Quase 50% das pequenas propriedades estão em solo nordestino e garantem o abastecimento do restante do Brasil.
A agricultura familiar no Brasil é
sinônimo de Nordeste. Os produtores da região respondem por metade do
fornecimento de alimentos que chegam às mesas do País. Os nove estados
reúnem quase 50% dos 4,4 milhões de empreendimentos desse segmento. O
esforço nos últimos anos visa adensar as cadeias produtivas locais,
incorporar novas culturas e tecnologias, aumentar a compra e ampliar os
investimentos para reduzir os efeitos da seca.
A estiagem traz prejuízos incalculáveis aos agricultores
familiares. “A seca afeta principalmente a pequena pecuária e a
agricultura, pois os grandes produtores têm mais recursos para
combatê-la, pois sempre ocuparam as terras perto de rios e contam com
abastecimento de água mais farto. Os programas sociais nesse campo têm
um papel importante para diminuir os efeitos da seca”, afirma a
economista Tania Bacelar, sócia da consultoria Ceplan.
A importância da agricultura familiar e os efeitos da seca sobre
o segmento estimulam a discussão sobre o tamanho do Brasil rural. Para o
secretário do Desenvolvimento Agrário do Ceará, Dedé Teixeira, estudos
recentes apontam um fenômeno recente, uma nova ruralidade, que engloba
dois tipos de produtores: famílias que habitam zonas periféricas das
grandes cidades e plantam para subsistência ou para vender a vizinhos e
agricultores de pequenas cidades que empurram a economia local.
Sete anos atrás, 70% dos municípios tinham menos de
20 mil habitantes e quase 90% tinham menos de 50 mil habitantes. Os
indicadores de que 16% da população vive no meio rural, sugere esta
análise, estariam defasados e contrastam com a realidade.
“Esse direcionamento aponta que quase 40%
da população no Brasil está ligada a essa nova realidade. Isso cria a
percepção de que a União, os estados e os municípios precisam ter uma
visão diferente sobre o tema e os orçamentos públicos precisam
contemplar essa discussão, que precisa ganhar espaço na sociedade”,
destaca.
“O que faz a gente desconfiar do
total de 16% que vive no meio rural, apresentado pelos indicadores, é a
quantidade de municípios com menos de 20 mil habitantes no País, que são
70%. Um habitante do perímetro urbano de um município de 5 mil
habitantes é tido como urbano. É comparado com o morador de São Paulo. O
Brasil rural é muito maior do que a sociedade pensa”, acrescenta Tania Bacelar, uma das pesquisadoras que estimam o Brasil rural em 40%.
Os governos estaduais apostam em diversas estratégias para
fomentar o segmento. Estado com maior número de agricultores
familiares, a Bahia investe 260 milhões de dólares desde 2015 em um
programa chamado Bahia Produtiva, para adensar cadeias produtivas de
agricultores familiares, que conta com recursos do Banco Mundial.
Foram executados até o momento pouco mais
de 170 milhões de reais. Até 2020, mais de 500 milhões de reais serão
investidos. Recentemente, foi aberto um edital para a cadeia do cacau,
por meio do qual foram selecionados 32 projetos que receberão 10 milhões
de reais. “Queremos explorar o máximo essa cadeia, 90% do cacau
produzido na Bahia vem de agricultura familiar. Queremos adensar com
outros produtos, como manteiga de cacau, chocolate com mais teor de
cacau”, afirma Jerônimo Rodrigues, secretário de Desenvolvimento
Agrário.
No Maranhão, os focos são a produção de mel, enviado in natura para os estados vizinhos, como o Piauí, e recomprado industrializado, e de açaí,
cuja fruta é em grande parte processada no Pará. “Queremos mudar essa
realidade e adensar essas cadeias e produzir riqueza aqui”, afirma
Adelmo Soares, secretário de Agricultura Familiar. Em agosto, a
Associação dos Apicultores de Junco do Maranhão foi contemplada por uma
chamada pública feita pelo governo para selecionar projetos de
revitalização de agroindústrias familiares da cadeia produtiva do mel.
A associação receberá 100 mil reais que
serão usados para reformar as unidades de produção e melhorar o processo
de obtenção de licenças ambientais e registros sanitários, para
garantir a inocuidade e a qualidade do mel. Com cerca de 45 famílias
associadas, a expectativa da coleta, que vai do período de julho a
outubro, é produzir perto de 200 toneladas do produto para
comercialização.
O estado ainda prepara duas novas chamadas públicas, uma
direcionada ao açaí e outra ao babaçu. “Queremos exportar o óleo de
babaçu, já que exportamos apenas o coco”, afirma o secretário. Para o
açaí, preveem-se investimentos de 540 mil reais, que beneficiariam até
70 produtores dos municípios de Amapá, Cândido Mendes, Godofredo Viana,
Carutapera e Luís Domingues.
No Ceará, o governo
assinou em agosto um decreto que cria a política de aquisição de
alimentos da agricultura familiar, destinado a cinco modalidades: compra
com doação simultânea, compra direta, incentivo à produção e ao consumo
de leite, apoio à formação de estoques e compra institucional.
De janeiro de 2016 até junho de 2017, o estado comprou
perto de 150 milhões de reais em alimentos. “Com esse decreto, pelo
menos 30% serão da agricultura familiar, são cerca de 2,5 milhões de
reais por mês. Isso também vai garantir aos produtores condições mais
saudáveis nessa cadeia alimentar e, o mais importante, será um
complemento ao trabalho dos nossos agricultores”, destaca Teixeira.
O Ceará investe ainda na distribuição de
mudas de cajueiros-anões, variedade que antecipa em dois meses e
prorroga por mais dois meses a produção. Um cajueiro comum produz 280
quilos por hectare em um ano. A espécie anã produz até mil quilos por
hectare no mesmo período. Normalmente, a safra inicia-se em setembro de
um ano e segue até janeiro do seguinte. “Temos 10% dos hectares
plantados de caju do estado com essa variedade”, aponta Teixeira. O
Ceará é o maior produtor da fruta no Brasil.
Incorporar novas tecnologias para assegurar produtos com alta segurança alimentar
tem sido o objetivo do governo da Paraíba, que tem promovido uma série
de cursos sobre boas práticas de fabricação de alimentos para
agricultores de polpa de frutas e derivados do leite. Outra iniciativa é
o fomento de feiras locais. Em julho, foi a vez do município de Bonito
de Santa Fé, no sertão da Paraíba. A feira, que funciona às
sextas-feiras, reúne cerca de 20 produtores que se dividem em dez
barracas com produtos agrícolas e animais.
O principal financiador da cadeia é o
Banco do Nordeste, que investirá 2,5 bilhões de reais na safra iniciada
em julho deste ano. O valor equivale a um acréscimo de 8% em comparação à
safra anterior. Os juros variam de 0,5%, 2,5% e 5,5% ao ano, a depender
da destinação do crédito. As taxas mais reduzidas favorecem a produção
de alimentos em sistemas de base agroecológica e orgânica, assim como os
investimentos em energia renovável, irrigação e práticas sustentáveis de manejo do solo e da água.
Para este ano, a novidade é uma nova linha com foco em investimentos em energia solar.“Ela
vai aumentar a competitividade de atividades no meio rural e contribuir
para a utilização de energia renovável e limpa no meio rural”, afirma
Alex Araújo, superintendente de Microfinança e Agricultura Familiar.
Os governos estaduais têm buscado reduzir
o impacto da seca no interior, com a instalação de cisternas. No Ceará,
desde 2015 foram instaladas cerca de 40 mil cisternas, além de a
administração ter ampliado o programa de reúso de água em comunidades do
interior. No Maranhão, o governo estruturou um programa para a
distribuição de cisternas a escolas rurais e a agricultores familiares.
Outro programa fortalecido foi o Mais Feira, que distribui um kit
composto de barracas, balanças, jalecos, caixa de isopor, gaiola
plástica para aves e treinamento de comercialização e higiene.
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/especiais/nordeste/da-agricultura-familiar-vem-a-base-da-alimentacao-nacional
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