Norma do Conselho Nacional de Justiça passou a valer para todos os cartórios do país em 14 de maio de 2013. No Distrito Federal, foram registrados 433 casamentos homoafetivos; conheça história de três casais.
O G1 conversou
com três casais – de Brasília, Rio de Janeiro e Minas Gerais – sobre as
mudanças jurídicas e sociais que a oficialização do casamento promoveu
na vida dos homossexuais. (Leia as histórias ao final da reportagem).
Em 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a
Resolução 175, que passou a garantir aos casais homoafetivos o direito
de se casarem no civil. Com a resolução, tabeliães e juízes ficaram
proibidos de se recusar a registrar a união.
“Até então, eles podiam negar os pedidos baseando-se na legislação, que
garante o direito ‘apenas a casais’, o que para o direito
consuetudinário [dos costumes] seria um homem e uma mulher”, explicou o
advogado de família Fernando Carvalho.
No primeiro ano de aplicação da norma, foram celebrados 3.700
casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo em todo o Brasil, segundo o
levantamento do CNJ. Em 2015, data da última pesquisa do IBGE sobre o
tema, o número total – entre héteros e homossexuais – chegou a 1,13
milhão.
Em termos absolutos, os casamentos gays ainda são minoria – 0,5% do
total. No entanto, pessoas do mesmo sexo têm-se casado muito mais que os
heterossexuais. Entre 2014 e 2015, houve um aumento de 15,7% no número
de casamentos homoafetivos, enquanto o de casais "tradicionais" cresceu
2,7%.
No Distrito Federal, até o dia 3 de maio, foram realizados 433
casamentos civis ou conversões de união estável em casamento entre
pessoas do mesmo sexo, segundo balanço do Tribunal de Justiça do DF.
A corregedoria do órgão informou ao G1 que, na capital, nunca houve casos de cartórios que descumprissem a resolução do CNJ.
Antes podia?
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) criou jurisprudência para casos semelhantes
ao proferir decisão favorável a duas ações que pediam o reconhecimento
da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Uma delas pedia que os direitos e deveres fossem os mesmos dos casais
heterossexuais, a outra alegava que o não reconhecimento contrariava
preceitos fundamentais como igualdade, liberdade e o princípio da
dignidade da pessoa humana – todos previstos na Constituição.
Mesmo assim, segundo o próprio Conselho Nacional de Justiça, ainda
havia brechas para que pedidos de união estável continuassem a ser
recusados. Afinal, o STF não tem competência para criar leis e a
resolução do CNJ só seria publicada dois anos depois.
Nenhum direito a menos
Com a conquista do direito de se casar em 2013, os homossexuais
passaram a usufruir de mecanismos legais que, desde 1916 (ano do
primeiro Código Civil), eram exclusividade dos casais hétero. O
principal deles, segundo o advogado Carvalho, é patrimonial.
“Casamento é a formação de um núcleo familiar, mas essencialmente resguarda a questão patrimonial, porque elege um regime de bens.”
Os casais de pessoas do mesmo sexo passaram a ter todos os direitos e
obrigações previstos em lei e firmadas no contrato, como a partilha de
bens e herança de parte do patrimônio do cônjuge em caso de morte.
Para o rádio-operador de plataforma marítima Pablo Sanches, de 36 anos,
a vontade de oficializar o casamento com o parceiro cresceu depois que
se perguntou:
“Por que não?”
Até 2013, a resposta seria simples: "porque a legislação brasileira não
permite". Hoje, além dos direitos, o contrato também concede aos casais
homoafetivos o reconhecimento social da união.
“Surge um momento na vida que a gente almeja construir algo com o
outro. Casar foi a oficialização dessa nossa união, mas também nos
garantiu o direito de poder colocar o outro como dependente num plano de
saúde, por exemplo.”
Para o advogado Carvalho, a questão previdenciária também é importante.
“No funcionalismo público, está prevista pensão para o cônjuge [em caso
de morte]. Mas os casais [homoafetivos] não tinham acesso a esse
direito mesmo com a união estável.”
O servidores públicos Hugo Pullen, de 29 anos, e Thiago Ribeiro, de 27,
passaram a se valer desse direito quando se casaram em setembro do ano
passado.
~~“A gente vai ser protegido se acontecer qualquer problema, nenhum direitonosso vai ser tolhido.”
Para Pullen, o casamento civil contribui para a inclusão dos casais
homoafetivos em um contexto que, até então, somente admitia casais entre
homens e mulheres. “São coisas pequenas no dia a dia, mas que têm um
significado muito importante.”
“Posso falar de boca cheia que o Thiago é meu marido. Antes, por mais que tivesse a união estável reconhecida, não podia.”
União estável
A união estável firmada em cartório, no entanto, também assegura a
maioria desses direitos, segundo o advogado. “A solenidade é a maior
diferença.” Carvalho afirma que muitos casais – hétero e homossexuais –
não optam pelo casamento pela burocracia do procedimento.
“Se estiver em um relacionamento estável e quiser resguardar a questão
patrimonial, basta fazer uma escritura pública no cartório na hora,
eleger o tipo de divisão de bens e pronto. O casamento no civil pode
levar até 90 dias.”
As sutis diferenças entre a união estável e o casamento firmados em
cartório foram motivo de debates no STF na última quarta (10). Os ministros decidiram pela equiparação dos dois tipos de contrato quanto ao regime de herança, tanto para os casais homoafetivos quanto para heterossexuais.
Casar pra quê?
Para Pablo Sanches, o preconceito ainda é uma barreira à oficialização
do casamento entre pessoas do mesmo sexo. No dia em que ele e Fábio de
Sá se casaram, o cartório registrou 13 casamentos, sendo dois
homoafetivos – o deles e de duas mulheres.
“Elas chegaram a pedir para serem as últimas, provavelmente porque não
queria as pessoas julgando. Eu faria a mesma coisa se fosse o primeiro
da lista na frente de um monte de gente que, pro bem ou pro mal, estava
julgando eu estar casando com uma pessoa do mesmo sexo.”
“A forma como olhavam pra gente, não sei se foi espanto ou repulsa. Mas você se sente desconfortável.”
“Quando a gente fala que vai casar, as pessoas devem ficar se perguntando ‘qual deles vai entrar de noiva?’.”
A aprovação – ou a falta dela – na família também pode afastar a ideia
de casamento. “Acho que tem o peso da obrigação de ter que contar para
os pais. Preocupação com o que o que a sociedade vai pensar. É como se,
enquanto estou entre quatro paredes com meu parceiro, tudo bem. Mas,
quando firma no cartório, todo mundo fica sabendo”, disse Sanches.
“A gente fica à mercê das expectativas que criam em cima de você. Quando diz que é homossexual, isso estraga todo o planejamento que tinham na cabeça.”
Para Hugo Pullen, o ambiente de trabalho também pode ser um bloqueio.
“Você vai estar lá, com a aliança no dedo e os registros vão acusar que é
casado. Já aconteceu de me perguntarem o nome da minha esposa e eu
dizer que era marido. Não me incomoda. Mas para algumas pessoas, sim.”
Chuva de arroz
Leia abaixo a entrevisa do G1 com
os três casais citados na reportagem sobre a experiência de oficializar
o casamento no civil: os benefícios, as dificuldades e os estereótipos
construídos em torno da instituição que, por séculos, foi exclusividade
dos heterossexuais.
O rádio-operador de plataforma marítima, Pablo Sanches, passa duas
semanas em alto mar a cada 14 dias de folga. Distante da costa, com
sinal telefônico fraco e rede de internet “comparável à discada”, a
comunicação com o parceiro é um desafio desde que se conheceram.
“Hoje o Fábio está mais acostumado, mas eu tenho que compensar quando tiro férias, que fico 40 dias em casa.”
Ele e Fábio Mendonça de Sá, de 40 anos, se casaram há duas semanas e
fizeram a cerimônia em um bistrô para cerca de 90 pessoas. O
relacionamento, porém, começou em 2010 – três anos antes da resolução do
Conselho Nacional de Justiça.
Bem humorado, Pablo diz que brincava com os amigos que entraria no
casamento "vestido de Donna Karan com a música “Isn’t she lovely” [de
Stevie Wonder].” Segundo ele, o preconceito e a falta de conhecimento da
realidade LGBT perpetuam esteriótipos sobre o relacionamento
homoafetivo.
"As pessoas acham que [o casamento gay] vai ser igual a um episódio de RuPaul’s Drag Race."
Os dois vivem sob o mesmo teto desde 2012 e dividem o apartamento no
Rio de Janeiro com outro casal homoafetivo, a cunhada de Sanches e a
companheira dela. Até este ano, o estado registrou cerca de 2 mil
casamentos entre pessoas do mesmo sexo, segundo dados do CNJ.
Pioneiras
Primeiro casal gay de uma cidade no interior de Minas Gerais a se casar
no civil, Tatiani Oliveira, de 35 anos, e Lumara Rodrigues, de 25,
fizeram questão de tirar fotos na praça logo depois de assinar os
papéis. “Se não fosse pra causar eu nem casava”, brincou Tatiani.
As duas se conheceram em um grupo de lésbicas na internet e começaram
um relacionamento à distância no final de 2011. Quase um ano depois,
elas romperam. “Nós ficamos dez meses separadas, mas nunca paramos de
nos falar. A gente sabia que uma amava a outra.”
Durante um encontro do grupo em São Paulo em 2013, Lumara ligou para
Tatiani e a pediu em casamento. A data foi uma sexta-feira 13, “que é o
dia do azar, mas pra mim foi o mais feliz de todos”, disse Tatiani.
Desde então, as duas moram juntas em Miraí – que tem cerca de 15 mil
habitantes –, onde "quase todo mundo se conhece". Por conta disso, a
maior preocupação do casal era com a filhas, que poderiam sofrer algum
tipo de bullying na escola. Tatiane tem uma menina de 15 anos e Lumara,
uma de sete.
"Pras meninas isso nunca foi um problema. É normal ter duas mães, porque sempre foram criadas assim."
Segundo Tatiani, o preconceito veio de uma pastora que publicou nas
redes sociais uma foto dela e da companheira com a legenda "Que Deus
proteja nossas crianças". O casal entrou com uma ação na Justiça contra a
mulher por injúria – "já que ainda não existe crime de homofobia" – e
recebeu a indenização por danos morais.
"Idendepente da cor e orietação sexual, o respeito te permite ser quem você quiser", disse Tatiani.
Sim, sim e sim
Hugo Pullen e Thiago Ribeiro se casaram em setembro de 2016, após dois
anos de relacionamento. O pedido foi surpresa, quando casal dividia os
lençóis há um ano.
“Meu plano era casar um pouco depois, mas o Thiago me pediu em casamento no ano passado e eu não podia e nem queria dizer não", disse Pullen.
A oficialização da união foi registradada em Brasília e eles fizeram
uma cerimônia simples para comemorar, “nada com muita pompa”. O
casamento foi conduzido por uma monja do grupo zen que Ribeiro
frequenta.
Para Pullen, o casamento representa um passo "muito grande" tanto para
os casais homoafetivos individualmente, como para o avanço dos direitos
LGBTs. "Talvez por ser recente, as pessoas ainda estejam recebendo a
ideia e a inserindo nos planos e sonhos pessoais. Na medida em que se
quebram os tabus, as pessoas vão percendo que isso é algo que vem para
melhorar."
“Não é como se a gente estivesse interferindo no direito de alguém. Dizer que não posso [me casar], sim, é interferir no meu direito.”
Disponível em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/casamento-gay-no-brasil-completa-4-anos-de-regulamentacao-leia-historias.ghtml
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