Publicado no Diário Oficial da última quinta-feira sem alarde, o decreto
que determina a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados
(Renca), na Amazônia, surpreendeu muita gente e ganhou manchetes
alarmadas no Brasil e nos principais jornais do mundo.
Publicado no Diário Oficial da
última quinta-feira sem alarde, o decreto que determina a extinção da
Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na Amazônia, surpreendeu
muita gente e ganhou manchetes alarmadas no Brasil e nos principais
jornais do mundo.
Não foi o que ocorreu com investidores e
empresas de mineração canadenses. Em março, cinco meses antes do anúncio
oficial do governo, o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho
Filho, anunciou a empresários do país que a área de preservação
amazônica seria extinta, e que sua exploração seria leiloada entre
empresas privadas.
O fim da Renca foi apresentado pelo governo
Temer durante um evento aberto em Toronto, o Prospectors and Developers
Association of Canada (PDAC), junto a um pacote de medidas de
reformulação do setor mineral brasileiro, que inclui a criação de
Agência Nacional de Mineração e outras iniciativas para estimular o
setor.
Pouco depois do encontro, em abril, o ministério de Minas e
Energia publicou no Diário Oficial uma portaria – que passou
despercebida pelo público em geral – pavimentando o caminho para o
decreto que seria assinado alguns meses depois e dispondo sobre títulos
minerários dentro da Renca.
Conexão canadense
Segundo
a pasta, esta foi a primeira vez em 15 anos em que um ministro de
Minas e Energia brasileiro participava do evento, descrito pelo governo
brasileiro como uma oportunidade para "abordar o aprimoramento na
legislação brasileira e também demonstrar os planos do governo para
incentivar o investimento estrangeiro no setor". De outro lado,
movimentos sociais, ambientalistas e centros de pesquisa dizem que não
haviam sido informados sobre a extinção da Renca até o anúncio da última
quinta-feira.
O
Canadá é um importante explorador de recursos minerais no Brasil e vem
ampliando este interesse desde o início do ano. Hoje, aproximadamente 30
empresas do país já exploram minérios em território brasileiro -
especialmente o ouro, que teria atraído garimpeiros à área da Renca nos
últimos anos.
Em junho, dois meses antes da extinção oficial da
reserva amazônica, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá anunciou uma nova
Comissão de Mineração, específica para negócios no Brasil, que reúne
representantes destas 30 empresas.
À BBC Brasil, o coordenador da comissão canadense
defendeu a abertura da área amazônica para pesquisas minerais, disse que
a "mineração protege a natureza" e afirmou que "não há uma corrida"
para explorar a região da Renca, mas que "acha muito saudável" a
disponibilização da região para exploração mineral.
O Ministério
de Minas e Energia prometeu responder aos questionamentos enviados pela
BBC Brasil durante toda a sexta-feira. No final do dia, entretanto,
informou que não daria retorno devido a uma entrevista coletiva de
emergência convocada pelo ministro Fernando Coelho Filho.
Na
entrevista, o ministro afirmou que a extinção da área de reserva
amazônica, com área um pouco maior que a da Dinamarca, não terá impactos
ambientais. Segundo Coelho Filho, o início das atividades de exploração
na região ainda deve demorar 10 anos.
'Ninguém pode julgar o Canadá'
Coordenador
da recém-criada Comissão de Mineração da Câmara de Comércio canadense, o
empresário Paulo Misk participou dos seminários realizados em março no
Canadá e não vê problemas na divulgação antecipada do fim da reserva.
"A gente tem que fazer um trabalho de divulgação, promoção e atração de investimento de mais médio ou longo prazo", diz.
"Não
temos pronto nenhum projeto para ser instalado lá", continua o
representante canadense. "Por enquanto estamos no campo das
perspectivas, promessas e iniciando o processo. Não é tão rápida a
resposta."
Misk afirma que o Canadá é o país que mais investe em
pesquisa no mundo e que "os ambientalistas deveriam repensar a nossa
posição: a mineração é extremamente benéfica".
Sobre a Renca, ele afirma que a liberação permitirá que "uma grande área seja preservada".
"Se
tiver oportunidade de ter uma mineração bem constituída e legalizada
(na região da Renca), olha, eu vou ficar muito feliz porque vai ser para
o bem do Brasil e para o bem da sociedade brasileira, especialmente no
Pará e no Amapá", diz.
Misk também afirma que a ocupação da região por
empresas de mineração deve inibir a presença de garimpeiros, cuja
atuação irregular na região já resulta em contaminação de rios por
mercúrio.
Presidente da Associação Brasileira de Empresas de
Pesquisa Mineral (ABPM), o geólogo Luiz Azevedo também esteve em Toronto
e concorda.
"Dizer que o governo está abrindo para o desmatamento é ridículo, é coisa de quem não conhece o assunto", diz.
"Eu
não me atrevo a falar sobre música. Fico impressionado como os artistas
agora se atrevem a falar sobre mineração e sobre unidades de
conservação", diz, citando a modelo Gisele Bündchen, que criticou o
anúncio em suas redes sociais.
Sobre
o anúncio antecipado da extinção da área de preservação na Amazônia,
Azevedo diz que o ministro divulgou que "uma área muito grande que seria
liberada para pesquisa mineral".
"Foi dito pelo ministro como
parte de um pacote de medidas visando mostrar ao investidor que a ideia
da Dilma de estatizante tinha acabado."
"O que eles querem são
novas áreas para se pesquisar e novas possibilidades. Ninguém pode
julgar o Canadá. Eles têm uma mentalidade mais cosmopolita, 70% da
população é de imigrantes, então eles pensam nos outros. É um interesse
legitimo", avalia.
'Soubemos pela imprensa'
Professor
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o geógrafo Luiz
Jardim pesquisa a relação entre empresas de mineração canadenses e o
governo brasileiro.
Ele explica que o evento de março em Toronto,
quando o fim da Renca foi anunciado pelo ministro, era formado
essencialmente por empresas menores especializadas em pesquisa mineral e
investimentos de risco.
"Há um padrão nessas empresas, chamadas
'juniors'. Elas vêm, fazem as pesquisas e, ao longo desse tempo,
publicam resultados em relatórios na bolsa de valores em Toronto,
indicando o que eles encontraram. Esses relatórios fazem elas ganharem
valor de mercado. Achando uma jazida significativa, a empresa pede uma
licença ambiental e ganha ainda mais valor. Com a licença em mãos, elas
anunciam na Bolsa novamente que estão perto do inicio do projeto. Num
período de baixa no mercado, como agora, elas costumam vender a
operação ou a mina para uma empresa maior interessada e assim fazem seus
investidores lucrarem", explica.
Jardim descorda da tese de que grandes mineradoras podem inibir o garimpo ilegal na região.
"A
experiência no rio Tapajós, no Pará, mostra o contrário. O garimpeiro
esta interessado em minas superficiais, a mineradora chega a veios mais
profundos. Eles coexistem e a exploração formal pode até incentivar a
vinda de mais garimpeiros."
Segundo o engenheiro Bruno Milanez, professor da
Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do Comitê Nacional em
Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que reúne 110 ONGs,
sindicatos e movimentos sociais, não houve qualquer comunicado sobre a
Renca para pesquisadores da área ou comunidades – diferente do que
ocorreu com os empresários.
"Tudo o que acompanhamos foi pela imprensa", diz.
Sobre
esta aproximação entre governo e empresários, Milanez afirma que o
movimento é "parte de um processo histórico, que vem se aprofundando" no
governo Temer.
"Isso é reflexo de uma ocupação maior de pessoas
do setor corporativo no governo. Hoje, o primeiro escalão da mineração
no governo é formado por pessoas que ocuparam cargos de diretorias em
empresas", diz.
"Mas eles estão no governo temporariamente por
cargos de confiança, e quando saírem vão voltar a assumir posições em
empresas. Eles têm um lado nessa história."
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41033211?ocid=socialflow_facebook
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