O secretário -geral da CNBB, dom Leonardo Steiner
O capitalismo mata, como diz o Papa
Francisco e, no Brasil, de maneira especial nos dias que correm pelo
desemprego, pela terceirização das relações de trabalho e pelo desmonte
da Previdência Social. Quem afirma isso é o franciscano Leonardo Ulrich
Steiner, bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Sua biografia é marcada
pelo fato de ter sido ordenado padre por Dom Paulo Evaristo Arns (1978) e
sucedido dom Pedro Casaldáliga na Prelazia de São Felix do Araguaia
(2005/2011), dois dos maiores ícones da Igreja engajada na vida do povo
brasileiro. Ele concedeu entrevista exclusiva a Caminho Pra Casa
na qual afirmou que a Teologia da Libertação, mais que corrente
teológica tornou-se “uma verdadeira espiritualidade cristã” ao abrir à
Igreja para a vivência da Palavra, às comunidades de base e ao
protagonismo dos pobres.
Ele falou também sobre a especificidade da Semana Santa no
cenário do país, sobre o tema da ordenação de homens casados e o
protagonismo dos leigos e anunciou: durante a próxima Assembleia Geral
da CNBB, entre 25 de abril e 5 de maio, em Aparecida do Norte, os bispos
brasileiros deverão emitir uma declaração “contundente” sobre o
massacre dos trabalhadores e trabalhadoras promovido pelo governo Temer,
à luz dos encontros que a entidade tem mantido com movimentos sociais e
centrais sindicais.
Caminho Pra Casa – O Papa Francisco afirmou em diversas
ocasiões, mas com especial ênfase nas três edições do Encontro Mundial
dos Movimentos Populares, que o capitalismo é um sistema de mata. Como o
senhor interpreta essa visão em geral e especificamente na sociedade
brasileira?
Dom Leonardo Ulrich Steiner – Como não acolher a
colocação do Papa? Ele tem um sentido de humanidade que é raro. Ele nos
convoca e, no caso brasileiro, a uma ação corajosa em várias frentes, no
mundo do trabalho, com os temas atuais da aposentadoria e da
terceirização, da onda brutal de desemprego. São todos elementos de uma
economia que olha o mercado e não as pessoas. É um sistema que descarta
as pessoas simples.
O Papa resgatou e tem atualizado a Teologia da Libertação,
tão caluniada e reprimida pela hierarquia da própria Igreja na América
Latina e pela Cúria romana. Como o senhor vê a Teologia da Libertação
historicamente e hoje?
A Teologia da Liberação deu uma boa contribuição à Igreja na América
Latina e no mundo. O teólogo Gustavo Gutierrez, que é o pai da Teologia
da Libertação, tem uma expressão que eu considero muito adequada: ela
deixou de ser uma ‘teologia’ ou uma ‘corrente teológica’ para se tornar
uma verdadeira espiritualidade cristã. Os temas da Teologia da
Libertação tornaram-se cotidianos na vida da Igreja: a presença da
Palavra de Deus na vida das comunidades –as pessoas estão retornando a
isso; hoje, na CNBB, conversamos cada vez mais sobre a necessidade das
comunidades de base, outro tema trazido pela Teologia da Libertação; e
finalmente, a Teologia da Libertação de fato abriu a Igreja ao tema dos
pobres como protagonistas.
Há pessoas que não entendem os elementos centrais da Teologia da
Libertação. A questão verdadeira é: o que significa ser cristão? Como
viver o Evangelho?
Cristãos de diversas denominações vivem a Semana Santa neste
momento. Como esta Semana interpela a realidade brasileira, na visão da
CNBB?
A Semana Santa é sempre uma semana de amor e fraternidade, recordando
o sofrimento de Deus e do mundo e a renovação da vida. Isso tem um
impacto profundo na vida das pessoas e da Igreja.
No Brasil de hoje, a interrogação para nós é: até que ponto a Igreja é
capaz de ouvir o sofrimento do povo e lançar luz sobre este sofrimento,
apontando a esperança? Este sofrimento está atualizado hoje na enorme
tensão que existe no país em torno dos direitos dos mais pobres e da
incapacidade para o diálogo. Existe um sofrimento muito concreto do
trabalhador e da trabalhadora, do homem do campo, dessa multidão de 13
milhões de desempregados e parece que perdemos a capacidade de dialogar
sobre isso. Se não houver diálogo, o temor é que esse sofrimento
degenere em violência, pela ausência de saídas.
Há dois temas correlatos sobre a presença dos leigos na
Igreja que ganharam uma nova dimensão nos últimos meses e especialmente
nas últimas semanas: a possibilidade de homens casados serem ordenados
padres e a proposta de dom Demétrio Valentim de que leigos e leigas
possam presidir as celebrações eucarísticas.
Os cardeais Walter Kasper e Lorenzo Baldisseri, ambos da Cúria romana e
da confiança do Papa disseram esta semana que a ordenação de casados é
algo que cada conferência episcopal deve decidir em seu país. Agora os franciscanos de todo o mundo pedem ao Papa que libere a nomeação de leigos para a direção das ordens religiosas. Como está a CNBB em relação a isso?
O Santo Padre tem dito repetidamente à Presidência da CNBB que
precisamos encontrar saídas pastorais para as comunidades. É o caminho
natural do ministério dos leigos, que devem ser cada vez mais
evangelizadores. Outra questão é a assistência às comunidades que não
têm eucaristia. É uma questão prioritária. O Papa não está colocando em
debate propriamente o tem do celibato, mas da celebração eucarística.
Como será o futuro? Não sei. Seguiremos o caminho que o Papa indicar.
Quanto a este tema da ordenação dos homens casados, que ganhou força,
ele não é novo, mas não estava maduro. As pessoas talvez não saibam, mas
homens casados são ordenados normalmente no rito oriental[i] e já há centenas de padres casados, aqueles que vieram das igrejas Luterana e Anglicana, especialmente nos últimos anos.
Quais serão os temas centrais da próxima Assembleia Geral da CNBB?
O tema central escolhido para a Assembleia é o da iniciação à vida
cristã. Mas estas questões sobre as quais conversamos como a da
celebração eucarística e o ministério dos leigos terão destaque. Outro
assunto que consideramos de grande relevância é a tradicional nota da
CNBB sobre o 1º de Maio, que este ano reveste-se de características
especiais; ela com certeza irá se posicionar de maneira contundente
sobre o cenário nacional e à luz dos recentes encontros que mantivemos
com os movimentos sociais e as entidades sindicais.
Por Mauro Lopes
_________________________________________
[i] Há
mais de 15 igrejas católicas de rito oriental. Algumas das mais
conhecidas são a Igreja Católica Copta, a Igreja Católica Siríaca, a
Igreja Greco-Católica Melquita e a Igreja Maronita; algumas das menos
conhecidas no Brasil são a Igreja Católica Eritreia, a Igreja Católica
Bizantina Eslovaca e a Igreja Católica Bizantina Húngara.
Disponível em: http://outraspalavras.net/maurolopes/2017/04/11/dom-leonardo-o-capitalismo-mata-mesmo-teologia-da-libertacao-abriu-igreja-aos-pobres-e-a-vivencia-da-palavra/
Nenhum comentário:
Postar um comentário