Especialistas de quatro países (França, Itália, Alemanha, Estados Unidos) analisam a questão das fake news e a avalanche de discurso de ódio na web.
Anahit Miridjanian, Libération
Entre fake news e discurso de ódio, como
controlar a enorme massa de informações criada a cada segundo na
internet? É o que vários países vêm se perguntando. Na Itália, a dois
meses das eleições legislativas, a polícia acaba de lançar uma
ferramenta de verificação de informações. A Alemanha adotou uma lei
drástica que obriga Twitter, Facebook e YouTube a remover um conteúdo
indesejado em 24 horas, sob risco de multas de até 50 milhões de euros.
Na França, Emmanuel Macron quer criar uma lei para combater as notícias
falsas durante o período eleitoral. Os Estados Unidos, por sua vez,
ainda sob o choque das revelações da interferência russa na eleição
presidencial de 2016, tentam tirar lições da venda de espaço
publicitário nas redes sociais para contas falsas russas. Os quatro
países têm diferentes visões sobre os padrões regulatórios da Internet. A
seguir, a opinião de especialistas em direito digital que nos ajudam a
entender melhor os problemas enfrentados pela França, Itália, Alemanha e
Estados Unidos.
Benedetto Ponti, Professor de Direito de Mídias Digitais na Universidade de Perugia (Itália):
Benedetto Ponti, Professor de Direito de Mídias Digitais na Universidade de Perugia (Itália):
Como funciona a nova ferramenta anti-fake news lançada pela polícia?
No
site da polícia postal [especializada na vigilância da internet e das
redes de telecomunicações] todos podem reportar possíveis informações
falsas. Para isso, basta indicar seu email e deixar um link para a
página da web. De acordo com a declaração da polícia, uma equipe de
especialistas do Centro Nacional Anticrime Digital realizará a
verificação de dados em tempo real. Softwares específicos analisarão 24
horas por dia o contexto da informação: a existência de desmentidos,
provas da falsidade do conteúdo oriundas de fontes objetivas, a
qualidade das fontes. Deve-se notar que o site não define o que são fake
news.
Por que a polícia está fazendo esse trabalho?
Não
existe uma lei que confie essa responsabilidade à polícia. Foram as
próprias forças policiais que tomaram a iniciativa. Penso que a
ferramenta foi criada porque o Parlamento italiano ainda não conseguiu
aprovar uma legislação similar à adotada na Alemanha. A chamada lei
"Gambaro", sobrenome da deputada que propôs o projeto, contém
dispositivos semelhantes, mas não foi oficialmente lançada ou aprovada.
Por que a Itália lançou mão dessa ferramenta?
Acredito
que principalmente por causa do resultado do último referendo, em
dezembro de 2016. A grande maioria dos eleitores rejeitou a reforma da
Constituição italiana, aprovada pela maioria do Parlamento. Este
resultado deu um sinal claro às forças políticas: com a Internet e as
redes sociais, elas não são mais capazes de direcionar e controlar a
opinião pública. O mecanismo de censura nas redes sociais e, de forma
mais geral, na web, também é uma forma de resposta ao descontentamento e
aos protestos crescentes.
Como analisa esta ferramenta do ponto de vista legal?
É
um mau exemplo. A liberdade de expressão, em todos os meios, é
protegida e garantida pelo artigo 21 da Constituição italiana.
Informações "falsas" são proibidas somente se afetarem a reputação e a
dignidade de outros – em caso de difamação. Esta iniciativa, não
prevista por lei, parece ser o oposto da garantia de liberdade de
expressão estabelecida pela Constituição. Entre os políticos, as reações
sobre esta ferramenta têm sido diversas. Mas a maioria dos jornalistas
condenou mais ou menos explicitamente a iniciativa, que lembra o
"ministério da verdade" de George Orwell.
Emmanuel Netter, pesquisador especialista em direito de novas tecnologias (França): Quem deve regular as redes sociais?
É
uma pergunta ampla. Os sistemas policial e judicial convencionais
deveriam lidar com essas questões. Parte da tarefa reguladora também
pode ser atribuída às próprias plataformas: é visivelmente este o
caminho que o governo francês pretende reforçar. Mas acho que não
devemos aprofundar muito esta abordagem, porque se termina atribuindo
responsabilidades demais a entidades privadas.
Em que casos as redes sociais deveriam censurar conteúdos?
Quando
o Facebook e o Twitter são sinalizados sobre algum conteúdo que é
visivelmente discriminatório contra qualquer comunidade, pode-se esperar
que eles reajam. Por outro lado, quando entramos no campo da sátira, da
crítica, do debate político, do humor ou mesmo das fake news, há então
necessidade de discussão.
O que acha da proposta de Emmanuel Macron de criar uma lei para combater as fake news durante o período eleitoral?
É
muito difícil se posicionar sobre um projeto de lei cujo texto ainda
não se conhece. Manifesto certa inquietude com a ideia de censura de
informações falsas. O caráter "falso" nem sempre é óbvio, e será
necessário investigar se aquela informação é realmente imprecisa. Para
isso, é preciso realizar um trabalho jornalístico.
A que poderia levar um maior controle realizado pelas próprias plataformas?
Em
caso de dúvida, a plataforma removerá o conteúdo. Porque se você
censurar uma publicação que não merecia ser censurada, não corre grande
risco. O usuário em questão ficará insatisfeito, mas a priori a
plataforma não estará cometendo um delito. Se a plataforma, porém, não
remover um conteúdo claramente ilegal, arrisca ter que pagar uma grande
multa, como já prevê a lei na Alemanha, por exemplo. É um risco muito
alto para uma sociedade democrática que pretende manter um debate livre
entre seus cidadãos, mesmo que, por vezes, de forma provocativa ou
excessiva. Pergunto-me se as caricaturas de Maomé, publicadas pelo
jornal Charlie Hebdo há alguns anos, poderiam estar on line se
adotássemos uma lei similar à lei alemã. Não tenho certeza.
Como as redes sociais lutam hoje contra as fake news e discursos de ódio na França?
Com
seu «Journalism Project», o Facebook conseguiu externalizar a função de
verificação de notícias falsas. O Facebook é esperto: não irá censurar,
mas diminuir a visibilidade das informações no algoritmo. Assim, será
ainda mais difícil para quem que publicou informações consideradas
falsas se queixar, porque elas não serão completamente censuradas.
Quanto ao Google, a ferramenta é baseada no crowdsourcing: o
mecanismo de busca pede aos usuários que sinalizem o que pensam ser
falso. Em ambos os casos, trata-se de regulamentação "soft", as empresas
não procuram entrar em choque com ninguém.
Dieter Frey, advogado especialista em mídias no escritório Frey Rechtsanwälte (Alemanha):
Quem deve regular as redes sociais?
Cada
empresa deve cuidar de sua própria plataforma. As redes sociais têm
suas próprias diretrizes que determinam o que é ou não aceitável. Mas
suas regras nem sempre correspondem às leis nacionais e europeias. A
questão é como realizar esse controle. Penso que a nova lei alemã
ultrapassa as fronteiras necessárias; suas regras são muito rígidas.
Por que a Alemanha adotou uma lei contra as fake news?
Houve
uma grande discussão sobre os discursos de ódio e as informações falsas
durante as eleições americanas. O governo alemão também considerou que
as plataformas não haviam feito o suficiente para conter os discursos de
ódio ou de xenofobia, como os da extrema direita em relação aos
refugiados. Finalmente, as eleições gerais alemãs, em setembro, tiveram
um papel definitivo. A lei foi aprovada logo antes das eleições.
Como distinguir o ódio e o sarcasmo na Internet?
Esta
é uma das questões mais importantes que esta lei levanta. Não é tão
fácil saber se um comentário é irônico ou não. É necessário identificar a
pessoa que escreveu e interpretar o contexto. Mas os moderadores não
têm interesse em gastar muito tempo com comentários. O Facebook recrutou
duas equipes de verificadores, mas a maior parte deles não são
advogados. São treinados, mas quando há um perigo de infração, eles
podem ser tentados a bloquear o comentário, uma intervenção que pode ser
desproporcional.
A Europa pode seguir o exemplo alemão?
Pode,
mas não acho que deve. Uma questão como essa precisa ser resolvida no
nível europeu. Em todo caso, não podemos pôr os direitos
constitucionais, que protegem os direitos pessoais, acima da liberdade
de expressão.
Nina Iacono Brown, professora de Direito da Comunicação na Universidade de Syracuse (EUA):
Quem deve regular as redes sociais?
Nos
Estados Unidos, existe uma proteção muito forte da liberdade de
expressão. A primeira emenda à Constituição a protege das restrições
governamentais. Isso só permite uma regulamentação fraca das redes
sociais. O governo não pode indicar aos sites que tipo de conteúdo será
permitido.
Após as revelações sobre a interferência russa, de onde vem esta pressão sobre as redes sociais?
Há
certamente uma pressão por parte do governo por causa dessa
interferência. Mas acho que vem muito dos cidadãos, usuários das redes
sociais. Após as eleições, quando descobrimos o que aconteceu, as
pessoas ficaram furiosas com o fato de as redes sociais terem permitido
que essa situação acontecesse e terem, além disso, se beneficiado
financeiramente. Este descontentamento já dura um ano e creio que tenha
incentivado as redes sociais a buscar mudanças. Mas o Facebook e o
Twitter não têm nenhuma obrigação de prestar contas. Eles tornam
públicas algumas de suas decisões, mas o que fazem é apenas comunicação.
Como as plataformas lutam contra os discursos de ódio e as fake news?
De
novo: o governo não pode forçar o Facebook e o Twitter a apagar
conteúdos. As redes sociais são livres para decidir por si mesmas. Todas
elas têm termos de uso que proíbem o assédio moral, abusos e ódio.
Podemos sinalizar um conteúdo problemático, mas são as plataformas que
tomarão as decisões. Às vezes, elas não fazem nada, e sua inatividade
pode causar problemas.
Tradução de Clarisse Meireles
Tradução de Clarisse Meireles
Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FMidia%2FRedes-sociais-como-regular-sem-censurar-%2F12%2F39288
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