sexta-feira, 2 de junho de 2017

COM DOCUMENTÁRIO, GRUPO QUER DAR VISIBILIDADE A CASOS EXTREMOS DE LESBOFOBIA

Além de denunciar a violência contra lésbicas, Eu sou a próxima dá voz para que mulheres negras, lésbicas e periféricas falem ‘em primeira pessoa’.

Com documentário, grupo quer dar visibilidade a casos extremos de lesbofobia 

Luana Barbosa tinha 34 anos quando, em um dia qualquer, saiu de casa para levar o filho ao curso de informática e não voltou mais. Lésbica, negra e periférica, Luana foi abordada por seis policiais militares que queriam revista-la. Quando ela negou, sabendo que tinha o direito de ser revistada apenas por mulheres, foi espancada e morreu cinco dias depois, com traumatismo craniano. Apesar da violência extrema, o caso de Luana foi arquivado pelo Ministério Público – assim como os de tantas outras mulheres em situação semelhante à dela.
Foi a história de Luana que inspirou o documentário Eu sou a próxima, que reúne relatos de agressões e mortes de mulheres lésbicas, principalmente negras, e que estreia nesta quinta (13) em São Paulo e no sábado (15) no Rio de Janeiro. Produzido sem nenhum incentivo governamental ou privado, o longa é um esforço da Coletiva Luana Barbosa – assim mesmo, no feminino -, um grupo de mulheres negras de vários bairros periféricos de São Paulo, que decidiu não se calar diante da violência em relação à Luana.
O grupo é composto por nove mulheres: Márcia Fábia, Jheniffer Santini, Lê Nor, Ariane Oliveira, Micheli Moreira, Liz Delon, Nanda Gomes, Re Alves e Ane Sarinara. Todas são negras e periféricas, lésbicas (ou bissexuais) e duas são mães. Há cerca de um ano, elas se uniram para ajudar na organização da Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo – um evento anual para a visibilidade deste grupo – e desde então seguem juntas, realizando ações para trazer mais representatividade e visibilidade para mulheres como elas: rodas de conversa, eventos feministas, festas exclusivas para mulheres (como a “Sarrada no Brejo”), e até uma espécie de creche para que as mães possam deixar seus filhos e se divertir, o “Brejinho do Pijama”. Todos os ganhos da coletiva são revertidos em ajuda para mulheres desempregadas, em situação de rua ou endividadas.
Intervenção do grupo Levante Mulher em memória de 
Luana Barbosa durante
Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais em 2016 
(Foto: Coletivo Indigesto)


Falar em primeira pessoa


Foi só depois da morte de Luana que o grupo tomou forma de coletiva. “Foi um acontecimento que chocou muito a gente. Luana era como nós: negra, periférica, mãe, não performava feminilidade. Foi um massacre”, lembra Liz Delon, uma das integrantes do grupo. Em maio, um mês depois do assassinato, as nove organizaram uma manifestação para que a morte de Luana não fosse invisibilizada, como acontece com muitas outras. O protesto deu frutos: o caso foi desarquivado e pode ir a Júri Popular.
Com essa pequena vitória, a coletiva ganhou ainda mais força, e começou a pensar em formas de espalhar essa história na internet. “Juntamos, ao longo de um ano, todas as notícias de morte por lesbofobia que encontrávamos. A ideia era criar uma campanha com a hashtag #EuSouAPróxima, mas a coisa foi crescendo até virar um documentário”, conta Ane Sarinara, outra participante da coletiva.
O filme, feito sem incentivos do governo ou de empresas, foi um trabalho coletivo: dentro da produção, cada integrante da Luana tinha um papel, e todas se ajudavam. “Mas a gente não teria conseguido sem a incrível Taynara  Bruni, fotógrafa e nossa futura cineasta, que editou, filmou e cedeu sua casa e seu tempo para a gente”, conta Ane.
O título do filme, Eu sou a próxima, já é um soco no estômago. “Se você é lésbica, negra, mãe solo, sem voz política, sem visibilidade, você pode ser a próxima. Sua amiga pode ser a próxima. Sua companheira, sua mãe, qualquer uma que tenha esse perfil. O medo é constante”, explica Ane. Apesar do medo, a coletiva reforça que é difícil os casos de lesbofobia aparecerem na mídia. Ainda segundo Ane, essas mortes não chegam a virar estatística, porque frequentemente estão condensadas a todas as mortes de homossexuais. “Quando assassinam uma mulher lésbica, não dizem a palavra ‘lésbica’. Dizem ‘mulher gay’, ‘mulher homossexual’. Parece que a mídia tem medo de dizer a palavra ‘lésbica’. Afirmar essa palavra para a gente é muito importante”, reforça Liz.
Importante, também, é ter lésbicas falando sobre lesbianidade e lesbofobia, porque o espaço para este grupo ainda é muito pequeno. Um dos objetivos do filme, além de denunciar a existência da violência específica contra lésbicas, é justamente dar voz a elas, como conta Ane: “Essa é uma das raras vezes em que nós não somos coadjuvantes da nossa própria história. Queremos falar em primeira pessoa, quebrar estereótipos e achismos e incentivar outras mulheres a fazer o mesmo”.
E por falar em contar a própria história, as integrantes afirmam que outro trunfo do filme é manter a memória dos casos de lesbofobia vivos, e que ganhem a justiça que merecem. “Espero que esse documentário possa chegar em todo canto, em todas as mulheres, em todo mundo”, diz Fernanda. E conclui: “que as nossas mães e todas as mulheres de nossas vidas possam ter acesso a esse documento tão importante para entender o quanto é difícil viver sendo lésbica”. 

Disponível em:  https://revistacult.uol.com.br/home/grupo-quer-dar-visibilidade-a-casos-de-lesbofobia/

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