quinta-feira, 8 de março de 2018

UM NOVO COMEÇO PARA A ESQUERDA BRASILEIRA

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Depois de 13 anos de jornada, em meio a uma conjuntura difícil e regressiva, o PSOL está prestes a efetivar aquilo pelo qual milhares dos seus filiados lutaram desde a fundação do partido: uma frente política com os movimentos sociais, como verdadeiro contraponto às alianças conciliatórias e fisiológicas da velha ordem, que terminaram por engolir e destruir a velha direção da esquerda brasileira hegemonizada pelo lulopetismo nas últimas décadas.
A Conferência Cidadã, chamada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, realizada em São Paulo no sábado 3 de março, apresentou Guilherme Boulos e Sônia Gujajara como candidatos a presidente e vice-presidente da República – formalmente pelo PSOL, mas de fato numa aliança entre partidos e movimentos dos explorados e oprimidos. (Dois dias depois, Guilherme Boulos formalizou em ato também em São Paulo sua filiação ao PSOL, num passo prático e decisivo para dar corpo a essa aliança).
A proposta da Conferência é que a aliança não seja apenas para a disputa eleitoral de 2018, mas o primeiro e fundamental passo de um projeto político conjunto, de síntese programática para a reorganização da esquerda e do movimento de massas no Brasil no próximo período histórico.


Uma aliança com o PSOL


O evento do sábado estava repleto de sem-teto, lideranças indígenas, movimentos de mulheres, da negritude, LGBTs, jovens, artistas, intelectuais, sindicalistas, comunicadores, religiosos progressistas. Todos entusiasmados com a perspectiva de uma campanha antissistêmica e popular, diversa e combativa da Conferência foram capazes de acender uma luz de esperança para a recomposição política e social necessária aos vulnerabilizados.
Com a aceitação dessa aliança – o que esperamos que se aprove na Conferência Eleitoral do próximo sábado – o PSOL reconhece o inestimável valor da resistência indígena e dos sem-teto. Trata-se de uma enorme vitória ao partido o fato de que seja o PSOL a referência de sigla e aliado fundamental desses movimentos.


O desafio programático


O momento é de renovação, reorganização, recomposição, é hora de renovar –  por que não revolucionar – também as formas da disputa política e programática? Para manter esse conjunto de atores empolgados é preciso enfrentar o desafio de que o programa e o perfil da campanha sejam profundamente radicais, realmente antissistêmicos. E que seja resultado de uma elaboração coletiva e democrática, com debates fraternos e construtivos, sem recair nas disputas pequenas que tanto já contaminaram a esquerda socialista.
Esta nova recomposição exigirá de nós muito mais paciência para o diálogo e respeito à pluralidade, porque, antes que nada, estamos enfrentando retrocessos de toda ordem, enfrentando um governo ilegítimo e uma extrema direita belicosa com peso eleitoral de massas. Estamos nadando contra a corrente do conservadorismo fundamentalista, da sanha predadora do capital financeiro, dos genocídios, do agronegócio, dos monopólios capitalistas.
Por isso, nosso espírito unitário com todos os dispostos ao enfrentamento à agenda neoliberal e aos ataques às liberdades democráticas não pode se confundir com unidade política com forças que pretendem repetir a fórmula da conciliação de classes e priorização da luta institucional, já fartamente aplicada pelo lulopetismo. Este é o primeiro e fundamental desafio para uma nova caminhada: total independência da esquerda conciliadora. É preciso formular propostas alternativas ao modelo de desenvolvimento predatório e de governabilidade conservadoras assumidas pelos governos petistas. É preciso lembrar que eles também favoreceram bancos e agronegócio, devastaram o meio ambiente, atacaram povos indígenas e vitaminaram, com seus apoios e alianças, as bancadas fundamentalistas.

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Renovação e obstáculos


Algumas falas da Conferência indicaram caminhos de renovação prática, como a menção da necessidade da retomada das bases feita por Frei Betto e o fim das negociações por tempo de TV, com alianças sem política e distribuição de cargos, que Marcelo Freixo abordou. Freixo ainda foi feliz em reafirmar, logo após a exibição do polêmico vídeo de Lula exibido na Conferência, que Boulos é o único candidato até agora comprometido a revogar todas as medidas do governo golpista de Michel Temer e que diz que não fará um governo para todos, mas sim, para os 99%, ao mesmo tempo em que o 1% das classes dominantes perderá e muito.
A exibição de um vídeo de Lula durante a Conferência Cidadã incomodou profundamente as forças do PSOL construtoras dessa aliança. A repercussão negativa do vídeo e da sugerida associação da imagem do nosso candidato com a velha esquerda não se dá apenas na imprensa, mas também em setores de movimentos sociais que mais sofreram com ataques durante o período dos governos petistas, com destaque ao próprio movimento indígena. Para nós, é legítimo continuar debatendo, com franqueza e fraternidade crítica, como a aliança falará, durante a campanha, às bases que ainda têm ilusões em Lula e no PT. O que definitivamente não cabe, porque não foi essa a relação construída até aqui nessa aliança é a ausência diálogo para decisão tão importante como a exibição do vídeo.
Pois, o sentido geral da caminhada que começa na chapa Boulos-Guajajara é o da superação da estratégia de conciliação de classes. E isto não é contraditório com a nossa inequívoca defesa do direito de Lula ser candidato, nosso rechaço à condenação sem provas e à prisão injusta do ex-presidente.
De outro lado, é preciso superar também o messianismo de setores da esquerda socialista (inclusive parcelas do PSOL), que acreditam ter programas acabados e suficientes e, com isso, dispensam tratamento preconceituoso, quando não violento, a todo e qualquer militante ou agrupamento oriundo do petismo.
Não haverá recomposição da esquerda socialista sem deslocamentos nas bases sociais da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, hoje no Brasil ainda sob influência de Lula e do petismo. O próprio PSOL não existiria sem os deslocamentos vindos do antigo bloco. A diferença agora é de escala: os deslocamentos poderão ser de maior dimensão, porque se trata de uma  aliança com movimentos sociais, da resistência ativa, que cresce buscando outro caminho. Rechaçar ou desqualificar esta aliança com estes movimentos como “lulista” ou algo similar é contentar-se com a eterna condição de minoria messiânica.
É preciso também, no entanto, que essa aliança se constitua sobre uma sólida base programática, começando por estabelecer uma metodologia democrática de debates e construção do programa de governo. Tendo, também, a  Plataforma VAMOS como ponto de partida – são diretrizes e não de um  programa pronto (o que aliás, a Vamos nunca se propôs a ser) – precisamos nos próximos meses, até a formalização de um programa de governo, avançar alguns passos.
A composição Boulos-Guajajara, para nós, aponta para uma das questões essenciais e definidoras da radicalidade, que é a busca pela superação dos modelos de desenvolvimento extrativistas-produtivistas. Esse modelo está na raiz do esgotamento dos governos progressistas no nosso continente.
Guilherme e Sônia simbolizam um programa que se assenta na mobilização social e incorpora bandeiras cada vez mais centrais para um projeto revolucionário: o combate ao racismo, ao machismo e à LGBTfobia, do direito à cidade, do ecossocialismo, o questionamento da guerra às drogas (travestida de guerra aos pobres, sobretudo em tempos de intervenção militar) e a afirmação de novas formas de participação popular.
Vamos juntos e juntas: PSOL, MTST, Povos Indígenas! Aqui está o povo sem medo de lutar!

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Disponível em:  http://www.insurgencia.org/um-novo-comeco-para-a-esquerda-brasileira/

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