Pressionado pela comunidade internacional, governo brasileiro informa
que vai assumir um compromisso de reduzir em 10% sua população
carcerária até 2019. O anúncio foi feito em uma reunião fechada entre a
Secretaria Especial de Direitos
Humanos e ongs brasileiras e internacionais, às vésperas do principal
exame das políticas de direitos humanos do País, que ocorre nesta
sexta-feira em Genebra, na ONU.
A reportagem é de Jamil Chade, publicada por O Estado de S. Paulo, 05-05-2017.
Procurada, a missão do Brasil em Genebra não retornou os pedidos da
reportagem sobre esclarecimentos e nem sobre como isso seria feito. Mas
entidades como Anistia Internacional e outros grupos confirmaram ao
Estado que a promessa foi declarada no encontro pela primeira vez.
Com a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 630 mil
pessoas, o Brasil é com frequência acusado de violações de direitos
humanos em suas prisões. Nesta sexta-feira, documentos obtidos pelo
Estado revelam que dezenas de países exigirão resposta a isso e
denunciarão os abusos por parte da polícia e a situação das prisões.
No total, 109 governos se inscreveram para cobrar respostas do Brasil
durante a sabatina. Mas o Estado apurou que países avaliam a
possibilidade de usar o exame com fins políticos e levantar o debate
sobre a corrupção. Outro tema será o impacto dos cortes de orçamentos
nos programas sociais, também denunciado por relatores da ONU.
Países membros das Nações Unidas são obrigados a passar por uma
Revisão Periódica Universal, um mecanismo criado na ONU para examinar
todos os aspectos de direitos nos países de forma regular. Para se
preparar para o questionamento, a entidade elaborou um raio-x completo
sobre a situação brasileira nesse período desde o último exame do País,
em 2012. Nele, a entidade revela profundas violações de direitos
humanos, regressão em assuntos como terras indígenas e a incapacidade em
reduzir a violência policial e as crises nas prisões.
Durante a sabatina, ONGs brasileiras vão ainda acusar o governo de
não ter cumprido as recomendações que a ONU apresentou em 2012 em
setores como violência, direitos indígenas, mulheres, educação e
discriminação.
Mas ao responder inicialmente ao questionamento, documentos do
governo brasileiro indicaram que Brasília vai sustentar a ideia de que
cumpriram 60% das recomendações. As ongs contestam esse número e, para
provar que não é o caso, apontando como o diz que cumpriu até mesmo a
recomendação que pedia fim das execuções extrajudiciais.
Outra estratégia do governo é anunciar medidas em diversos setores e liberar recursos, como para a situação de deficientes.
Numa campanha “Brasil no banco dos réus”, a entidade Conectas também
questiona o cumprimento das obrigações. Em comunicado, a Anistia
Internacional acusou nesta quinta-feira as autoridades brasileiras de
estarem “se fazendo de cegas para o aprofundamento de uma crise de
direitos humanos criada por elas mesmas”.
“Desde a última revisão nas Nações Unidas, o Brasil não tomou
providências para sanar os chocantes níveis de violações de direitos
humanos no país, incluindo os números de homicídios pela polícia, que
deixam centenas de mortos todos os anos”, declarou Jurema Werneck,
Diretora Executiva da Anistia Internacional no Brasil. “Muito pouco foi
feito para reduzir o número de homicídios, para controlar o uso da força
pela polícia e para garantir os direitos indígenas assegurados pela
Constituição de 1988. Isto precisa mudar. O que vemos hoje é uma
profunda crise política, ética, financeira sendo usada como desculpa
para a perda de direitos humanos”, completa.
Cortes
Outro tema que entrará na sabatina refere à situação da desigualdade
social e o potencial de que cortes orçamentários podem ter. Na avaliação
dos especialistas da ONU, por exemplo, os planos de congelar gastos
públicos por 20 anos são “inteiramente incompatíveis com as obrigações
de direitos humanos do país”, principalmente diante desse cenário ainda
de desigualdade.
Há um mês, o governo brasileiro ainda gerou surpresa nos demais
países ao votar contra a renovação do mandato de um relator da ONU que
se ocupa da relação entre dívida e direitos humanos. Brasília culpou um
artigo colocado na resolução por Cuba em que sugeria que tetos de gastos
sociais não poderiam ser implementados.
No texto, a resolução pedia que governos reconhecessem “que programas
de ajustes estruturais limitam os gastos públicos, impõem tetos de
gastos e dão atenção inadequada para serviços sociais". O texto, que foi
aprovado em votação, ainda indicava que apenas "poucos países podem
crescer" diante dessas condições.
O tema agora voltará à pauta da ONU. O Estado apurou que diversos
países devem usar o debate para pressionar o governo Temer nesse mesmo
sentido e alertar sobre o impacto que cortes podem ter em determinados
setores. Governos como o do Reino Unido ou da Noruega estão entre os que
questionarão o financiamento de certos programas sociais.
Apesar de diversos avanços sociais, o informe da ONU que foi
distribuído a todos os governos insiste que, no Brasil, “milhões de
pessoas continuam a viver em ambientes insalubres, sem acesso à água e
saneamento”. No caso da saúde, o relatório também aponta como
“desigualdades impedem que as populações mais vulneráveis tenham acesso
efetivo aos tratamentos de saúde”.
Os relatores da ONU admitiram que houve um progresso econômico
“significativo” no Brasil nas últimas décadas. “Mas enquanto programas
como Minha Casa, Minha Vida e Bolsa Família ajudaram muitas das
comunidades, a desigualdade para afro-brasileiros continuou”.
Segundo a Unesco, ainda que o Brasil tenha aumentado de forma
“significativa os investimentos em educação na última década, o País
ainda enfrenta desafios maiores no financiamento da educação”.
Nos bastidores, os peritos e funcionários de alto escalão da ONU
indicaram ao Estado que vem recebendo indicações de que o tema da
corrupção pode entrar na agenda desta sexta-feira. Chancelarias
estrangeiras de países contrários ao Brasil também indicaram que podem
usar o exame na ONU para “constranger” o governo Temer.
Resposta
Num documento que o governo brasileiro entregou às Nações e que
servirá de base para sua defesa durante a sabatina de maio, Brasília
insiste nos avanços sociais como sinais de que a situação do País é de
melhorias.
“Entre 2004 e 2014, 36 milhões de brasileiros foram retirados da
extrema pobreza”, diz o documento do governo. De acordo com Brasília, o
investimento no Bolsa Família foi de R$ 28,5 bilhões em 2016 e, ao final
do ano passado, 13,5 milhões de pessoas eram beneficiadas. Das 36
milhões de pessoas, o governo indica que 22 milhões “atingiram seu novo
status social depois da criação do plano Brasil Sem Miséria, em 2011”.
Outro destaque da apresentação brasileira será o Minha Casa, Minha
Vida. “Mais de 2,5 milhões de casas foram entregues até 2015”, indicou.
O governo admite, porém, que “apesar dessas iniciativas, existem
ainda desafios relacionados com a pobreza e as desigualdades
sócioeconômicas, especialmente desigualdades regionais e com relação a
grupos vulneráveis”. O documento, porém, não cita cortes orçamentários
que foram criticados pelos relatores da ONU. Nenhuma referência é feita
tampouco à recessão e ao aumento de desemprego.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/567331-pressionado-na-onu-brasil-declara-que-reduzira-em-10-populacao-carceraria-ate-2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário