Além de denunciar a violência contra lésbicas, Eu sou a próxima dá voz para que mulheres negras, lésbicas e periféricas falem ‘em primeira pessoa’.
Luana Barbosa tinha 34 anos quando,
em um dia qualquer, saiu de casa para levar o filho ao curso de
informática e não voltou mais. Lésbica, negra e periférica, Luana foi
abordada por seis policiais militares que queriam revista-la. Quando ela
negou, sabendo que tinha o direito de ser revistada apenas por
mulheres, foi espancada e morreu cinco dias depois, com traumatismo
craniano. Apesar da violência extrema, o caso de Luana foi arquivado
pelo Ministério Público – assim como os de tantas outras mulheres em
situação semelhante à dela.
Foi a história de Luana que inspirou o documentário Eu sou a próxima, que reúne relatos de agressões e mortes de mulheres lésbicas, principalmente negras, e que estreia nesta quinta (13) em São Paulo
e no sábado (15) no Rio de Janeiro. Produzido sem nenhum incentivo
governamental ou privado, o longa é um esforço da Coletiva Luana Barbosa
– assim mesmo, no feminino -, um grupo de mulheres negras de vários
bairros periféricos de São Paulo, que decidiu não se calar diante da
violência em relação à Luana.
O grupo é composto por nove mulheres:
Márcia Fábia, Jheniffer Santini, Lê Nor, Ariane Oliveira, Micheli
Moreira, Liz Delon, Nanda Gomes, Re Alves e Ane Sarinara. Todas são
negras e periféricas, lésbicas (ou bissexuais) e duas são mães. Há cerca
de um ano, elas se uniram para ajudar na organização da Caminhada de
Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo – um evento anual para a
visibilidade deste grupo – e desde então seguem juntas, realizando ações
para trazer mais representatividade e visibilidade para mulheres como
elas: rodas de conversa, eventos feministas, festas exclusivas para
mulheres (como a “Sarrada no Brejo”),
e até uma espécie de creche para que as mães possam deixar seus filhos e
se divertir, o “Brejinho do Pijama”. Todos os ganhos da coletiva são
revertidos em ajuda para mulheres desempregadas, em situação de rua
ou endividadas.
Falar em primeira pessoa
Foi só depois da morte de Luana que o
grupo tomou forma de coletiva. “Foi um acontecimento que chocou muito a
gente. Luana era como nós: negra, periférica, mãe, não performava
feminilidade. Foi um massacre”, lembra Liz Delon, uma das integrantes do
grupo. Em maio, um mês depois do assassinato, as nove organizaram uma
manifestação para que a morte de Luana não fosse invisibilizada, como
acontece com muitas outras. O protesto deu frutos: o caso foi
desarquivado e pode ir a Júri Popular.
Com essa pequena vitória, a coletiva
ganhou ainda mais força, e começou a pensar em formas de espalhar essa
história na internet. “Juntamos, ao longo de um ano, todas as notícias
de morte por lesbofobia que encontrávamos. A ideia era criar uma
campanha com a hashtag #EuSouAPróxima, mas a coisa foi crescendo até
virar um documentário”, conta Ane Sarinara, outra participante da
coletiva.
O filme, feito sem incentivos do
governo ou de empresas, foi um trabalho coletivo: dentro da produção,
cada integrante da Luana tinha um papel, e todas se ajudavam. “Mas a
gente não teria conseguido sem a incrível Taynara Bruni, fotógrafa e
nossa futura cineasta, que editou, filmou e cedeu sua casa e seu tempo
para a gente”, conta Ane.
O título do filme, Eu sou a próxima,
já é um soco no estômago. “Se você é lésbica, negra, mãe solo, sem voz
política, sem visibilidade, você pode ser a próxima. Sua amiga pode ser a
próxima. Sua companheira, sua mãe, qualquer uma que tenha esse perfil.
O medo é constante”, explica Ane. Apesar do medo, a coletiva reforça que
é difícil os casos de lesbofobia aparecerem na mídia. Ainda segundo
Ane, essas mortes não chegam a virar estatística, porque frequentemente
estão condensadas a todas as mortes de homossexuais. “Quando assassinam
uma mulher lésbica, não dizem a palavra ‘lésbica’. Dizem ‘mulher gay’,
‘mulher homossexual’. Parece que a mídia tem medo de dizer a palavra
‘lésbica’. Afirmar essa palavra para a gente é muito importante”,
reforça Liz.
Importante, também, é ter lésbicas
falando sobre lesbianidade e lesbofobia, porque o espaço para este grupo
ainda é muito pequeno. Um dos objetivos do filme, além de denunciar a
existência da violência específica contra lésbicas, é justamente dar voz
a elas, como conta Ane: “Essa é uma das raras vezes em que nós não
somos coadjuvantes da nossa própria história. Queremos falar em primeira
pessoa, quebrar estereótipos e achismos e incentivar outras mulheres a
fazer o mesmo”.
E por falar em contar a própria
história, as integrantes afirmam que outro trunfo do filme é manter a
memória dos casos de lesbofobia vivos, e que ganhem a justiça que
merecem. “Espero que esse documentário possa chegar em todo canto, em
todas as mulheres, em todo mundo”, diz Fernanda. E conclui: “que as
nossas mães e todas as mulheres de nossas vidas possam ter acesso a esse
documento tão importante para entender o quanto é difícil viver sendo
lésbica”.
Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/grupo-quer-dar-visibilidade-a-casos-de-lesbofobia/
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