Líderes das principais confederações de bispos do Brasil e de outros
oito países amazônicos classificam a decisão do governo brasileiro de
extinguir a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca),
anunciada em decreto na semana passada, como "antidemocrática" e "uma
ameaça política para o Brasil inteiro".
Líderes das principais confederações
de bispos do Brasil e de outros oito países amazônicos classificam a
decisão do governo brasileiro de extinguir a Reserva Nacional de Cobre e
seus Associados (Renca), anunciada em decreto na semana passada, como
"antidemocrática" e "uma ameaça política para o Brasil inteiro".
Em
nota de repúdio que será divulgada nesta segunda-feira, a Igreja
Católica diz que a extinção da Renca "cede aos grandes empresários da
mineração" e não incluiu "nenhuma consulta aos povos indígenas e
comunidades tradicionais foi realizada, como manda o Artigo 231 da
Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)".
O documento é assinado por uma
coalizão formada por aproximadamente 200 bispos católicos de Brasil,
Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Venezuela e
Suriname.
O governo do presidente Michel Temer argumenta que a extinção da
Renca vai revitalizar a mineração brasileira, que representa 4% do PIB e
produziu o equivalente a US$ 25 bilhões (R$ 78 bilhões) em 2016, mas
que vinha sofrendo com a redução das taxas de crescimento global e com
as mudanças na matriz de consumo, voltadas hoje para a China.
Os
líderes católicos, em contrapartida, avaliam que o governo cedeu "às
pressões da bancada de parlamentares vinculados às companhias extrativas
que financiam suas campanhas" e conclama deputados e senadores a se
colocarem contra a decisão presidencial.
"Convocamos as senhoras e
os senhores parlamentares a defenderem a Amazônia, impedindo que mais
mineradoras destruam um dos nossos maiores patrimônios naturais. Não nos
resignemos à degradação humana e ambiental."
A nota de repúdio, à
qual a BBC Brasil teve acesso, é assinada pelos cardeais dom Cláudio
Hummes (presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica - Repam e da Comissão
Episcopal para a Amazônia) e dom Erwin Kräutler (presidente da
Repam-Brasil e secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia).
A
Repam é formada por bispos de 99 dioceses distribuídas nos nove países
que têm áreas de floresta amazônica em seus territórios.
A nota
foi assinada em Brasília após uma série de discussões entre as maiores
lideranças da Igreja Católica no continente. Também participaram do
processo entidades que fundaram a Repam em 2014, como a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Episcopal
Latino-americano (CELAM), formado por líderes católicos de 22 países
latino-americanos.
"É mais uma tremenda agressão à Amazônia e ao
Brasil de consequências são irreversíveis. Exigimos a imediata sustação
desse decreto iníquo", disse à BBC Brasil dom Erwin Kräutler.
Caminhos legais
A
BBC Brasil apurou que bispos da CNBB e da Repam estão conversando com
membros do Ministério Público sobre caminhos legais de cancelamento do
decreto.
Uma possível ação conjunta entre católicos, promotores e procuradores deve ser divulgada ainda nesta semana.
Criticado por políticos da base, ambientalistas,
movimentos sociais, artistas e agora pelo alto clero da Igreja, o
Ministério de Minas e Energia garante que o decreto cumprirá legislações
específicas sobre a preservação da área. Ou seja, áreas de proteção
integral (onde não é permitida a habitação humana) e terras indígenas
serão mantidas.
Mas as lideranças católicas não estão convencidas.
"Ao
contrário do que afirma o governo em nota, ao abrir a região para o
setor da mineração, não haverá como garantir proteção da floresta, das
unidades de conservação e muito menos das terras indígenas - que serão
diretamente atingidas de forma violenta e irreversível", avalia a
coalizão de bispos latino-americanos.
Dom Cláudio Hummes e Dom Erwin Kräutler, signatários
da carta em nome dos bispos, são membros de alas progressistas da
Igreja Católica no Brasil.
Com títulos de doutor honoris causa e
condecorações do Vaticano, ambos atuam em defesa de minorias em
pastorais de pequenas cidades em toda a Amazônia.
"É terrível o
que está acontecendo e pior ainda com a conivência e o apoio explícito
do governo Temer. Temer mais uma vez está violando a própria
Constituição Federal, que no seu artigo 231 exige consulta prévia aos
povos indígenas quando se trata de qualquer empreendimento em seus
territórios. O presidente da República não está acima da Constituição
Federal. Por isso a assinatura do presidente é inconstitucional", disse
dom Erwin à BBC Brasil nesta segunda-feira.
"Vivo há 52 anos na
Amazônia e por isso conheço bem essa região. Lamentavelmente, mais uma
vez a Amazônia é degradada a uma mera província mineral que se explora
sem mínimos escrúpulos. Se explora o solo e subsolo e o que sobra no
final é uma paisagem lunática de crateras. Os povos que aqui vivem não
contam. São ameaçados inclusive em sua sobrevivência."
Na
avaliação dos bispos, o resultado da presença da mineração é um rastro
de destruição, por mais que cuidados socioambientais sejam tomados.
"Basta
observar o rastro de destruição que as mineradoras brasileiras e
estrangeiras têm deixado na Amazônia nas últimas décadas, com
desmatamento, poluição, comprometimento dos recursos hídricos pelo alto
consumo de água para a mineração e sua contaminação com substâncias
químicas, aumento de violência, droga e prostituição, acirramento dos
conflitos pela terra, agressão descontrolada às culturas e modos de vida
das comunidades indígenas e tradicionais, com grandes isenções de
impostos, mas mínimos benefícios para as populações da região", diz a
nota oficial dos líderes católicos.
'Assunto amadurecido'
No
último sábado, a BBC Brasil revelou que o governo anunciou o fim da
Renca a donos de mineradoras canadenses em março - cinco meses antes da
assinatura oficial, divulgada pelo Diário Oficial.
Após optar por
não responder às perguntas enviadas pela reportagem, o Ministério de
Minas e Energia reconheceu em uma nota, divulgada nesta segunda-feira,
que o assunto foi tema do encontro com os canadenses e disse que "o
assunto já estava bastante amadurecido dentro do governo, e tratado
publicamente, quando foi divulgado durante a maior feira de mineração do
mundo, a PDAC, no início de março de 2017, em Toronto, no Canadá".
A
pasta não comentou as críticas de não ter procurado ambientalistas,
acadêmicos e movimentos sociais para discutir o tema e diz que "uma
rápida pesquisa a qualquer site de buscas pode ajudar na coleta de
informações corretas sobre o assunto".
Além de uma série de
entrevistas, que incluiu pessoas presentes no evento, a BBC Brasil fez
pesquisas tanto em ferramentas de busca quanto nos próprios registros do
site do ministério.
Há apenas três referências à Renca entre o
início do governo Temer e a assinatura do decreto, na semana passada.
Todas as menções no site do governo são posteriores à reunião no Canadá -
e o ministério não cita em nenhum momento a reserva em seu material de
divulgação sobre a visita oficial de março.
'Interesses econômicos'
A
nota assinada pelos bispos cita falas recentes do Papa Francisco sobre a
Amazônia e que criticam "uma economia de exclusão e desigualdade".
"Há
propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos
interesses econômicos das corporações internacionais", afirmou o papa em
encíclica publicada pelo Vaticano em junho de 2015.
"Digamos não a
uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez
de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia
destrói a mãe terra", disse Francisco no mesmo mês na Bolívia, em
discurso a movimentos sociais, agora citado na nota de repúdio dos
bispos ao decreto de Temer.
Os bispos também lembram a defesa feita pelo papa de que as comunidades tradicionais sejam ouvidas.
"No
debate, devem ter lugar privilegiado os moradores locais, aqueles
mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus
filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o
interesse econômico imediato."
E associam o gesto do presidente
Temer ao "drama de uma política focalizada nos resultados imediatos",
que "torna necessário produzir crescimento a curto prazo", ambas
citações do papa Francisco.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41075791
Nenhum comentário:
Postar um comentário