segunda-feira, 1 de agosto de 2016

MOÇA, SEU CLITÓRIS É PODER!


Palmira Margarida

Hoje, o papo vai ser reto: constata-se que muita gente não gosta de clitóris e me parece que essa história é antiga. Tem mulher que tem vergonha, tem moça doida para mexer nele, mas sente culpa, outras nunca olharam lá e devem estar lendo este artigo com sobrancelhas arqueadas. Miga, não fica chocada comigo e muito menos contigo, caso nunca tenha trocado um papo reto com a sua vulva. A culpa não é sua. A sociedade nos educa para odiarmos os nossos corpos femininos e para termos vergonha de nossos mamilos, vaginas, dobrinhas, curvas, enfim, tudo! Ser mulher é uma vergonha, né? Falar de “pepeka” nem pensar, o clitóris, então, é a blasfêmia. A zoeira histórica e científica com nossos corpos de fêmeas foi tanta que hoje, em pleno século XXI, a gente ainda fica cheia de pudor para tocar nesse assunto, literalmente!
A mulher é ensinada a não ter contato com o próprio corpo. A boceta (nome da caixa de Pandora onde estão guardados todos os males do mundo) é o portal para fora do paraíso e o clitóris, um aparato de conexão com as forças do mal. Este panorama foi estruturado, por um lado, por instituições religiosas, por outro, pela ciência. A primeira, que atinando para o prazer feminino como forma de poder, tacha a mulher dotada de autonomia sobre o próprio corpo como um ser bestial. A segunda, impregnada de misoginia desde seu início, não via como importante um órgão que servia apenas para conceder prazer à mulher, relegando-o às páginas de anatomia e omitindo-o dos círculos de temas importantes, sempre tratando nosso órgão do prazer (hoje, eu prefiro nomeá-lo “órgão da saúde”) como um apêndice ou algo menos, afinal, apêndice ainda serve para dar apendicite, enquanto clitóris não serve para nada, né?!
Bom, moça, tempo passou e todas nós continuamos nascendo com clitóris, esse órgão que “não serve para nada”. Alto lá! Não serve para quem? Para você serve e muito, tenha certeza! No entanto, tem homem que não gosta, que não sabe para que serve, muito menos qual a importância dele. Na verdade, eles nem sabem onde fica o tal ser diabólico, amoral e tentador, esse tal de clitóris. Alguns que sabem fazem questão de mutilar algumas de nós, com pedaços de vidro ou um metal qualquer que catou-se no chão*. Muitas meninas morrem quando têm seus clitóris arrancados e não estou falando de morte física (apesar de muitas morrerem no processo), mas de morte da alma e da dignidade. Outras, têm seus clitóris diminuídos, através de cirurgias reparadoras, agora não por uma instituição religiosa, mas pela ciência médica que, pasme, se acha no direito de ditar o que é um clitóris normal ou não. Bem, moças, pelo que eu saiba existem pintos pequenos, grandes, muito grandes, micropênis e nunca ouvi falar de um médico que tenha impelido seu paciente a cortar metade do pênis porque era grande demais. E aos que dizem que a internet está cheia de sites com truques mágicos para aumentar um pênis pequeno, atenção, não se trata de uma medicina invasiva dizendo que um órgão de seu corpo é anormal e inaceitável para viver em sociedade, e sim, entende-se, apenas, ser ego de macho.
No rastro da história, o clitóris sempre foi coadjuvante no filme da vida! Talvez, uma única vez ele quase tenha chegado ao papel principal. Foi na Grécia antiga, quando Hipócrates achou que o clitóris fabricava um tipo de esperma, assim como o pênis, fundamental para a mulher engravidar. Ou seja, para ficarmos grávidas, precisaríamos ter orgasmos a fim de que tal esperma fosse liberado pelo clitóris. O tempo passou, a Idade Média fez vista grossa, afinal, as bestas precisavam de orgasmos para procriar, então, tudo bem, pelo menos serve para isso!
Mas, ainda entendendo a mulher como um ser demoníaco, egoísta e que precisava ter prazer a qualquer custo. Entenda, o prazer da mulher por ela mesma não estava liberado, era permitido apenas para a reprodução (para liberar o tal esperma feminino) e masturbar-se era pecado. A primeira pessoa no mundo ocidental que escreveu sobre clitóris foi o anatomista Ronaldo Columbus (no século XVI) e chamou o órgão de “cidade do amor”. Antes e depois dele, alguns outros homens comentaram sobre a genitália da mulher, porém sempre comparando nossos corpos com os masculinos e sustentando a ideia de que nossa vulva era um “pênis triste”, um órgão masculino incompleto, defeituoso ou inferior. É por essas e outras que, para descontrair, gosto de falar “A clitóris”, mesmo sabendo que o certo é “O clitóris”, sujeitando a palavra ao órgão. Mas minha vulva é meio anarquista, então, gosto de falar “minha clitóris” e não “meu clitóris”.
Entre os séculos XIX e XX (século XX, minas, tipo, ontem!) o clitóris ainda era tímido na Gray’s Anatomy e o que corroborou muito para isto foi o médico Van Beneden descobrir, em 1875, que gravidez nada tinha a ver com o prazer da mulher. Ou seja, se o clitóris não era mais útil à reprodução, então não era mais necessário falar sobre ele. Aliás, um tal Dr Baker Brown, em Londres, apresentou à sociedade, a hipótese de mulheres serem ‘’nervosas e histéricas’’ por culpa do clitóris, portanto, o mesmo deveria ser cortado, prática que perdurou até a década de 1920. Então, imagina a cena: a mulher emite uma opinião qualquer em casa, o marido leva ao médico e diz  “doutor, essa mulher está histérica” e o médico responde “ok, vamos cortar o clitóris dela e logo ela ficará calminha’’.
Precisou passar todo o século XX para uma anatomista mulher indignar-se, claro, resolver colocar a mão no clitóris e desvendá-lo. Hellen O’Connell descobriu que o órgão pode chegar até oito centímetros, que apresenta o dobro de terminações nervosas de um pênis e, o melhor, ele está associado a todo o organismo feminino. Ou seja, se esse pequeno órgão faz ligação com todo o nosso corpo, isso significa que o prazer proporcionado por ele interfere, positivamente, em nossa saúde física, mental e emocional. É melhor que Rivotril! Por isso, iniciei essa trilogia com o tema masturbação feminina, já que algumas cientistas começam a apontar essa prática como um hábito saudável para todas nós. Moça, seu clitóris tem poder!
No próximo e último artigo da Trilogia do Clitóris, veremos os benefícios da masturbação autônoma feminina, além de práticas atuais sobre o tema, desenvolvidas por mulheres ao redor do mundo.
*A prática da retirada do clitóris, apesar de ser considerada um ato contra a dignidade da pessoa humana, ainda é praticada em algumas partes do mundo por questões religiosas ou estéticas.
Palmira Margarida é historiadora e atualmente é doutoranda na UFRJ. Pesquisa sobre neurociências, os cheiros e  as emoções. Estuda também neurobiologia das plantas e é a pisciana mais ariana de que se tem conhecimento. Descende de italianos e adora uma massa, mas fala sem gesticular. Ama viajar e captar os aromas das trilhas, das culturas e das ideias. Está em busca do profundo perfume do Ser. Escreve neste espaço às quintas-feiras. Para informações sobre seu trabalho com aromas na Casa Alquímica, entre em contato pelo e-mail:palmira.margarida@revistavertigem.com
Imagem: Dawn Felicia Knox.
Disponível em:  http://www.revistavertigem.com/artigo/moca-seu-clitoris-e-poder/

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