Depois de 13 anos de jornada, em meio a uma conjuntura difícil e
regressiva, o PSOL está prestes a efetivar aquilo pelo qual milhares dos
seus filiados lutaram desde a fundação do partido: uma frente política
com os movimentos sociais, como verdadeiro contraponto às alianças
conciliatórias e fisiológicas da velha ordem, que terminaram por engolir
e destruir a velha direção da esquerda brasileira hegemonizada pelo
lulopetismo nas últimas décadas.
A Conferência Cidadã, chamada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, realizada em São
Paulo no sábado 3 de março, apresentou Guilherme Boulos e Sônia Gujajara
como candidatos a presidente e vice-presidente da República –
formalmente pelo PSOL, mas de fato numa aliança entre partidos e
movimentos dos explorados e oprimidos. (Dois dias depois, Guilherme
Boulos formalizou em ato também em São Paulo sua filiação ao PSOL, num
passo prático e decisivo para dar corpo a essa aliança).
A proposta da Conferência é que a aliança não seja apenas para a
disputa eleitoral de 2018, mas o primeiro e fundamental passo de um
projeto político conjunto, de síntese programática para a reorganização
da esquerda e do movimento de massas no Brasil no próximo período
histórico.
Uma aliança com o PSOL
O evento do sábado estava repleto de sem-teto, lideranças indígenas,
movimentos de mulheres, da negritude, LGBTs, jovens, artistas,
intelectuais, sindicalistas, comunicadores, religiosos progressistas.
Todos entusiasmados com a perspectiva de uma campanha antissistêmica e
popular, diversa e combativa da Conferência foram capazes de acender uma
luz de esperança para a recomposição política e social necessária aos
vulnerabilizados.
Com a aceitação dessa aliança – o que esperamos que se aprove na
Conferência Eleitoral do próximo sábado – o PSOL reconhece o inestimável
valor da resistência indígena e dos sem-teto. Trata-se de uma enorme
vitória ao partido o fato de que seja o PSOL a referência de sigla e
aliado fundamental desses movimentos.
O desafio programático
O momento é de renovação, reorganização, recomposição, é hora de
renovar – por que não revolucionar – também as formas da disputa
política e programática? Para manter esse conjunto de atores empolgados é
preciso enfrentar o desafio de que o programa e o perfil da campanha
sejam profundamente radicais, realmente antissistêmicos. E que seja
resultado de uma elaboração coletiva e democrática, com debates
fraternos e construtivos, sem recair nas disputas pequenas que tanto já
contaminaram a esquerda socialista.
Esta nova recomposição exigirá de nós muito mais paciência para o
diálogo e respeito à pluralidade, porque, antes que nada, estamos
enfrentando retrocessos de toda ordem, enfrentando um governo ilegítimo e
uma extrema direita belicosa com peso eleitoral de massas. Estamos
nadando contra a corrente do conservadorismo fundamentalista, da sanha
predadora do capital financeiro, dos genocídios, do agronegócio, dos
monopólios capitalistas.
Por isso, nosso espírito unitário com todos os dispostos ao
enfrentamento à agenda neoliberal e aos ataques às liberdades
democráticas não pode se confundir com unidade política com forças que
pretendem repetir a fórmula da conciliação de classes e priorização da
luta institucional, já fartamente aplicada pelo lulopetismo. Este é o
primeiro e fundamental desafio para uma nova caminhada: total
independência da esquerda conciliadora. É preciso formular propostas
alternativas ao modelo de desenvolvimento predatório e de
governabilidade conservadoras assumidas pelos governos petistas. É
preciso lembrar que eles também favoreceram bancos e agronegócio,
devastaram o meio ambiente, atacaram povos indígenas e vitaminaram, com
seus apoios e alianças, as bancadas fundamentalistas.
Renovação e obstáculos
Algumas falas da Conferência indicaram caminhos de renovação prática,
como a menção da necessidade da retomada das bases feita por Frei Betto
e o fim das negociações por tempo de TV, com alianças sem política e
distribuição de cargos, que Marcelo Freixo abordou. Freixo ainda foi
feliz em reafirmar, logo após a exibição do polêmico vídeo de Lula
exibido na Conferência, que Boulos é o único candidato até agora
comprometido a revogar todas as medidas do governo golpista de Michel
Temer e que diz que não fará um governo para todos, mas sim, para os
99%, ao mesmo tempo em que o 1% das classes dominantes perderá e muito.
A exibição de um vídeo de Lula durante a Conferência Cidadã incomodou
profundamente as forças do PSOL construtoras dessa aliança. A
repercussão negativa do vídeo e da sugerida
associação da imagem do nosso candidato com a velha esquerda não se dá
apenas na imprensa, mas também em setores de movimentos sociais que
mais sofreram com ataques durante o período dos governos petistas, com
destaque ao próprio movimento indígena. Para nós, é legítimo continuar
debatendo, com franqueza e fraternidade crítica, como a aliança falará,
durante a campanha, às bases que ainda têm ilusões em Lula e no PT. O
que definitivamente não cabe, porque não foi essa a relação construída
até aqui nessa aliança é a ausência diálogo para decisão tão importante
como a exibição do vídeo.
Pois, o sentido geral da caminhada que começa na chapa
Boulos-Guajajara é o da superação da estratégia de conciliação de
classes. E isto não é contraditório com a nossa inequívoca defesa do
direito de Lula ser candidato, nosso rechaço à condenação sem provas e à
prisão injusta do ex-presidente.
De outro lado, é preciso superar também o messianismo de setores da
esquerda socialista (inclusive parcelas do PSOL), que acreditam ter
programas acabados e suficientes e, com isso, dispensam tratamento
preconceituoso, quando não violento, a todo e qualquer militante ou
agrupamento oriundo do petismo.
Não haverá recomposição da esquerda socialista sem deslocamentos nas
bases sociais da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, hoje no
Brasil ainda sob influência de Lula e do petismo. O próprio PSOL não
existiria sem os deslocamentos vindos do antigo bloco. A diferença agora
é de escala: os deslocamentos poderão ser de maior dimensão, porque se
trata de uma aliança com movimentos sociais, da resistência ativa, que
cresce buscando outro caminho. Rechaçar ou desqualificar esta aliança
com estes movimentos como “lulista” ou algo similar é contentar-se com a
eterna condição de minoria messiânica.
É preciso também, no entanto, que essa aliança se constitua sobre uma
sólida base programática, começando por estabelecer uma metodologia
democrática de debates e construção do programa de governo. Tendo,
também, a Plataforma VAMOS como ponto de partida – são diretrizes e não
de um programa pronto (o que aliás, a Vamos nunca se propôs a ser) –
precisamos nos próximos meses, até a formalização de um programa de
governo, avançar alguns passos.
A composição Boulos-Guajajara, para nós, aponta para uma das questões
essenciais e definidoras da radicalidade, que é a busca pela superação
dos modelos de desenvolvimento extrativistas-produtivistas. Esse modelo
está na raiz do esgotamento dos governos progressistas no nosso
continente.
Guilherme e Sônia simbolizam um programa que se assenta na
mobilização social e incorpora bandeiras cada vez mais centrais para um
projeto revolucionário: o combate ao racismo, ao machismo e à LGBTfobia,
do direito à cidade, do ecossocialismo, o questionamento da guerra às
drogas (travestida de guerra aos pobres, sobretudo em tempos de
intervenção militar) e a afirmação de novas formas de participação
popular.
Vamos juntos e juntas: PSOL, MTST, Povos Indígenas! Aqui está o povo sem medo de lutar!
Disponível em: http://www.insurgencia.org/um-novo-comeco-para-a-esquerda-brasileira/
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