Em entrevista coletiva, psicólogos defendem 'necessidade de defender
políticas públicas que trabalhem com redução de riscos e danos, que
respeitem as individualidades e o percurso histórico' de cada pessoa
usuária de drogas que vive na região.
O prefeito João Dória caminha pelos escombros da cracolândia após operação policial no domingo (21/05)
"O que eu vi foi um aparato policial do tempo de guerra. Profissionais e
usuários sem rumo e sem referência, numa posição de perdidos. Pessoas
absolutamente fragilizadas. (…) Achei que só veria aquilo na ditadura
militar”, relata Maria Orlene Daré, psicóloga e membro da Comissão
Nacional de Direitos Humanos ao comentar, em entrevista coletiva
concedida a jornalistas na noite de segunda (22/05), a ação policial
realizada na região da Luz, chamada de “Cracolândia”, no último domingo
(21/05).
De acordo com Daré, “a imprensa fala que [a ação] foi um sucesso, que
não houve ferimentos, mas pela fala dos profissionais que atenderam [no
domingo], houve feridos sim, com balas, entre elas, uma criança de 10
anos, que foi atendida num posto de gasolina".
Na manhã do último domingo (21/05), mais de 500 policiais civis,
militares e de operações especiais, fortemente armados, realizaram uma
operação na região onde se concentram diversos usuários de drogas, entre
elas, crack. O braço armado do Estado, a mando da prefeitura e do
governo do Estado de São Paulo, rasgou barracas, atirou contra pessoas
desarmadas e promoveu cenas de barbárie contra dependentes químicos,
moradores e trabalhadores da região, como revelam os relatos de pessoas
presentes na hora da ação.
A ação policial prendeu cerca de 80 pessoas, a maioria dependentes de
psicoativos que comercializavam as drogas para uso próprio, de maneira
bem diferente da ideia de traficante que se tem socialmente: "Esses
‘traficantes’ estão muito longe daqueles traficantes com helicóptero
levando 500 kg de cocaína. Não foi divulgada pelos meios a quantidade de
droga apreendida", comenta Roberta Marcondes, membro do coletivo A
Craco Resiste, que caracterizou a ação conjunta como “marqueteira e
violenta”.
O conselheiro presidente do Conselho Regional de Psicologia da 6ª
região de São Paulo, Aristeu Bertelli, ressaltou que "há necessidade de
defender políticas públicas que trabalhem com redução de riscos e danos,
que respeitem as individualidades e o percurso histórico de cada uma”
das pessoas que hoje estão vivendo na região.
O prefeito João Dória (PSDB) declarou, ainda no domingo, algumas horas
após a ação de higienização, que o programa "De Braços Abertos" – criado
pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e que tinha uma orientação de
tratamento humanizado dos dependentes químicos – será encerrado e em seu
lugar será instaurado o programa “Redenção”, anunciado em março.
Entidades de direitos humanos têm criticado o fato de o programa não
estar totalmente estruturado e o fato de que o Redenção “visa a
internação e não se preocupa com uma política de redução de danos”.
Os representantes do conselho de psicologia ressaltaram ainda que não
houve nenhum diálogo com a população, nem com as entidades e
trabalhadores que estavam no programa desde a gestão Haddad.Humanidade
O Conselho de Psicologia enfatizou veementemente a preocupação com o
trato do Estado aos usuários de drogas, que são destituídos de sua
condição de seres humanos enquanto fogem às pressas da ação da PM que,
por sua vez, investe contra eles tiros de bala de borracha, bombas de
gás lacrimogêneo, spray de pimenta e não lhes dá a chance de levarem
sequer seus documentos de identificação.
"O ferimento maior é invisível, porque atinge a subjetividade das
pessoas. Como é ver pessoas que foram violentadas. Não existe saúde
mental se vínculos são destruídos e os vínculos estão sendo destruídos",
lamenta Daré.
"O Ministério Público e Defensoria Pública do Estado de São Paulo
entrarão com procedimento para apuração das forças policiais, da Guarda
Civil Metropolitana desta cidade", declarou Aristeu no final da
coletiva.
Entrevista coletiva
A mesa da entrevista coletiva foi composta pelo Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo (CRP-SP), Sindicato dos Psicólogos de São Paulo
(SinPsi), Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Conselho
Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (Condepe) e do Conselho Federal
de Psicologia (CFP) para discutir os impactos e violações de direitos
humanos da última ação truculenta: "A atividade de hoje, enquanto
coletiva de imprensa, tem a perspectiva de compartilhar o testemunho do
conselho de psicologia, de entidades que nos apoiaram como movimento
nacional de direitos humanos da cidade de São Paulo e de outras
entidades testemunharam o que foi que essa política fez contra usuárias e
usuários, contra trabalhadores e trabalhadoras na cidade. Numa ação
desarticulada com as políticas de assistência e de saúde, que expôs
trabalhadores e trabalhadoras, usuários e usuárias, sem diálogo com os
conselhos municipais, conselho de políticas de drogas, foi literalmente
feita no gabinete e foi articulada com forças de segurança pública",
defende Bertelli.
*Publicado originalmente no site Brasil de Fato
Disponível em: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/47197/achei+que+so+veria+isso+na+ditadura+diz+psicologa+sobre+acao+na+cracolandia.shtml?cmpid=fb-uolnot-eq
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