MULTIDÃO PROTESTA EM SÃO PAULO CONTRA A ‘CURA GAY’: “NÃO SOMOS DOENTES!”
Manifestação ocorreu em repúdio a liminar que abre uma brecha para que psicólogos ofereçam pseudoterapias de reorientação sexual.
Manifestação na avenida Paulista contra a 'cura gay', nesta sexta-feira. Fernando Bizerra Jr EFE Milhares de pessoas — ainda não se sabe quantas ao certo —
ocuparam nesta sexta-feira algumas quadras da avenida Paulista, a
principal via de São Paulo ,
e marcharam até o centro da cidade para gritar que pessoas lésbicas,
gays, bissexuais ou transsexuais não são doentes. O motivo concreto da
indignação é a liminar concedida por um juiz federal que abre uma brecha para que psicólogos possam oferecer pseudoterapias de reorientação sexual , popularmente chamadas de cura gay , algo até agora expressamente proibido pelo Conselho Federal de Psicologia .
"É um absurdo criminalizar a população LGBT, falar que nossa orientação
sexual ou nossa identidade de gênero é uma doença. Porque não é. E é um
absurdo ter que protestar por causa disso em pleno 2017", diz Victória
Gonçalves, estudante de História e Ciências Sociais de 19 anos. "Estamos
aqui para reivindicar nossos direitos de amar que a gente quiser e
poder ser quem nós somos sem sermos recriminados por isso", acrescenta
ela, que levava um cartaz com a seguinte frase: "Nossa sociedade está
doente de normalidade".
A multidão, formada sobretudo por jovens, muitos deles
segurando bandeiras arco-íris e cartazes — e também com alguma purpurina
colorida no rosto —, começou a se formar em frente ao MASP a partir das
17h. Duas pessoas acabaram detidas após um confronto com policiais
militares, segundo relatos. Por volta das 19h30, milhares desciam a rua
Augusta, que foi tomada por completo, cantando: "Eu beijo homem, beijo
mulher, tenho o direito de beijar quem eu quiser!". Ou gritando: "Um
dois três, quatro cinco mil, pega a cura gay e vai pra puta que pariu!".
Em alguns momentos também entoando: "As gay, as bi, as trans e as
sapatão, tá tudo organizada pra fazer revolução!". Meire
Aparecida de Oliveira, de 48 anos, conta que está casada com uma mulher
e que sua filha, de 17 anos, também é lésbica. "Outro dia uma amiga
dela que estava com sua namorada foi agredida dentro do trem por ser
lésbica. Então nos preocupamos muito", explica ela, que é analista de
atendimento e forma parte do coletivo Mães pela Diversidade .
"Quando a gente consegue ter o nosso espaço, sempre tem alguém querendo
tirá-lo. Mas o que você faz entre quatro paredes não diz respeito a
ninguém. Eu pago minhas contas, tenho minha vida profissional e minha
vida cidadã como todo mundo".
Grávida de sete meses, Ana Tainá Dias Moura tem uma
preocupação similar com o futuro de seu filho. "Não quero que ele viva
em uma sociedade tão opressora como a nossa. Que ele possa ser o que
quiser, gostar de quem quiser, sem ter todos os preconceitos em cima
dele", diz a jovem, que tem 21 anos e foi à passeata com outras duas
amigas. Lá também estava a transexual Ave Abay Omi, para quem "ir para
as ruas é a única forma que temos de autenticar o que a gente quer
realmente". Ela diz esperar ainda "uma solução justa para todos, sempre
no intuito de se chegar a paz".
Arthur Berman acredita, entretanto, que "a população LGBT
tem que estar muito mais presente na rua". "O maior movimento é a parada
e depois tudo acaba. As pessoas só voltam quando tem um massacre de
Orlando ou esse absurdo da cura gay ", diz o jovem, que tem 17
anos e está no ensino médio. Ele opina que "a liminar vai cair", mas que
ainda assim devem continuar "apreensivos com os movimentos da Câmara".
Manifestantes seguram faixa em manifestação contra a 'cura gay', em SP. NELSON ALMEIDA AFP
Assim como Arthur, o professor José Roberto Leme opina que a
população LGBT está pouco presente nas ruas para reivindicar seus
direitos. "É a primeira vez que, fora a parada gay, nos reunimos para
fazer algo. As últimas paradas perderam o foco e as pessoas vêm muito
pela brincadeira. Mas aqui o pessoal pegou uma causa e tá apoiando.
Porque quando um juiz abre a possibilidade de 'cura gay', ele tá
errado”, explica o professor, que tem 52 anos, dá aulas de Direito
Constitucional, Sociologia e Filosofia e foi ativista em várias causas,
entre elas as Diretas Já dos anos 80. O que muda o país, argumenta, "não é só a educação, porque a consciência das pessoas também tem que mudar".
A manifestação seguiu até o Largo do Arouche, no centro da
cidade. Conforme as pessoas se aproximavam de seu destino destino final,
por volta das 20h30, aplaudiam as transsexuais que trabalham nas
esquinas e hotéis da região. Em determinado momento, agachados no chão,
todos repetiram as seguintes frases: "Esta justiça, que prendeu Rafael
Braga, e que está contra os trabalhadores, é a mesma que ainda trata as
pessoas trans como doentes. Não somos doentes! Não somos doentes!".
Enquanto isso, um homem comentava a outro: "É muito bom ver São Paulo
viva".
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/23/politica/1506125381_227089.html
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