“O Juiz Moro agiu como injusto. Não
respeitou a lei ao proferir uma sentença condenatória contra um homem
inocente. Como quando acontece o extermínio de um jovem, por ele ser
negro e ser julgado, condenado e morto, não porque tenha feito algo
errado, (…) mas simplesmente por ser negro”.
Hmmm. Será?
A frase foi dita pela
deputada federal petista Maria do Rosário em um ato em defesa de Lula
na última terça em Porto Alegre – e pegou mal entre quem conhece alguma
coisa sobre o assunto.
“Não tenho palavras pra definir esse tipo de comparação. É algo
descabido e extremamente oportunista”, retruca, indignada, Fabiana*, que
viu o vídeo de onde mora há 29 anos: Cidade de Deus, na Zona Oeste do
Rio de Janeiro. “Eu acordei já ouvindo tiros de arma pesada, e minha
preocupação era com a minha mãe que mora em outra parte do bairro e
estava saindo pro trabalho. Quando liguei ela já tinha saído. Eu tive
que sair mais tarde de casa”. Até o momento, vizinhos de Fabiana relatam
cinco mortos durante a operação policial em curso.
A fala da deputada é apenas uso
político das dores alheias. Algo que acontece com frequência sobretudo
entre políticos quando querem defender suas bandeiras. Mas a Rosário não
está sozinha nessa — é uma falácia retórica que fica cada vez mais
popular entre certos segmentos da esquerda, e que subiu mais um degrau
com o julgamento de Lula.
A exemplo, esse post do PSOL:
O post foi tão criticado que o partido fez um mea culpa dizendo que
“a ideia da peça não foi afirmar que o justiçamento e a condenação sem
provas começam no caso Lula. Pelo contrário: ela existe e produz
injustiças no Brasil há muito tempo, basta ver o absurdo caso de Rafael
Braga”.
As comparações entre a prisão de Lula e
a de Rafael Braga, que inundaram as redes sociais, são outro exemplo
forte dessa descabida assimetria. Detido durante as manifestações de
junho de 2013 com duas garrafas de pinho sol, o ex-catador de latas
acabou condenado a cinco anos de prisão. Foi liberto, mas acabou preso
novamente por tráfico. Apesar da suspeita levantada pela defesa de o
flagrante ter sido forjado por policiais, ele foi condenado a 11 anos de prisão.
As comparações entre a prisão de Lula e a de Rafael Braga, que inundaram as redes sociais, são outro exemplo forte dessa descabida assimetria.
O Rafael são muitos. Em 2006, quando foi aprovada a nova Lei de Drogas, 401.236 pessoas estavam na cadeia e o Brasil era o 4º país que mais prendia gente. Passados 11 anos o número de presos dobrou. Um em cada três responde
por tráfico de drogas. Dos 726 mil detentos, 40% não foram julgados
— ou seja, estão ilegalmente presos sem nunca terem sido
condenados. Quantos deles você acha que têm advogado?
O número de mortos pela polícia no Rio
de Janeiro, a mesma que enquadrou Rafael Braga, seguiu a lógica: só em
2017 foram mais de 1.000 assassinados, o maior número em quase 10 anos.
De imediato é difícil fazer a comparação com o caso de Lula, que,
mesmo condenado, continua livre enquanto aguarda apelação. Na próxima
semana ele até viajará ao exterior.
Apoiadores de Lula o comparam a Rafael Braga, único preso e condenado
durante as manifestações de 2013 – que foram contra o aumento das
tarifas de ônibus, por mais direitos sociais e contra os partidos, entre
eles, o PT.
Este paralelo fica ainda mais raso
quando você lembra que a vida de jovens negros e pobres como Rafael
foram impactadas severamente por situações específicas onde o PT é
algoz, não aliado. Lei de Drogas é uma delas. Instituída em 2006 durante
o governo petista, foi fator chave para o drástico aumento da população carcerária no Brasil,
especialmente contra jovens negros e pobres, como Rafael. Foi também na
gestão petista que houve um recrudescimento penal que nos deixou como
legado a Lei de Organizações Criminosas, a Lei Antiterrorismo e a
indicação de ministros nem sempre ligados ao campo jurídico
progressista para o Supremo Tribunal Federal e de Justiça. E temos ainda
a gestão penitenciária precária e a criação da Força Nacional de Segurança.
Este paralelo fica ainda mais raso quando você lembra que a vida de jovens negros e pobres como Rafael foram impactadas severamente por situações onde o PT é algoz, não aliado.
E, para quem já esqueceu, a manifestação em que Rafael Braga foi preso foi uma resposta ao governo petista de Dilma Rousseff, que apesar de dizer ouvir as ruas, lançou mão da autoritária Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que trata do emprego das Forças Armadas em situações de “manutenção da segurança pública”. Dilma abriu a porteira para o emprego das Forças Armadas nas favelas e pior: para a lei que reinstituiu o julgamento em tribunais militares para aqueles que atentarem contra a vida de civis durante operações de GLO. O preço, alto, já começou a ser pago por sete jovens chacinados durante operação do exército no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, há pouco mais de dois meses.
Disponível em: https://theintercept.com/2018/01/25/lula-dilma-policial-violencia-pt/
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