Gustavo Rodrigues Costa, 21, se formou em Relações Internacionais pela Unipampa
Prestes a colar grau, no último dia 10, o formando de Relações
Internacionais Gustavo Rodrigues Costa, de 21 anos, foi com a mãe
comprar o calçado que usaria na cerimônia de encerramento de quatro anos
de estudos longe de casa – ele mora em Cotia (Grande São Paulo), mas
cursou a Unipampa (Universidade Federal do Pampa) em Santana do
Livramento, no interior gaúcho. A escolha do adereço teve o aval da
matriarca: um salto de 14 cm de altura e dourado. "Fiquei em dúvida, mas
ela me disse: 'Leva o dourado, que é mais bonito'", conta. E assim foi.
Se a escolha foi encarada com naturalidade por mãe e filho, na
cerimônia, a sandália causou alvoroço e falatório. Mas essa foi a forma
que o jovem achou para chamar a atenção para a "invisibilidade forçada",
modo como ele se refere à própria sexualidade. Costa se assumiu gay no
mesmo ano em que chegou à universidade, 2013.
O gesto causou
comentários na plateia, mas os amigos o pouparam ao não reproduzi-los ao
jovem. Ele, mesmo, só reparou "alguns olhares de estranheza", fora o
apoio que recebeu. Com as primeiras notícias sobre a colação de grau com
salto, porém, vieram os primeiros comentários depreciativos e mais
diretos.
"Caí no erro de ler esses comentários, e aí foi um
choque de realidade. Li gente dizer que 'faltou surra' para mim, em
casa, ou que me assumir gay em uma cerimônia dessas seria 'falta de
vergonha na cara'. Isso me dá uma tristeza, me dá medo, mas me dá também
mais vontade de eu continuar fazendo coisas como essa para me defender e
defender outros que não têm a mesma condição que eu", definiu. "Mas eu
não esperava que fosse ter essa repercussão toda."
O jovem é o primeiro do núcleo familiar a conquistar
o diploma universitário
De acordo com o graduado em R.I., a inspiração para o protesto
particular veio de outro formando também gay assumido: o estudante
Talles de Oliveira Faria, 24, que se formou em engenharia da computação
pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos Campos
(SP). Na cerimônia, realizada em 17 de dezembro do ano passado, ele
deixou de lado a tradicional beca e usou vestido vermelho, salto alto e
maquiagem como protesto contra a homofobia que ele disse existir dentro
da instituição.
"Ao longo da graduação, tivemos
esse debate de que a formatura seria um espaço propício a protestos
pacíficos como o meu. É importante tirar esse debate da sala de aula e
levá-lo a praças, corredores, e a colação de grau teria esse impacto,
ainda mais por se tratar de uma universidade pública", disse. "O caso do
Talles deu um empurrão grande –o considero um precursor e que me deu um
ânimo maior para expressar o que eu sinto", completou.
E Costa
espera que o ato dele não seja o último. "Quero justamente estimular
outras pessoas a tomar atitudes como essa e mostrar que a gente tem que
dar voz a quaisquer minorias, justamente para que elas possam ocupar
espaços que lhes são negados –seja nas cidades, na universidade, no
mercado de trabalho. As pessoas não têm que falar pela gente: há quem
queira falar por si. Eu não quero ser silenciado para sempre", explicou.
Pai não quis ir à formatura; jovem foi agredido
em festa em 2015
O jovem contou a um núcleo de amigos mais próximos o que pretendia
fazer, assim como à família, a fim de evitar surpresas. Apenas a mãe e
os tios, que são seus padrinhos, aceitaram ir. O pai recusou.
"Meu pai não entendeu muito o porquê de eu fazer esse protesto, achou
que não era o momento mais adequado. Acredito que hoje ele entenda um
pouco melhor –mas não quis ir à colação, eu o entendi, e acho que ele
tentou me entender", sugere. Mesmo assim, ele faz questão de salientar:
"Meus pais sempre aceitaram minha orientação sexual numa boa", garante.
Em 2015, o jovem chegou a registrar boletim de ocorrência em Santana do
Livramento, depois de ser agredido por quatro rapazes em uma festa.
Ele conta que o grupo se irritou depois de vê-lo beijando outro homem. A
agressão, no entanto, aconteceu quando Costa estava sozinho.
"Primeiro eles me agrediram com xingamentos homofóbicos, e eu revidei.
Em uma outra ocasião, nessa mesma festa, eu estava longe do cara com
quem eu estava ficando e eles me agrediram, quebraram meus óculos.
Registrei B.O., à época, mas não levei a questão adiante. Hoje, eu não
teria essa mesma atitude e levaria (adiante), sim."
Primeiro formado com diploma na família
Costa voltou a morar com os pais em Cotia, na região metropolitana de
São Paulo. Na próxima sexta (24), pré-Carnaval, ele começa a trabalhar.
Se na capital paulista ele sente menos medo de expor a própria
sexualidade?
"Em Livramento, como se tratava de uma cidade
pequena, com todo mundo junto em vários lugares, eu buscava, estando
sozinho, ser o menos percebido possível. Não que isso mude tanto em São
Paulo, onde eu também tenho medo de andar nas ruas, mas a cidade tem
alguns lugares onde, além de ter pessoas com as quais me identifico, há
também aqueles onde eu possa ir sozinho sem receio de que façam algo
contra mim", relata. "Mas, sendo gay, voltando à noite e pegando ônibus
ou metrô, sim, eu tenho muito medo. Posso tentar 'disfarçar' isso por
fora, mas, quando a minha condição fica clara, é muito mais complicado.
Imagino o que os transgêneros devem passar", analisa.
O novo
graduado é também o único do núcleo familiar a conquistar um diploma
universitário, já que o irmão de 25 anos não tem curso superior e os
pais, uma gerente de loja desempregada e um representante comercial,
concluíram apenas o ensino fundamental.
Em nota, o reitor da
Unipampa, Marco Antonio Fontoura Hansen, definiu: "Não avaliamos o fato
como ofensivo, e sim como um direito de ir e vir, defendido pela
instituição, que deve ser garantido a todos. Não houve, inclusive,
quebra de protocolo por parte do aluno", defendeu.
Disponível em: https://educacao.uol.com.br/noticias/2017/02/22/nao-quero-ser-silenciado-diz-aluno-gay-que-usou-salto-em-formatura-no-rs.htm?cmpid=fb-uolnot
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