Em Martírio, Vincent Carelli documenta a luta dos Guarani Kaiowá pela retomada de suas terras.
Vincent Carelli viajou ao Mato Grosso do Sul em 1988 para registrar
as grandes rezas que reuniam índios Guarani Kaiowá da região. Voltou ao
Estado vinte anos depois, menos por gosto e mais por imposição dos
fatos, como costuma dizer, dessa vez para documentar os conflitos que
dizimavam e arrancavam uma população inteira de seus territórios
sagrados, os tekoha.
A história que o documentarista, pesquisador e indigenista conta em Martírio,
que estreia nesta quinta (13) nos cinemas brasileiros, começa na Guerra
do Paraguai, em 1864, e chega à bancada ruralista do Congresso Nacional
sem dar mostras de estar nem mesmo próxima de um desfecho.
Carelli mostra a luta dos Guarani pela retomada de suas terras, antes
formadas por mais de três milhões de hectares na região sul do Mato
Grosso do Sul e hoje limitadas a oito reservas de 3.600 hectares
demarcadas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) em 1928, além de
outros 16 territórios retomados desde 2003.
Para chegar neste ponto, no entanto, o diretor volta no tempo para
explicar as causas do conflito que há décadas os empurra para
acampamentos às margens de rodovias e para reservas superlotadas. Ele
relembra o surgimento da indústria extrativista da erva mate, que na
virada do século se torna o maior empreendimento comercial da região e
explora mão de obra indígena; e a chegada dos gigantes do agronegócio.
Mas se tem que apontar culpados, mira especialmente para o Estado
brasileiro.
“Espero que [o filme], pelo menos, ajude a esclarecer principalmente
que todo o processo de expropriação foi feito e registrado em documentos
oficiais. É importante que isso seja claro para todo mundo”, afirma o
documentarista à CULT. “O filme vai contribuir para manter esse alerta a respeito de um genocídio brasileiro do século 21.”
Desde agosto de 2015 foram registrados mais de 25 ataques
paramilitares contra comunidades do povo Guarani Kaiowá no MS, segundo o
Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Para Carelli, as perspectivas
para a questão indígena no Brasil são, hoje, das piores possíveis. No
início de março, por exemplo, o atual ministro da Justiça, Osmar
Serraglio – que é ligado ao agronegócio – disse à Folha de S.Paulo que pessoas do campo precisam abandonar a discussão sobre terra porque “terra não enche barriga de ninguém”.
“É uma repetição do mesmo. Esse é um dos momentos mais negativos. Até
a ditadura demarcou-se terras, e agora, do jeito que está, realmente
há uma guerra declarada aos territórios indígenas no Brasil”, afirma
ele. “É Davi contra Golias: é a classe mais reacionária do país e o povo
mais resistente que eu conheço.”
Desde 1987, Carelli mantém o projeto Vídeo nas Aldeias, que proporciona a povos indígenas experiências audiovisuais na frente e atrás das câmeras. Martírio,
co-dirigido por Ernesto de Carvalho e Tita, é o segundo título de
uma trilogia sobre casos emblemáticos de políticas indigenistas no
Brasil.
Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/martirio-vincent-carelli/
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