A CRISE DA EDUCAÇÃO NO BRASIL NÃO É UMA CRISE; É PROJETO
Cortes deliberados em ciência, tecnologia e
educação são parte do plano antinacional de inviabilização do futuro do
Brasil.
A frase de Darcy Ribeiro que titula este artigo sintetiza o governo que nos assola desde o golpe do impeachment:
a dita crise, criada de fora para dentro, é um projeto de
desconstrução, com início, meio e fim, que percorre todos os vãos da
vida nacional, mas se concentra na inviabilização do futuro do país,
cortando de vez as possibilidades objetivas de retomada do
desenvolvimento, pois todas elas dependem de ensino, pesquisa e
tecnologia, o alvos mais frágeis.
Esse projeto tenta, como nenhum governo nacional ou estrangeiro jamais ousou, a destruição da Amazônia -
doando ao desmatamento, à grilagem e à mineração predatória (alguém se
lembra de ‘Serra pelada’?) uma área superior ao território da Dinamarca,
enquanto abre nossas terras de fronteira à especulação internacional.
Com a privatização da Eletrobras --
e aí está o ataque frontal à economia produtiva depois da destruição da
engenharia brasileira --, teremos, por inevitável, o aumento do preço
da energia, inviabilizando as indústrias intensivas em consumo de
energia. O volume de crédito para empresas caiu e o juro subiu, apesar
da queda da Celic.
Mediante os mais variados procedimentos
empreende a desmontagem de ativos estratégicos indispensáveis ao nosso
desenvolvimento e à nossa soberania, como a Petrobras e o BNDES.
Como
coroamento, interdita o único caminho que nos levaria para o futuro: o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, e a universalização do
ensino, como direito fundamental de todos.
Com o corte geral dos investimentos (a ‘PEC do teto de gastos’ ou ‘PEC do Fim do Mundo’) decreta a interdição, por 20 anos, dos investimentos públicos em áreas como infraestrutura, educação e saúde, além da já citada C&T.
Trata-se,
portanto, de projeto, tão bem alinhavado, quanto diabólico e
impatriótico: transformar a pobreza de hoje num destino irrecorrível,
aumentar a desigualdade social com o desmantelamento da escola pública,
gratuita e de boa qualidade.
O golpe certeiro foi anunciado
(para quem quis ver), logo nos primeiros dias da nova ordem, com a
destruição do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, transformado
em um uma secretaria sob a chefia geral de um ministro sem
qualificação, sem visão de conjunto, sem visão de Brasil.
A pá de cal viria com o criminoso corte dos recursos destinados às universidades públicas, à pesquisa, ao ensino e à inovação.
A
comunidade científica e acadêmica assiste perplexa (demoradamente
perplexa e sem resposta à altura do desafio) à deterioração crescente
das condições mínimas necessárias para manter de pé o ensino de
qualidade e a pesquisa, especialmente nas universidades públicas - e em
nosso país a pesquisa é quase uma exclusividade das universidades
públicas, acompanhadas de umas poucas instituições privadas de ensino,
as quais, todavia, têm seus programas financiados pelo poder público,
via CNPq, FINEP, CAPES e agências estaduais de fomento, como a FAPERJ e a
FAPESP.
Professores, servidores, alunos e ex-alunos da UERJ protestam contra a falta de recursos
Não
sem lógica, portanto, o orçamento das universidades federais teve um
corte de 3,4 bilhões. Os recursos para as bolsas do CNPq chegam ao fim
do poço neste setembro, criando insegurança e pânico a milhares de
pesquisadores.
Esse hediondo crime que se pratica contra o
presente e principalmente contra o futuro de nossa gente e de nosso
país, é o fruto óbvio da redução drástica do orçamento tanto do
Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) como
do Ministério da Educação (MEC).
No caso do MCTIC, seu
orçamento para 2017, corresponde a cerca de 25% daquele que teve nos
governos lulistas, que mesmo então ainda não era nem o desejável nem o
necessário. Mas não é só.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de apoio à
infraestrutura física e laboratorial, teve seu orçamento inicial
reduzido de cerca de R$ 3,5 bilhões para R$ 1,3 bilhão. Logo em seguida,
uma nova redução para R$ 720 milhões, valor que não permite o pagamento
dos projetos em execução e impede que instituições de fomento como o
CNPq e a FINEP apoiem novas pesquisas e projetos de inovação,
fundamentais para o desenvolvimento de novas tecnologias pelas
indústrias aqui instaladas.
Importantes e tradicionais
instituições que integram o MCTIC, como o Observatório Nacional, o
Centro Brasileiro de Pesquisas Científicas, o Instituto Nacional de
Pesquisa da Amazônia, a FIOCRUZ, o Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas, o Laboratório Nacional de Computação Científica, entre outros,
podem encerrar suas atividades já no final deste mês. Todas as
universidades federais estão em crise, e estaduais como a UERJ, não têm
mais condições de funcionamento normal.
Todo este quadro leva a
um profundo desânimo por parte dos pesquisadores, incentivando a
migração para outros países, nos quais vislumbram caminhos de
continuidade de seus projetos e suas pesquisas, depois de haverem tido
suas formações custeadas pelo povo brasileiro.
Mas o pior está anunciado para 2018.
O
projeto de Lei Orçamentária para 2018, enviado pelo Planalto ao
Congresso Nacional reduz ainda mais os recursos do MCTIC, dos atuais e
minguados 15,6 bilhões (o menor da história) para 11,3 bilhões. A
proposta de Meirelles-Temer risca do mapa projetos estratégicos (são
sempre eles os mais atingidos) como o Sirius (novo acelerador de
partículas) e o Reator Multipropósito, destinado à pesquisa e à
fabricação de radiofármacos.
Esses projetos, considerados
prioritários pelos governos Lula-Dilma e pela comunidade cientifica,
integravam o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A proposta
para o FNDCT em 2018 é de R$ 390 milhões, cerca de metade do já
catastrófico orçamento disponível para 2017.
No mundo da quarta
revolução industrial, delineando a ‘era do conhecimento’, com profundos
impactos sobre a forma de produção de bens e serviços e sobre a vida dos
cidadãos e os destinos das nações, nós que chegamos à revolução
industrial com cem anos de atraso, nos vemos apartados, por muito tempo,
de qualquer sorte de desenvolvimento.
Este, se não detido, é o
legado de um governo de natureza ilegítimo, sem mandato para o programa
que está impondo ao pais. E nesses termos nos achamos na contramão do
mundo: enquanto cortamos os recursos federais, a União Europeia, em
crise, decide (exatamente para sair da crise) investir 3% de seu PIB em
Ciência e Tecnologia, a China aumenta em 26% seus investimentos em
pesquisa básica, e os EUA, a maior potência mundial também em C&T,
vai investir 2,7% de seu PIB.
Sempre é bom citar a Coreia do
Sul, nos anos 1950 um país de camponeses devastado por uma guerra
fratricida, hoje um país desenvolvido, de quem importamos manufaturados
de elevado teor tecnológico: de 2000 a 2014, o investimento sul-coreano
em ciência e tecnologia saltou de 2,19% para 4,29%!
Enquanto isso, no Brasil de Temer et caterva, reduzimos os investimentos em ensino e pesquisa.
Não se trata de acaso, mas de política antinacional deliberadamente adotada.
Se
nada mudar, estaremos, muito em breve, condenados a comprar a preço de
ouro, e em condições de subserviência, o acesso àquela ciência e àquela
tecnologia que os países que as detém se dispuserem a ceder, aquela
ciência e aquela tecnologia cujo desenvolvimento nos está sendo negado
pelo regime Meirelles-Temer.
Em
muitos casos, porém, tais tecnologias sequer estarão disponíveis para
compra, especialmente aquelas que apresentem potencial de acesso a
clubes tecnológicos fechados para países não-membros. Pior. Os controles
exercidos pelos países desenvolvidos sobre tecnologias de uso dual,
incluindo as áreas nuclear e espacial, vêm sendo ampliados com
propósitos que extrapolam questões de segurança e avançam claramente
sobre a área comercial.
Ou seja, esses controles funcionam, em
última análise, como mais uma barreira ao acesso dos países em
desenvolvimento às tecnologias de que tanto necessitam.
O
controle das tecnologias, claro está, é forma de dominação. Donde
produzir sua própria tecnologia é o caminho a ser percorrido por quem
deseja emancipar-se. É o caminho que nos foi fechado pelo governo
ilegítimo, que assim atenta, também e conscientemente, contra nossa
soberania.
Conhecimento científico e tecnologia estão no cerne
dos processos por meio dos quais os povos são continuamente reordenados
em arranjos hierárquicos. Desde sempre se sabe que o conhecimento
comanda a hierarquização dos povos, motivo pelo qual se faz necessário
assumir a evidência de que não há possibilidade de Estado soberano sem
autonomia científica e tecnológica e, conclusivamente, não há
possibilidade de inserção justa na sociedade internacional, na
globalização como se diz agora, sem soberania.
Um governo
conciliado com o interesse nacional teria à sua frente a árdua tarefa
de, a um só tempo, promover o desenvolvimento científico e a aplicação
tecnológica, e ensejar a mais rápida introdução das inovações ao
processo produtivo.
Mesmo em circunstâncias normais tratar-se-ia
de ingente corrida contra o tempo, corrida que desde a partida nos
encontrou atrasados, atraso esse que se acentua em face do ritmo lento
de nosso desenvolvimento científico-tecnológico.
É esse atraso
que a dupla Meireles-Temer e seus comparsas de súcia estão,
deliberadamente, aprofundando, ameaçando-nos com um ponto sem retorno.
Trata-se
de projeto político que visa à destruição do presente e do futuro de
nosso país, e só isso explica o ataque brutal à geração do conhecimento,
mediante a destruição da universidade pública, da pesquisa e da
ciência, e dos ensaios de inovação.
A crise é o governo que aí está.
Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/A-crise-da-educacao-no-Brasil-nao-e-uma-crise-e-projeto/13/38821
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