Em artigo, especialista questiona efetividade da intervenção federal e
aposta na educação de qualidade como enfrentamento às desigualdades
sociais e à violência.
Por Rafael Parente
Estamos, atualmente, testemunhando mais
um triste capítulo da história do Estado do Rio de Janeiro. Na novela da
falta de planejamento, objetivos, pensamento estratégico, transparência
e avaliação de resultados, o último capítulo é a intervenção federal na
segurança pública, recentemente aprovada pelo Congresso. Apesar de bem
recebida por boa parte da população e por alguns especialistas, muitos
questionam a sua efetividade para mudar, a médio e longo prazo, o dia a
dia de violências sofridas principalmente pelas populações mais carentes
e de comunidades.
Ainda não há um plano claro, metas ou clareza
sobre o que vai acontecer até dezembro. Como se pretende desarticular o
crime organizado, diminuir o poder do tráfico de drogas, das milícias e a
atuação dos criminosos? De que forma a liderança diminuirá a corrupção
policial? O exército está preparado para lidar com o desafio? Como o
sucesso será mensurado?
Não temos essas respostas, mas pesquisas
nacionais e internacionais nos dão dicas importantes de como enfrentar a
violência. Spoiler: não é com a utilização de exércitos. A publicação
“Tornando as Cidades mais Seguras”, do Instituto Igarapé, por exemplo,
nos ensina que as intervenções precisam ser orientadas por estratégias
claras, com objetivos de curto e longo prazos e priorizando os locais,
pessoas e comportamentos que apresentam maior ameaça.
De acordo
com a publicação, “boa parte da solução é visar os riscos específicos da
violência urbana – desigualdade estrutural, desemprego entre os jovens,
fragilidade de instituições de segurança e Justiça e a presença de
crime organizado alimentado pelo tráfico de drogas. Ao mesmo tempo,
medidas isoladas – como as medidas de dissuasão, terapia para a
juventude vulnerável, assistência para a primeira infância e para cuidar
dos filhos, além de esforços concentrados para reduzir a pobreza –
também parecem ser parte da solução para reduzir drasticamente a
violência e melhorar a segurança”.
O
jornalista e sociólogo Marcos Rolim, em sua tese de doutorado em
Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apontou
uma relação clara entre a violência extrema e a evasão escolar. Ele
ouviu histórias de vida de adolescentes e jovens cumprindo pena na
Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE), de amigos desses jovens
que seguiram caminho fora do crime, de detentos no Presídio Central,
condenados por homicídios, e de um grupo de estudantes de uma escola.
Com
isto, Rolim constatou que a violência extrema está relacionada a abusos
e agressões praticados na infância, sugerindo que há uma dinâmica
social no Brasil que faz com que jovens da periferia sejam excluídos da
escola muito precocemente, a partir dos 10 anos de idade. Ao saírem da
escola, eles se aproximam desses grupos armados e, nestes grupos, são
socializados de forma perversa. Como ele mesmo disse; “no Brasil, onde a
escola falha, o crime é bem sucedido. A escola exclui e o crime
acolhe”.
Se a violência nas cidades está relacionada à
desigualdade, desemprego entre jovens, falta de assistência para a
primeira infância e pobreza, qual é o melhor investimento para a redução
da violência? Educação! Uma população mais bem educada terá melhores
salários e condições de empregabilidade; mais creches de qualidade são a
melhor resposta para a primeira infância.
Além do caso das UPPs
no Rio de Janeiro, outro bastante conhecido por ter diminuído de forma
consistente a violência é o da cidade colombiana de Medellín. A cidade,
que nos anos 90 foi considerada a mais violenta do mundo, conseguiu
reduzir em 90% o número de homicídios após investir em educação e
cultura. Para competir de frente com o tráfico de drogas e a
criminalidade foram construídos parques, bibliotecas, museus, escolas e
áreas de convivência para a população. A cidade apostou em uma
construção integral e articulada da sociedade civil, do governo, das
organizações comunitárias, empresas privadas e universidades públicas e
privadas.
Uma análise do Instituto de Pesquisa Econômica e
Aplicada (Ipea) de 2016 concluiu que destinar mais recursos para a
educação é o melhor caminho para a redução da taxa de homicídios.
Investir em educação, cultura e saúde dá mais perspectivas de vida e
devolve cidadania às pessoas. Educação é a nossa única bala de prata.
Rafael Parente é doutor em Educação pela NYU, CEO da Aondê/Conecturma e co-fundador do Agora!
Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/artigo/intervencao-x-educacao-o-que-realmente-precisamos-no-rio-e-no-brasil/
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