As investigações apontam que a genitora, de 36 anos, participava ativamente dos atos.
Elas cresceram acreditando que silenciar-se era necessário e que o
corpo era propriedade dos pais. Assim foi construída a percepção de
mundo das quatro irmãs hoje com 11, 15, 18 e 22 anos, após sofrerem
violência sexual doméstica durante os últimos 16 anos. O
casal de Icó, distante 365 km da Capital, estuprava as filhas e
ordenava que a primeira relação carnal fosse praticada com eles.
Segundo
a titular da Delegacia de Defesa da Mulher de Icó (DDM), Gabriela
Barreto, os atos sexuais seriam determinação da própria mãe, de 36
anos.“Ficou claro que havia uma tradição macabra, pois eles acreditavam
que tinham o direito de tirar a virgindade das crianças”, explicou
durante coletiva de imprensa no Complexo de Delegacias Especializadas
(Code), na tarde desta terça-feira, 6.
O titular da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), Levy Louzada, reitera que "a mãe decretou em casa
que a relação sexual que as filhas viessem a ter com seus respectivos
namorados antes deveria ser realizada pelo crivo do genitor”,
acrescentou.
A menina de 15 anos é mãe de uma criança de dois anos. A Polícia
aguarda resultado do exame de DNA para confirmar se a paternidade é do
estuprador – que tem 33 anos. As menores estão sob proteção do Conselho
Tutelar. Uma tia paterna já demonstrou interesse pela guarda após saber
do fato.
Durante depoimento, as vítimas
relataram ainda a participação ativa da genitora durantes as práticas de
abuso. “Detectamos que a mãe auxiliava segurando as filhas para que
fossem estupradas e submetia as meninas à realização de sexo oral nela”,
apontou o delegado Levy.
O casal foi preso em
Fortaleza nesta terça-feira, 6, após quase um mês de investigação da
Operação Jocasta, realizada conjuntamente pela DDM e Dceca. Eles têm
passagem pela polícia pelos crimes de tráfico de drogas, receptação e
corrupção de menores. Identidade dos criminosos não foi divulgada.
Uma trajetória de traumas e medos
As
irmãs estudavam e tinham uma rotina aparentemente normal. No entanto,
os crimes eram cometidos ao anoitecer, pouco antes delas adormecerem.
Segundo o delegado, as meninas eram obrigadas as dormir juntas em uma
cama de casal. No momento determinado, o pai ia até elas e escolhia
aleatoriamente a vítima. “Ele atacava individualmente cada filha, e as
outras poderiam ouvir e não assistir”, apontou Levy.
A
delegada relata que, durante oitiva com assistente social e psicóloga,
as irmãs não souberam expressar o sentimento diante do drama que
vivenciaram. “Percebi que aquilo tornou-se natural no dia a dia delas”,
observou. Reação característica de quem é submetido à extrema
vulnerabilidade física e emocional, de acordo com o psicólogo e membro
da Liga de Neurologia e Psiquiatria Infantil da Universidade Federal
(UFC), Daniel Franco.
Ele explica que crianças e
jovens vítimas de violência sexual apresentam diversos comportamentos
psíquicos, sobretudo de negação, desencadeados pelos traumas das
agressões.
“É uma negação da realidade
sustentada, inclusive, por esse funcionamento patológico da família, mas
também porque é um mecanismo de proteção natural do indivíduo. A gente
tende a negar a realidade quando é insuportável”, esclareceu. Ele
destaca que o medo provoca o aprisionamento psicossocial da vítima e
dificulta o rompimento do silêncio.
“Pessoas que
são vítimas de violência crônica acabam desenvolvendo um medo
generalizado de tudo e de todos. O pai que deveria ser uma figura de
referência era o agente da violência, o que isso cria na cabeça da
criança? Se elas não puderam confiar nele, não poderão confiar em mais
ninguém", explicou.
Detalhes
1
- Investigação começou no último dia 23 de fevereiro após denúncia da
filha de 22 anos. As duas vítimas mais velhas são enteadas do abusador.
2
- Polícia enfrentou dificuldade para localizar o paradeiro do agressor.
Isso porque ele realizou uma cirurgia bariátrica e mudou as
características físicas que constavam na apuração.
3
- Casal foi encontrado na casa onde mora, no bairro Rodolfo Teófilo.
Lá, a polícia encontrou materiais pornográficos que crianças eram
obrigadas a assistir. Também havia acessórios eróticos.
4 - No momento da prisão, a polícia teve que arrombar a porta da residência.
5
- A menina de 15 anos foi baleada na perna enquanto o pai tentava fugir
de uma briga com traficante. Ela teve que amputar a perna.
6
- A família saiu de Icó em 2012 com destino a Fortaleza após o pai ser
ameaçado de morte. Ele chegou a ser baleado seis vezes.
7
- Vivam atualmente com o casal as duas menores de idade. Há dois anos, a
filha de 18 anos conseguiu fugir. Já a de 22 anos, casou-se e não
manteve contato com os agressores. No entanto, mantinha conversa com as
irmãs menores por meio de aplicativo de celular. Ela teve coragem de
denunciar os pais somente após fazer tratamento psicológico.
BRUNA DAMASCENO
Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2018/03/irmas-foram-violentadas-durante-16-anos-pelos-pais.html
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