Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ), 9 de Março de 2017
Para a vereadora, as mulheres precisam lembrar a todo tempo que estão em condição subalternizada, não só simbolicamente.
Marielle Franco foi a quinta candidata à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro mais votada em 2016, acumulando 46 mil eleitores / Naldinho Lourenço
A vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol) teve
uma das eleições mais comemoradas dos últimos tempos na cidade. Mulher,
negra, nascida, criada no Complexo da Maré, defensora dos direitos
humanos e socióloga, ela foi a quinta candidata à Câmara dos Vereadores
mais votada em 2016, acumulando 46 mil eleitores. Após a posse, em
janeiro deste ano, Marielle já apresenta projetos que visam fortalecer
os direitos das mulheres. Um deles é o projeto de lei “Pra fazer valer o
Aborto Legal”, que tem por objetivo qualificar profissionais para
informar e garantir atendimento de mulheres que tem direito de abortar,
em casos de anencefalia, risco de morte e estupro. Na Semana
Internacional da Mulher, Marielle conversou com o Brasil de Fato sobre a necessidade de debater feminismo e algumas propostas de seu mandato.
Brasil de Fato: Por que ainda é importante discutir o feminismo hoje?
Marielle: Para garantir que as mulheres
não estejam em posições secundárias. Para evitar o status que muitos
querem nos colocar de invisibilidade. Para que nós possamos ocupar
espaços em que sejamos protagonistas. No dia 08 de março, é importante
ir para as ruas, tornar público nosso discurso, porque à medida em que
têm mulheres fazendo a fala, o debate sobre feminismo, gênero, racismo
está em jogo e faz a diferença.
Recentemente você relatou em sua página do Facebook o caso de racismo que sofreu no aeroporto com uma revista abusiva. Como é ser mulher negra no Brasil?
Ser mulher negra é resistir e sobreviver o tempo todo. As
pessoas olham para os nossos corpos nos diminuindo, investigam se
debaixo do turbante tem droga ou piolho, negam a nossa existência. Isso
que passei no aeroporto foi uma vivência que muitas mulheres negras já
passaram. Poderíamos fazer uma pesquisa objetiva perguntando quantos
mulheres e homens brancos já tiveram os seus cabelos revistados, a
resposta seria nenhum. Estamos expostos e somos violentados todos os
dias. Para que a discussão se amplie é fundamental compreender que
estamos em um lugar de tratamento diferente. É preciso reconhecer o
racismo.
As mulheres trabalham em média 7,5 horas a mais que
os homens por semana, segundo pesquisa divulgada essa semana pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ainda assim a reforma
da Previdência propõe que trabalhem a mesma quantidade de anos para
aposentar. Como avalia essa proposta?
Como querem tratar as mulheres de maneira igual para
aposentar se já somos tratadas de maneira desigual todos os dias? Nós,
mulheres, estamos na base da pirâmide, com os menores salários,
trabalhando em jornadas duplas e ainda querem tratar a gente de maneira
igual para a aposentadoria. É um discurso de igualdade só quando serve
aos interesses deles. Temos que lembrar que estamos em condição
subalternizada, não só pelo simbólico. Os dados objetivos das pesquisas
estão mostrando isso. Infelizmente as mulheres ainda estão em situação
vulnerável.
Na Semana Internacional da Mulher, em que você teve várias
atividades de conversa sobre feminismo nas ruas do Rio de Janeiro, como
tem sido a receptividade dessas conversas?
Fizemos panfletagens, aula públicas e conversas. Na maioria
das vezes tivemos adesão boa, mas sempre tem nível de resistência,
infelizmente. Acho que, de modo geral, as pessoas estão muito receosas
sobre a política mais ampliada. Então há uma negação aos panfletos pelo
partido e posições políticas. Mas, sobre a pauta do feminismo, quando
falamos da retirada de direitos sobre a vida das mulheres, há uma
identificação. Se pararmos para pensar, quem mais sofre com a reforma da
Previdência, por exemplo? São as mulheres mais pobres, que mais estão
fazendo trabalhos terceirizados e braçais. Então, quando conversamos
sobre isso, são temas que as mulheres param e prestam atenção.
Conseguimos dialogar.
Como funciona na prática o projeto de lei proposto por você na Câmara Municipal “Pra fazer valer o Aborto Legal”?
É um programa que traz um tema polêmico, mas não estamos
defendendo no âmbito municipal a legalização do aborto, apesar de essa
ser uma pauta do Psol nacionalmente. O que estamos propondo aqui é a
garantia do serviço públicos de atendimento à mulher. No caso de ser
vítima de estupro, correr risco de vida, estar grávida de feto
anencéfalo, a mulher tem direito ao aborto por isso deve receber
assistência adequada. Queremos fazer com que os profissionais recebam
qualificação para que não criminalizem mais as mulheres, independente da
opinião individual que tenham. Precisamos romper com essa lógica. O
Estado tem que garantir que a mulher receba atendimento adequado, se não
ela terá que sentir um duplo sofrimento ao abortar. Já temos mais de
8.300 mil assinaturas apoiando o projeto.
Que outros projetos seu mandato tem voltados para as mulheres?
O espaço coruja, que é creche estendida ao horário noturno.
Não é um projeto só para as mulheres é para as famílias, mas sabemos
que a responsabilidade com os filhos ainda recai quase exclusivamente
sobre a mulher no Brasil. Avançamos também no debate sobre a
visibilidade das mulheres trans, ao exigirmos o reconhecimento da
identidade social de uma de nossas assessoras parlamentares na
Assembleia Legislativa. Estamos fazendo um estudo para identificar as
demandas e poder fazer mais pelas mulheres. O mandato está apenas
começando.
Edição: Vivian Virissimo
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2017/03/09/ser-mulher-negra-e-resistir-e-sobreviver-o-tempo-todo-diz-marielle-franco/index.html
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