Por Marcio Pochmann
Do ponto de vista contábil, o Estado devolve através de políticas
públicas para o conjunto da sociedade o que capturou na forma de
tributação do excedente gerado pelo processo econômico, após deduzir o
custo do seu próprio funcionamento. Nesse sentido, interessa saber a
eficácia e o custo do Estado para gastar o que arrecada pelos impostos,
taxas e contribuições, bem como de onde vem e para onde vai a tributação
de responsabilidade estatal.
Historicamente, a preocupação arrecadatória no Brasil sempre esteve
distante de qualquer preocupação de equidade, pois voltada à acumulação
privada e por consequência favorável aos detentores de riqueza. Noutras
palavras, a evolução das receitas e dos gastos não deixou de apontar o
caráter de classe do Estado, justamente porque tem se apresentado
implacável com o pobre e afável com o rico.
Com isso, constata-se, por exemplo, que a estrutura tributária que a
República brasileira herdou do Império (1822-1889) pouco se alterou em
relação a seu perfil regressivo. Ou seja, o predomínio da receita
pública advinda dos tributos indiretos que são os que mais incidem
proporcionalmente sobre os que menos renda possuem.
Com a passagem da sociedade agrária para a urbana e industrial, a
partir de 1930, as principais fontes das receitas públicas se deslocaram
do comércio externo para o consumo interno, o que permitiu desprezar os
rendimentos dos capitais e propriedades, entre outras formas de renda
dos ricos. Até a Revolução de 1930, o imposto de importação que
representava quase dois terços da receita pública foi sendo gradualmente
substituído pela tributação da produção e, principalmente do consumo
interno.
Desde então, três principais reformas tributárias foram realizadas
para permitir a elevação das receitas públicas, o que acentuou ainda
mais o peso dos impostos, taxas e contribuições na base do que no topo
da pirâmide social brasileira. A primeira reforma tributária, por
exemplo, transcorreu com Getúlio Vargas que se mostrou fundamental para
viabilizar a industrialização, enquanto a segunda, sob a ditadura
militar, modernizou o sistema de tributação e a administração pública,
com avanços na tributação direta (Imposto de Renda) sem alterar o
sentido da regressividade na arrecadação, ademais de ampliar o gasto
público para os que menos precisavam.
A terceira reforma desencadeada na Constituição Federal de 1988
introduziu novos tributos que buscaram financiar a ampliação e
descentralização do gasto público, sobretudo no chamado Estado de
bem-estar social. Em virtude disso, as sucessivas medidas impulsionadas
pelos governos democraticamente eleitos aumentaram a arrecadação pública
na mesma velocidade com que pioraram a qualidade tributária e a sua
regressividade na oneração da população.
No ano de 2012, por exemplo, os brasileiros com rendimento mensal de
até 2 salários mínimos comprometiam 197 dias do ano com pagamentos de
tributos, enquanto aqueles com renda acima de 30 salários mínimos
precisavam de 106 dias do mesmo ano para o pagamento dos tributos. Quase
quarenta anos antes, em 1975, quem recebia até 2 salários mínimos
comprometia 103 dias do ano com tributos, ao contrário daqueles com 30
salários mínimos e mais de renda, com 75 dias comprometidos com a
tributação.
Diante disso, o Brasil neste início do século 21 precisa construir
uma nova matriz tributária que seja contemporânea da dupla transição
relacionada às exigências da economia sustentável ambientalmente com os
novos requisitos da sociedade de serviços. Ao contrário do passado,
portanto, o sentido da nova matriz tributária deve se orientar pelo
objetivo da equidade tributária.
Um bom exemplo disso seria o alívio do Imposto de Renda (IR) para
13,5 milhões de declarantes que recebem até 5 salários mínimos mensais.
De um lado porque o valor arrecadado por esse segmento de brasileiros
(50% do total dos 27 milhões de declarantes) representa apenas 1% (R$1,2
bilhão) de toda a receita do IR.
De outro lado porque a reintrodução das normas de tributação sobre
lucros e dividendos vigentes até o ano de 1995 permitiria ampliara a
arrecadação do IR em mais 44 bilhões de reais. Para isso, cerca de 2,2
milhões de declarantes ricos seriam atingidos, possibilitando a elevação
da receita total do IR em quase 39%.
♦ Marcio Pochmann é
professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos
Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), ambos da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp)
Disponível em: https://www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/11603-arrecadacao-de-impostos-no-brasil-sempre-foi-implacavel-com-o-mais-pobre
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