionários do Vaticano que não
estão claros sobre o que fazer e, portanto, há "ataques em todas as
ocasiões", usam os mesmos "slogans propagandísticos e apocalípticos" de
sempre. Esse pânico aparece mesmo nas declarações e escritos do Papa
Francisco, nas quais as mãos dos funcionários do Vaticano pesam bastante
em sua preparação.
Vinte anos se recusando ao conhecimento
O pânico do Vaticano levou a mais de duas décadas de funcionários da
igreja a se recusarem a se envolverem em estudos modernos de gênero e de
sexualidade. Charamsa descreveu esta situação de "negação irracional"
por parte dos funcionários do Vaticano da seguinte maneira:
“O nível [do engajamento] no Vaticano é pobre, fechado e
fundamentalista. Há muita pouca força intelectual para dialogar, para
refletir. Não há, quero insistir, nenhuma reflexão séria sobre estudos
de gênero, feminismo ou movimentos sociais de minorias sexuais no
Vaticano. Não há reflexão teológica, filosófica ou sociológica na
Igreja, e isso é dramático...”.
"Os consultores [da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF)] são
teólogos - e não os melhores teólogos - que de nenhuma forma são
especialistas em estudos de gênero. Eles agem com muita confusão e
ignorância, com um uso persistente de termos como: "eles": não sabemos
quem eles são, mas esse é o conceito de "inimigo público", que deve ser
instalado na mentalidade católica".
Estudos de gênero e temas de sexualidade em outros lugares são
suspeitos na Igreja. Para a CDF são "efetivamente proibidos" fora dos
institutos oficialmente sancionados, que são "mais propagandísticos do
que rigorosos nas pesquisas disciplinares". O que vem desses institutos e
do trabalho teológico do Vaticano é uma abordagem equivocada da
homossexualidade como costumava sustentar o ensino da Igreja.
Por muitos anos, Krzysztof Charamsa foi um sacerdote envolvido no
funcionamento interno do Vaticano.
A política da linguagem sobre a homossexualidade
Charamsa explicou que a primeira tática contra a homossexualidade é
simplesmente o silêncio, porque se não é falado, não pode existir, e
mesmo que exista, é invisível.
Mas quando a homossexualidade deve ser falada pelos oficiais da
igreja, o pânico e a falta de compreensão nestas duas décadas
transformaram as situações concretas das pessoas reais em abstrações
separadas da realidade. Charamsa descreveu essa dinâmica como "o pecado
social desta época na minha Igreja":
"Com uma linguagem falsa e preconceitos falsos destruímos a
realidade, nós escondemos isso... A humanidade agora também sabe que a
orientação sexual - ou como a Igreja falsamente diz: "tendência sexual" -
é igualmente essencial para a compreensão da natureza humana. Diante
dessa descoberta moderna, com nossa falsa terminologia eclesial,
procuramos esconder essa realidade, eliminá-la e dominá-la".
Os líderes da Igreja usam a linguagem das "tendências" e "atrações",
em vez da linguagem científica da orientação sexual acordada no discurso
contemporâneo. Eles eliminam a orientação sem explicar o porquê, de
acordo com Charamsa, que continuou:
"A resposta é: porque querem manter a falsa visão e antiga da
homossexualidade, porque apenas essa visão errônea pode justificar a
doutrina real da homossexualidade. Se a homossexualidade é uma
patologia, os atos homossexuais podem ser considerados pecaminosos, mas
se é uma orientação sexual saudável, toda a visão católica da
homossexualidade deve mudar... Temos todos esses problemas na Igreja,
porque as autoridades eclesiais não são capazes de refletir e viver
nossa orientação sexual humana a um nível pessoal e comunitário".
A maneira como os funcionários do Vaticano e até mesmo os Papas João
Paulo II e Francisco usam essa falsa linguagem em torno da
homossexualidade criam, afirmou Charamsa , "uma prisão e uma hipocrisia"
não só frente às pessoas LGBT, mas também perante a Igreja.
Atacar pessoas LGBT para preservar o poder
O objetivo final dos documentos do Vaticano é o silenciamento, é o
que Charamsa denomina o "extermínio psicológico" das pessoas lésbicas e
gays dos espaços sociais, inclusive através de leis de criminalização.
Embora a defesa de cristãos em diversas partes do mundo onde eles sejam
genuinamente ameaçados é importante, o uso da liberdade religiosa nos
últimos anos tem sido discriminar as pessoas LGBT. Diz Charamsa:
“Mas meus amigos homossexuais também são mártires, de outra forma. E
não falo sobre lésbicas, sobre trans, que sofrem muito mais. São
mártires da ideologia cristã defendida pela Igreja... Para mim, toda a
propaganda e as construções não racionais, que apoiam a
heteronormatividade da Igreja, são uma expressão de ódio contra o objeto
perseguido...”.
"A forma de ser feminina e o ‘respeito’ oficial pelos gays é, de
fato, a maior expressão de desapontamento, de inferioridade e de ódio.
Então você continua ouvindo: 'Olha. Gays são pessoas doentes que não
podem, que não são capazes de amar outra pessoa. Não estamos contra
eles. Mas eles são pessoas naturalmente desordenadas e não podem ter uma
relação sexual... E não somos contra o casamento de homens gays. Eles
podem se casar, mas com mulheres'. A mentalidade da Igreja não tem
consciência de que essas frases são desumanas: isso não é respeito, isso
é humilhação. Essas frases não só ignoram a realidade, mas também estão
em contra da dignidade humana".
De onde vem esse desejo de perseguição? Charamsa respondeu que "não é
um problema intelectual, é um problema de governo". A preservação do
"poder masculino e patriarcal" frente ao perigo que representam as
pessoas LGBT e as mulheres cisgenêro é ameaçador.
No mês passado, Charamsa foi convidado para uma palestra na conferência
da DignityUSA em Boston. Embora a imagem que ele pinta é sombria,
Charamsa continua esperançoso de que os católicos LGBT possam
reivindicar sua dignidade e até mesmo que alguns dos teólogos da igreja
hoje possam ser resgatados.
New Ways Ministry Bondings 2.0 - Tradução: Ramón Lara
Disponível em: http://domtotal.com/noticia/1182790/2017/08/vaticano-entra-em-panico-quando-se-trata-de-questoes-lgbt-diz-ex-sacerdote-da-igreja/
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