Apesar de ainda não haver confirmações, e nenhuma repercussão na grande
mídia, o movimento trans acredita que a vítima era uma travesti no
início de sua transição. Seguiremos exigindo a investigação do caso, que
independente da vítima, é uma atrocidade impar.
Um vídeo de 47 segundos está sendo difundido no WhatsApp mostrando a
frieza com que os crimes de ódio contra LGBTs são executados. Cinco
garotos assassinam brutalmente de forma covarde uma pessoa enquanto
outro filmava. Parece uma repetição do caso Dandara, que apesar da repercussão segue sem julgamento.
Eu abri o vídeo que recebi no grupo do Setorial LGBT da CSP-Conlutas e
o espanto e o horror me subiram a pressão. Cenas brutais de ódio e
frieza revelam como somos covardemente assassinadas. Não com um tiro ou
um corte que cumpre seu objetivo, mas com centenas de machadadas,
pauladas, gritos, chutes, socos mesmo após o corpo já não responder. São
6 meninos, aparentemente menores de idade e já alimentados pelo ódio a
diferença, a diversidade, destroem o corpo, e mais, a vida, os sonhos e a
perspectiva de mais uma pessoa, que tudo indica ser uma mulher trans, e
de centenas de outras como eu que vivem constantemente sob a mira dos
35 anos como perspectiva de vida, da prostituição, das favelas e
moradias precárias, da solidão das relações afetivas, família e demais
instituições.
Ela, ninguém sabe o nome. Nem sabemos ainda se é ela, mesmo. Não
apareceu em nenhum jornal ainda, talvez sequer tenha uma nota. Dandara
foi só um emblema, por baixo da bandeira, por trás da visibilidade que
está na TV avançando dia a dia, do horário nobre à Malhação, está a
nossa carne fraca. A nossa carne que não vale mais do que um programa de
prostituição, nessa sociedade capitalista.
Há quem diga que o capitalismo não tem nada a ver com isso. Como não?
Como não tem a ver se é sob a divisão de classes que se busca controlar
os corpos e manter a opressão presente nos castigos secretos que se
escondem todas estas instituições. A escola transmite essa ideologia,
esconde a nossa existência para não "influenciar" a ideia de que somos
normais. A Igreja faz campanha aberta contra nossa "perversão". Os
políticos fazem questão de nos ofender e crescer alimentando o
transfeminicidio. A justiça, ah...essa é a mais clara: prende travestis arbitrariamente como Verônica Bolina e deixam impunes nossos assassinatos.
Como é brutal o ódio contra a nossa identidade de gênero. Como o
gosto de sangue, o desespero e o futuro tão perigoso quanto temido de
viver essa realidade. Daqui 26 dias completo 25 anos. É o dia da
visibilidade trans. Mas não estamos falando da boa visibilidade com
Pablo, Linn, Pepita, Lia, Raquel Virginia... não. É a visibilidade nos
próximos 5 anos que me fazem cruzar uma estatística. São os passos
cotidianos que sentimos medo, sentimos ódio, sentimos o quanto somos
frágeis. Quantas vezes não pensamos se vamos conseguir chegar em casa?
Se aquela proposta é de amor ou ódio? Se riem e pararão por ai, ou se
querem nosso sangue - sempre após gozarem. Não lhes parece estranho
tesão e vergonha, desejo e ódio na mesma frase? Viemos sob este
constante paradoxo.
Como ainda não há confirmações sobre a vítima, me faço pensar porque é
tão fácil acreditar que esta seja uma vítima do transfeminicidio. É
talvez, porque somos o país que mais mata pessoas trans? Será porque
Dandara foi o primeiro caso a ser reconhecido como transfobia, enquanto
mais de outras 100 mortes foram esquecidas? Talvez seja porque estamos
nos acostumando com a barbárie capitalista de ceifar nossas vidas?
Porque vivemos sob este perigo e medo constantemente que um vídeo que
circule com tal dúvida já aumente nossas angustias? Nós sabemos o peso
de pisar nas ruas de dia, de olhar por muito tempo para uma mesma
pessoa, do desprezo, comentários e risos por onde passamos, no tesão e
no ódio que provocamos. Sabemos que este caso não é só possível, como um
fato cotidiano que é asfixiado todos os dias pela grande mídia e pela
naturalização que tentam nos impor que viveremos sempre pela metade.
Senão transformarmos nosso ódio e indignação com mais esse caso em
organização, que nos permita deixarmos de ser vitimas impotentes e nos
transformar coletivamente numa força capaz de enfrentar toda a forma de
opressão e exploração derrubando este sistema e nossos algozes. Senão
olharmos para nós com a tarefa de por um fim a esta barbárie completa
que somos submetidas, não vale a pena viver. Não faz sentido. Nenhum!
Atualizado em 04/1/18 as 15:00: Acabei de falar a Assessoria de
comunicação da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará
que teve conhecimento do caso, me pediu novas informações e contatos do
movimento para conseguir avançar na investigação, uma vez que as
delegacias não registraram nenhum caso parecido com tamanha atrocidade.
Junto a todos movimentos LGBT que ficaram estarrecidos com esse
assassinato, exigimos imediata apuração e esclarecimento.
Segundo Helena Vieira, mulher trans, assessora parlamentar do Deputado Renato Roseno (PSOL/CE), que vem acompanhando o caso, nenhuma nova informação surgiu até hoje, 5 de janeiro. Informou ainda que nem se sabe ao certo se tratava-se de uma pessoa LGBT ou se as imagens que circulam pelas redes sociais, aconteceram mesmo no Ceará. Qualquer nova informação, registraremos.
Disponível em: http://www.esquerdadiario.com.br/Sob-machadadas-Ceara-tem-primeira-possivel-vitima-do-transfeminicidio
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