No Dezoito Brumário de Louis Bonaparte (1852), uma das obras
políticas mais relevantes de Karl Marx, o pensador alemão cunhou uma
sentença que se tornaria um de seus grandes legados para a posteridade:
“A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como
farsa”.
Em 1989, ano em que ocorreram as primeiras eleições
diretas da assim chamada Nova República, o Brasil se encontrava em um
ambiente clássico de tragédia.
Após um governo medíocre,
assegurado por um pacto com a ditadura militar e legitimado por uma
votação indireta, que acontecera para sufocar o apelo pelas “Diretas
Já”, campanha que havia mobilizado as massas populares em todo o
território nacional, o povo brasileiro clamava por mudanças e agonizava
para se libertar daquela situação insustentável.
O Plano Cruzado,
que, alguns anos antes, congelara os preços dos produtos manufaturados e
industrializados no mercado nacional, efetivamente havia conseguido
mexer com o imaginário de todos os brasileiros. Os cidadãos se
converteram em fiscais do Sarney, como decorrência da postura ativa da
população, que se mobilizara contra a corrida pela remarcação
indiscriminada de preços, que ocorria nas prateleiras do supermercados e
no comércio geral nas caladas da noite.
Entretanto, após algum
tempo, o placebo mostrou seu verdadeiro rosto e o Plano Cruzado revelou
ser apenas uma medida populista e eleitoreira. A decepção e o
desencorajamento foram avassaladores. O resultado foi que, no final da
década, o povo brasileiro se encontrava à beira de um estresse coletivo,
tal era o desânimo que se notava em todas as pessoas e em qualquer
lugar dentro deste imenso país.
Alguma coisa precisava ser feita,
pois o desespero extremo constitui uma força imprevisível, desordeira
e, portanto, ameaçadora aos olhos daqueles que efetivamente dirigem a
nação.
Assim foi que Fernando Collor de Mello, um jovem rico,
branco, bem-apessoado e filho de uma tradicional família política
alagoana, foi o escolhido pelas elites para catalisar novamente os
anseios populares.
De modo a seduzir a grande massa montou-se
uma poderosa estratégia de marketing em torno de um personagem fictício
que era o "Caçador de Marajás", vendendo-se a falsa imagem de um jovem
intrépido que se insurgia contra o status quo e, com firmeza, enfrentava
os usineiros de Alagoas, como se não fosse ele um dos legítimos
representantes daquela burguesia regional.
Através da candidatura
fabricada em torno de Collor, as elites conseguiram impedir a eleição
de Lula, na época um líder sindical com proposições bastante radicais em
torno da reforma agrária e da política econômica; ou a ascensão de
Brizola, que representava naquele momento a maior ameaça ao império dos
monopólios de comunicação.
O "fator Collor" só foi possível
porque se criou a pseudo imagem de novidade. O próprio candidato fazia
questão de se afirmar como não-político. Dizia que estava ali apenas
para moralizar a vida nacional. O resultado de toda esta tragédia é
muito bem conhecido por qualquer pessoa que tenha um mínimo de
informação sobre a história recente deste país.
Vivemos,
atualmente, um cenário parecido com o de 1989. Após oito anos de um
governo que parecia colocar o Brasil no caminho da acreditação mundial,
veio o tempo das vacas magras e da falta de esperança, que foi piorado
pelas alianças criminosas feitas pelo partido governista com os
segmentos mais conservadores da fisiologia e da parasitologia da
política brasileira.
Agora, diante de um quadro recorrentemente
desolador, marcado pela onipresença da corrupção e do esvaziamento dos
sonhos por melhores dias, as elites tentam, uma vez mais, prescrever o
seu velho remédio, isto é, a apresentação de produtos fabricados,
enlatados e massificados pelos meios de comunicação. É como se estes
super-heróis, que traduzem no imaginário popular as ideias de sucesso,
moralidade e competência, pudessem ser a única e verdadeira via para a
superação do grave momento em que nos encontramos.
Assim é que
certos empresários e apresentadores de televisão, entre os quais João
Dória Jr. e Luciano Huck, têm seus nomes lançados à sorte pelos donos da
grande mídia e por outros tecnocratas, incluindo-se a figura impoluta e
vaidosa de um ex-presidente da república.
Suas indicações
representam a melhor das apostas dos grupos dirigentes diante da
descrença total da população em todos os políticos, independentemente de
suas pretensas ideologias.
Caso venham a assumir o papel que
lhes é outorgado pelas elites a que pertencem, serão praticamente
imbatíveis, pois terão o poder econômico da máquina capitalista para
financiar suas campanhas presidenciais e, sobretudo, o poder
massificador das empresas de comunicação, que torpedearão de modo
incansável as mentes do brasileiro comum com a farsesca imagem de que
representam qualquer mudança.
Quanto a nós, educadores e educandos, é necessário que sigamos em frente e nademos uma vez mais contra a corrente.
Estamos prontos para assumir a autêntica crença de que não precisamos
de heróis e que o nosso destino repousa sobre a nossa própria capacidade
de agir crítica, afetiva e eticamente?
Haveremos de encontrar
forças para lutar por uma sociedade mais participativa, em que o cidadão
comum possa controlar rigorosamente os políticos deste país e não o
inverso, como historicamente tem ocorrido?
Israel Brandão, Ph.D.
Disponível em: https://www.facebook.com/israelrb/posts/10210801942978841
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