Professora da Universidade de São Paulo (USP) e crítica assídua do modelo capitalista, a filósofa Marilena Chauí foi recebida essa semana por uma verdadeira multidão de jovens da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Auditório lotado, gente sentada no chão e escadas, porta entupida de
espectadores e a entrada da universidade igualmente lotada, com alunos
que assistiam à palestra em uma transmissão ao vivo, feita pela TV UERJ.
Assim foi recebida Marilena, que falou sobre a crise nas universidades públicas brasileiras.
A entrevista é de Fania Rodrigues, publicada por Brasil de Fato, 04-04-2017.
Desde o ano passado a UERJ enfrenta graves problemas de falta de recursos
e até hoje as aulas não voltaram de forma integral. No entanto, segundo
uma nota do Fórum de Diretores das Unidades Acadêmicas da universidade,
publicada no dia 29 de março, a universidade não está parada.
“Encontra-se funcionando, em muitas de suas atividades de pesquisa, de
ensino e de extensão.
Quanto ao atendimento à saúde, o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) e a Policlínica Piquet Carneiro
(PPC) continuam atendendo à população em esforço redobrado”. A nota
informa que persistem as dificuldades com falta de limpeza, coleta de
lixo e manutenção, em todos os campi da UERJ, mas que “a Reitoria,
juntamente com o Fórum de Diretores decidiu firmar como propósito que
desejamos iniciar as aulas, integralmente, o mais rápido possível”.
Para Marilena, os problemas da UERJ vão muito além da relação com o governo do estado. “A crise nas universidades é
resultado do avanço neoliberal e da entrada da iniciativa privada
internacional no mercado brasileiro”, afirmou a filósofa durante a
palestra.
Para ela, o modelo de universidade pública começou a entrar em crise ainda na ditadura militar,
quando as bases curriculares foram reformuladas. “As universidades se
tornaram funcionais, puramente técnicas, para a formação de
profissionais qualificados. Na década de 80 passaram a desempenhar um
papel mais ligado à lógica do mercado, que visava resultados e
produtividade. Depois, já na década de 90 e anos 2000, passou a ser uma
universidade operacional, voltada para si mesma e para a produção
artigos, relatórios e focada em avaliações externas”, relata a
acadêmica.
Marilena diz que a universidade precisa sair dessa “bolha” e entender que ela é parte da luta de classes. Mas, que essa mudança exige um caminho árduo e longo.
Eis a entrevista.
Qual o caminho para pensar uma solução para o problema da
instrumentalização das universalidades, que agora trabalham apenas na
lógica do mercado, priorizando eficiência e resultado?
Esse caminho começa no ensino básico e no ensino médio. É preciso
retomar a ideia de formação no lugar da informação, da crítica no lugar
da repetição. Os meios de comunicação e a velocidade da
internet levam as pessoas a se considerarem informadas e com capacidade
crítica. Sem perceber que elas estão "informadas" porque não têm
formação, que elas não têm um espírito crítico. Na verdade elas estão
contra ou a favor de alguma coisa, mas sem dar as razões pelas quais são
a favor ou contra.
É possível a gente começar essa mudança no atual cenário político e com o atual governo?
Sim. Tem e demanda um trabalho lento. A experiência que temos da época da ditadura e a experiência que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
tem na sua trajetória, por exemplo, nos mostram que é um trabalho
cotidiano, que leva folhinha para o formigueiro. Então se nós tivermos a
expectativa de uma solução em um curto espaço de tempo não mudaremos.
Temos que pensar que é um trabalho de longo prazo que envolve cada um de
nós durante muito tempo e de diferentes maneiras. Exige paciência
histórica.
Começamos a semana com a notícia do fim do programa federal
Ciência Sem Fronteira. Também tem esse projeto do governo Temer de
cobrar mensalidades em cursos de pós-graduação e a Universidade Estadual
do Rio de Janeiro em decadência. Qual a análise que a senhora faz desse
desmonte das universidades públicas?
O desmonte está ligado à adoção perspectiva neoliberal.
O Estado vê as universidades como empresas, onde tem que haver
competição e produtividade. A partir daí se abandonou a ideia de
direitos sociais, que não está ligada ao lucro, mas de construção do
próprio país e da consolidação da democracia. O que temos é um desmonte da escola democrática,
em todos os níveis, mas que exige de nós aquilo que os brasileiros
sabem fazer que é o trabalho da resistência. Nós vamos vencer outra vez.
Por fim, qual é o papel da universidade na luta de classes?
O papel da universidade
é ser uma parte da luta de classes. A universidade não pode ser apenas
um lugar que reflete sobre a luta de classes. Ela tem que compreender
que é parte dessa disputa, seja pelo seu alunado, pela divisão entre
seus professores, pelo papel das administrações e burocracias, que
operam muitas vezes a favor da classe dominante. Somos parte da luta de
classes e somos obrigados, como instituição de ensino, a entender esse
papel que desempenhamos na sociedade.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/566493-marilena-chaui-universidades-devem-entender-que-fazem-parte-da-luta-de-classes
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